Em parceria inédita com GSK, Fórum reuniu histórias reais de pessoas com HIV que enfrentaram o preconceito

O Fórum das ONGs/Aids do Estado de São Paulo (Foaesp) lançou na manhã desta segunda-feira (27), em São Paulo, uma campanha para combater o estigma e o preconceito que pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) enfrentam diariamente. Segundo o Fórum, o estigma e a discriminação estão entre os principais obstáculos para a prevenção, tratamento e cuidado em relação ao HIV. “Em mais de 40 anos de epidemia de HIV/aids, o maior desafio ainda é o combate ao estigma e ao preconceito das pessoas com quem vive com HIV/aids. Esta luta se faz necessária para a garantia dos direitos humanos. Sempre cobramos do poder público campanhas, já estava na hora de criarmos a nossa campanha e levantar a bandeira contra o preconceito”, disse o presidente do Foaesp, Rodrigo Pinheiro.

Protagonistas e suas histórias

A campanha faz do Projeto Advocacy em Saúde e tem como protagonistas quatro pessoas que vivem com HIV e que trazem mensagens sobre a importância da luta contra o preconceito. O jovem Victor Bebiano é um dos protagonistas. Em seu depoimento nesta manhã, ele recordou o preconceito que sofreu na família ao revelar o diagnóstico positivo. “Contei sobre o HIV para a minha mãe, ela disse para eu não contar para mais ninguém, minha mãe acreditava que eu ia morrer rapidamente. Depois de um tempo percebi que meus familiares vinham falar comigo com cara de velório, emotivos. Me calei por quatro anos, tudo mudou quando conheci o GIV e outras pessoas com HIV, vi que as pessoas estavam vivendo. Abri meu diagnóstico na internet e estou bem feliz de participar desta iniciativa. Quero continuar acolhendo outras pessoas, eu amo viver”, disse Victor.

Outra protagonista é a Aninha, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas. Ela parou de falar abertamente sobre viver com HIV na mídia por medo de ser excluída da família. “São 17 anos sem ter visibilidade, a terceira geração da minha família nem sabe que eu tenho HIV. Uma sobrinha me viu tomando os antirretrovirais e perguntou se era remédio para gripe. Tenho muita gratidão pela ciência. Já tomei 40 remédios por dia, hoje tomo dois comprimidos”, contou a militante, relembrando que descobriu o HIV no começo dos anos 90. “O preconceito já existia. Muitas maternidades se negaram a fazer o meu parto por conta do HIV. Quando cheguei na terceira maternidade decidi ocultar na recepção o meu diagnóstico. Meu filho nasceu livre do HIV, mas poderia ter acontecido outro desfecho.” Aninha decidiu voltar a falar sobre HIV há poucos meses, depois da morte do marido.

Representante das Cidadãs Posithivas na Cidade de São Paulo, a ativista Maria Elisa também contou sua história na campanha do Fórum e disse que o preconceito não é só falta de informação, é uma ferida na alma. “Eu não sou um vírus, eu sou uma pessoa vivendo com HIV há 30 anos. Sofri preconceito na minha família. Mas penso que o que faz o ser humano crescer é amar e acolher.”

A campanha é composta por quatro vídeos, o último traz a história de Valéria, uma pessoa trans que vive com HIV e trabalha com prevenção. Ela não esteve no lançamento por motivos pessoais, mas deixou claro no vídeo que muitas meninas não aderem a PrEP com medo do preconceito, acham que as pessoas podem associar os medicamentos da prevenção com o tratamento antirretroviral.

O estigma e a discriminação

Pesquisas têm mostrado que o medo do estigma e da discriminação, que pode também estar ligado ao medo da violência, desencoraja pessoas que vivem com o HIV a revelar sua sorologia até mesmo aos familiares e parceiros sexuais, além de prejudicar sua capacidade e vontade de acessar e aderir ao tratamento.

De acordo com o Unaids, o estigma relacionado ao HIV refere-se às crenças, atitudes e sentimentos negativos em relação às pessoas vivendo com o HIV e outras populações que estão em maior risco de infecção pelo vírus, como gays e outros homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo e travestis e transexuais. A discriminação relacionada ao HIV refere-se ao tratamento desigual e injusto por ação ou omissão de um indivíduo baseado em seu estado HIV real ou percebido. A discriminação, no contexto do HIV, também inclui o tratamento desigual daquelas populações mais afetadas pela epidemia. Discriminações relacionadas ao HIV normalmente baseiam-se em atitudes e crenças estigmatizantes em relação a comportamentos, grupos, sexo, doenças e morte. A discriminação pode ser institucionalizada através de leis, políticas e práticas que focam negativamente em pessoas que vivem com o HIV e grupos marginalizados.

O estudo Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/aids, do Unaids no Brasil, de 2019, aponta que mais de 64% das pessoas que vivem com HIV/aids no país já sofreram alguma forma de estigma ou de preconceito.

