‘Os testes têm que levar em conta gênero e idade para sabermos como os medicamentos afetam as pacientes’, afirma especialista.

Em mais de uma ocasião, escrevi que, historicamente, os ensaios clínicos ignoravam as mulheres, criando medicamentos feitos sob medida apenas para os homens. A situação melhorou, mas não para as mais velhas, que continuam sendo medicadas sem um lastro científico comprovando a eficácia do tratamento. A médica Stephanie Faubion, diretora do Centro para a Saúde da Mulher da Clínica Mayo, contou à repórter Judith Graham, do site KFF Health News, que muitas drogas largamente prescritas para idosos, como estatinas para combater altos níveis de colesterol, foram avaliadas em homens – e seus resultados “extrapolados” para as mulheres.

“Parte-se do pressuposto que a biologia feminina não importa e que as mulheres antes da menopausa e na pós-menopausa respondem da mesma forma ao medicamento. Isso precisa acabar: os testes têm que levar em conta gênero e idade para sabermos como afetam as pacientes”, declarou.

A droga Leqembi foi aprovada pelo FDA (o equivale norte-americano da Anvisa), em 2023, para deter o avanço do Alzheimer depois que o fabricante relatou uma diminuição de 27% do declínio cognitivo. No entanto, um apêndice do estudo sobre o medicamento, publicado no “New England Journal of Medicine”, revelou que havia uma diferença gritante em sua eficácia por gênero: enquanto 43% dos homens se beneficiavam com o remédio, a taxa de sucesso entre mulheres era de 12%. Não se pode esquecer que dois terços dos pacientes com Alzheimer são mulheres!

Mesmo com um número maior de doenças autoimunes, distúrbios como ansiedade e depressão e limitações para realizar atividades diárias, a resiliência feminina é impressionante: nos EUA, vivem cinco anos a mais que os homens; no Brasil, sete – portanto, se queremos o bem-estar dos idosos, precisamos nos preocupar de verdade com o sexo feminino. A reportagem lista as principais enfermidades que necessitam de uma nova abordagem.

Doença coronariana

Problemas do coração são mais frequentes após a menopausa e matam mais mulheres que qualquer outra condição. Entretanto, o atendimento a pacientes com dores no peito é muito mais rápido quando se trata de um homem. Martha Gulati, diretora de cardiologia preventiva no Hospital Cedars-Sinai, diz que idosas são mais suscetíveis de ter entupimentos em vasos menores (enquanto os homens são propensos a obstruções coronarianas), que acabam sendo negligenciados.
Saúde do cérebro:

Há diversos fatores que afetam a saúde do cérebro feminino: entre outros, lidar com o sexismo, as atribuições como cuidadora e dificuldades financeiras, principalmente quando a mulher está sozinha na posição de chefe da família. Elas também apresentam uma maior incidência de doenças que impactam o cérebro, como esclerose múltipla e derrame. Por último, mas não menos importante: a diminuição da produção do estrogênio, na transição para a pós-menopausa, um hormônio que protege o órgão.

Saúde mental

Estudos sugerem que a maior vulnerabilidade feminina em relação a quadros de ansiedade e depressão pode estar associada a mudanças hormonais e ao efeito cumulativo do estresse. Paula Rochon, professora de geriatria da Universidade de Toronto, defende a tese de que as mulheres mais velhas sofrem um duplo preconceito, que combina sexismo e etarismo e as torna “invisíveis”, comprometendo sua saúde mental.

Câncer

Supriya Gupta Mohile, diretora do setor de pesquisa oncológica geriátrica da Universidade de Rochester, propõe que, em vez do fator idade, o estado geral de saúde seja o fator para definir o rastreamento de câncer: “minha avaliação é de que, atualmente, fazemos exames em excesso em idosas frágeis e damos menos atenção do que devíamos a idosas saudáveis”. Ele também demanda pesquisas sobre o câncer de pulmão em mulheres, dada a agressividade dos protocolos: “muitas têm diversas comorbidades e a soma dessas condições mata mais do que o câncer de mama. É preciso saber quem consegue tolerar o tratamento”.

Fonte: G1