Lançamento

O lançamento reuniu representantes dos governos Federal, Estadual e Municipal, o deputado Federal Alexandre Padilha (PT), assessores da deputada estadual Maria Lúcia Amary (PSDB) e representantes da indústria farmacêutica. O produtor André Vidigal, um dos responsáveis pelos vídeos, explicou que o conteúdo está em preto e branco porque “decidimos trazer o conceito da verdade nua e crua. Infelizmente não conseguimos um homem hétero para completar o time de protagonistas.”

Alexandre Padilha, que também é infectologista, lembrou que o preconceito é um tema central quando o assunto é aids. “A gente enfrenta desde o começo da epidemia. Lembro que muita gente chegou tardiamente no serviço de saúde para tratar o HIV por medo do estigma e do preconceito, ter o diagnóstico de HIV não é mais uma sentença de morte, mas o estigma ainda é muito forte. Parabéns Foaesp pela iniciativa, aprendemos que a gente só consegue fazer uma campanha bacana para falar de aids quando o protagonismo é das pessoas vivendo com HIV/aids.”

Representando a GSK, Luiz Fernando parabenizou o Foaesp pela iniciativa. “Campanhas como essa são importantes na luta contra o preconceito. Na GSK, a gente trabalha para que as pessoas tenham qualidade de vida. Financiar uma campanha assim é o mais fácil, difícil mesmo é a luta contra o preconceito. Estamos abertos a receber projetos, não temos verba carimbada, mas há um comitê de avaliação de projetos, é claro que nem sempre o projeto será aprovado na íntegra.”

Do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e ISTs, Gil Cassimiro falou sobre a importância do movimento social nesta luta. “Há algumas lei que proíbem a discriminação contra as pessoas com HIV, como a 11.199, mas é preciso mais. No Ministério da Saúde estamos criando um curso EAD para profissionais da saúde sobre a luta contra o estigma e o preconceito que pessoas com HIV, tuberculose e hanseníase enfrentam. O estigma ainda é uma barreira. O nosso desafio é fazer chegar às mensagens em todos os setores da sociedade. Campanhas como essa nos retroalimenta, mas precisamos da mobilização que acontecia nos anos 80 e 90. A lei que garante o acesso ao tratamento antirretroviral é resultado da mobilização da sociedade civil.”

O jornalista Renato Guimarães, do Unaids Brasil, também considera que é preciso avançar na luta contra o preconceito. “Do ponto de vista da percepção do HIV/aids, ainda estamos parados nos anos 80 e 90. O HIV saiu da pauta prioritária, mas a transmissão vertical, por exemplo, continua crescendo em alguns estados. O preconceito e a discriminação têm impacto direto na vida das pessoas, ele causa a morte. Essa campanha mostra a vida. Não podemos deixar de dizer que avançamos na parte biomédica, mas precisamos avançar na parte social, não existe mais justificativa para não acabarmos com o HIV como problema de saúde pública.”

Jean Dantas, da Coordenação Estadual de IST/Aids de São Paulo, disse que é importante mostrar a cara, mas que a visibilidade é um processo individual. “As pessoas ainda perdem o emprego, namorado. O estigma ainda é um problema sério.” Na mesma linha, o representante da Coordenação Municipal, Celso Ricardo, parabenizou o Foaesp pela iniciativa e lembrou que na cidade a pauta aids tem sido discutida também em comitês intersecretarial.

Representando a imprensa, a jornalista Roseli Tardelli, diretora desta Agência, lembrou que a iniciativa do Fórum representa uma quebra de paradigmas. “A iniciativa privada também está cumprindo seu papel social ao apoiar uma campanha como essa e principalmente por respeita democraticamente o Fórum e as ONGs de São Paulo em sua atuação. Sempre existiu um preconceito mutuo, essa parceira entre gestão, ONGs e iniciativa privada é importante nos resultados que travamos na luta contra aids, é uma possibilidade de revermos as nossas posições e seguirmos a diante com respeito para obtermos melhores resultados na luta contra aids.”

A campanha Combatendo o estigma e o preconceito às PVHA tem o apoio da GSK e foi realizada pela produtora audiovisual Veludo e pelo estúdio criativo @faccion.cc, tem como conceito “A cura da aids começa em um mundo sem preconceito”. O projeto contempla ainda ações de mobilização social e engajamento comunitário para a implementação de políticas públicas e melhoria da qualidade de vida das pessoas com HIV, buscando melhorias no acesso qualificado ao diagnóstico, cuidados, tratamento e acompanhamento desta população.

O lançamento chegou ao fim com alguns encaminhamentos. Os ativistas sugeriram discussões sobre HIV no presidio, recomendação 200 da OIT e um tema comum entre governo e sociedade civil no próximo primeiro de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra Aids.

Assista os vídeos da campanha abaixo.

 

Redação da Agência de Notícias da Aids

 

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