Nesta terça-feira (29), a Prefeitura do Rio de Janeiro autorizou a aplicação da combinação das vacinas AstraZeneca e Pfizer na aplicação da primeira e da segunda doses contra a Covid-19, respectivamente, em grávidas. Essa medida já é recomendada em outros países, como no Canadá e no Chile.

A medida é eficiente? O que os cientistas já sabem sobre o assunto?

“Estamos aprendendo. São tecnologias diferentes, e o que se quer entender agora é o quanto que isso potencializa a resposta imunológica, principalmente de maneira efetiva. As vacinas são seguras”, disse Chrystina Barros, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Na sexta-feira (25), cientistas da Universidade de Oxford divulgaram resultados preliminares de um estudo que está em análise pela revista “The Lancet”. A pesquisa apontou que combinar doses da vacina da AstraZeneca/Oxford e da Pfizer, a chamada intercambialidade, e com intervalos variáveis induz uma boa resposta do sistema imune contra a doença.

De modo geral, as conclusões foram que as combinações com a vacina da Pfizer (seja Pfizer + AstraZeneca ou AstraZeneca + Pfizer) geravam níveis de anticorpos mais altos do que a duas doses de AstraZeneca.

Mas a resposta imune celular mais alta foi gerada na combinação AstraZeneca + Pfizer. Vale lembrar que a determinação da Prefeitura do Rio não está prevista no Plano Nacional de Imunizações (PNI) e, portanto, ainda não é uma recomendação do Ministério da Saúde a todos os estados.

Em síntese, os cientistas consideraram que, “dadas as associações estabelecidas entre as respostas humorais [de anticorpos] e a eficácia da vacina,” os resultados indicaram que os dois esquemas de vacinas diferentes – fossem AstraZeneca + Pfizer ou Pfizer + AstraZeneca – eram, provavelmente, “altamente eficazes”, e poderiam ser considerados, em algumas circunstâncias, em programas nacionais de vacinação.

Além disso, uma pesquisa anterior feita na Espanha também apresentou resultados positivos na combinação das vacinas.

Resultado é bem-vindo, mas requer cautela

Para a professora de imunologia Deborah Dunn-Walters, da Universidade de Surrey, no Reino Unido, os resultados da pesquisa são bem-vindos. “Mostra que todas os esquemas possíveis envolvendo a AstraZeneca/Oxford e a Pfizer/BioNTech geram uma forte resposta imunológica contra Covid-19″, declarou a cientista ao Science Media Centre, agência de notícias independente sobre ciência no Reino Unido.

“Embora esperemos mais dados sobre as doses administradas com 12 semanas de intervalo [como é feito no Brasil e no Reino Unido], misturar essas duas vacinas não só parece ser seguro, mas pode dar uma resposta imunológica mais elevada do que os regimes de dosagem padrão em que a primeira e a segunda doses da vacina são iguais”, pontuou Dunn-Walters.

O que fica claro a partir dos dados apresentados é que a inclusão de pelo menos uma dose da vacina Pfizer induz uma resposta imune mais forte do que a da AstraZeneneca sozinha.

“Eu vejo como sendo uma saída muito inteligente. Porque no momento em que você tem duas formas de proteger, você está conseguindo fazer uma cobertura adequada. Isso porque todos do Reino Unido mostraram que realmente são eficazes” — Paulo Lotufo, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP.

O professor emérito de estatística aplicada Kevin McConway, na The Open University, também no Reino Unido, alertou, entretanto, que os dados precisam ser vistos com cautela. Ele explica que os resultados superiores de anticorpos nas combinações com a vacina da Pfizer não significam que a vacina de AstraZeneca/Oxford é pior.

“A maior resposta de anticorpos foi com o cronograma Pfizer + Pfizer padrão, embora isso não seja muito maior do que a resposta de anticorpos de AstraZeneca + Pfizer – a diferença entre eles é pequena o suficiente para ser explicada apenas pela variabilidade do acaso”, ressalva.

“Em outra medida de resposta imune, a resposta de células T, o nível mais alto foi com AstraZeneca + Pfizer, e, de fato, ambos os esquemas de dosagem mista produziram uma resposta de células T mais alta do que qualquer um dos esquemas usando a mesma vacina nas duas vezes”, avaliou.

“Ambos os esquemas de dose mista produziram respostas imunológicas mais fortes do que [o esquema] de duas doses de AstraZeneca. Eu concordo que este é um achado muito importante”, disse.

“Portanto, se os esquemas mistos se saem ainda melhor em termos de resposta imune do que duas doses de AstraZeneca, e uma vez que nenhum problema de segurança surgiu em relação aos esquemas de doses mistos, este estudo não mostrou nenhuma razão para evitar esses esquemas de doses mistos”, apontou Conway.

Mas há uma questão, aponta o estatístico: os dados avaliados até agora são de espaçamento de 4 semanas entre as duas doses das vacinas. Os melhores resultados da vacina da AstraZeneca foram vistos com 8 a 12 semanas entre a primeira e a segunda dose.

“Portanto, talvez o intervalo não padrão de 4 semanas entre as doses não tenha sido longo o suficiente para que a vacina da AstraZeneca tenha seu melhor efeito”, disse o professor.

“Existem outras limitações também. Os dados analisados ​​até agora envolvem apenas os níveis de anticorpos medidos 28 dias após a segunda dose da vacina. É sabido que os níveis de anticorpos levam algum tempo para se acumular após a vacinação. Portanto, eles mudarão com o tempo e, de fato, os participantes serão acompanhados para examinar seus níveis de anticorpos por um ano após terem entrado no estudo”, pontuou.

Ainda há, também, a questão da proteção contra casos graves de Covid: embora seja de se esperar que as combinações deem proteção contra esses quadros, os resultados sobre isso não foram estabelecidos nessa pesquisa.

Outro ponto é que, como os esquemas foram dados em adultos com 50 anos ou mais (veja abaixo), os resultados podem ser diferentes em pessoas mais novas.

Para André Siqueira, infectologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruz, a primeira questão a ser considerada é que, a cada 10 gestantes que morreram no mundo, 8 foram no Brasil.

“Não vacinar as gestantes é algo que as deixa muito vulneráveis. Essa permuta de vacinas é segura e a eficácia pode ser até maior, mas isso é muito preliminar. A gente sabe que funciona. É uma boa opção” – André Siqueira, infectologista

Veja detalhes do estudo de Oxford:

Os cientistas buscaram determinar a imunogenicidade de alguns esquemas vacinais – isto é, a capacidade de resposta do sistema imune – quando as vacinas da Pfizer e AstraZeneca eram dadas de determinadas formas.

Para isso, os pesquisadores testaram, em fevereiro, combinações das vacinas de Oxford/AstraZeneca e Pfizer em 830 adultos com idade igual ou maior que 50 anos e com comorbidades bem controladas.

Os voluntários foram separados em 8 grupos e receberam uma das seguintes combinações, com os seguintes intervalos:

Duas doses da AstraZeneca, com 28 dias de intervalo;
Duas doses da AstraZeneca, com 84 dias de intervalo;
Duas doses da Pfizer, com 28 dias de intervalo;
Duas doses da Pfizer, com 28 dias de intervalo;
Uma dose da AstraZeneca + uma dose da Pfizer, com 28 dias de intervalo;
Uma dose da AstraZeneca + uma dose da Pfizer, com 84 dias de intervalo;
Uma dose da Pfizer + uma dose da AstraZeneca, com 28 dias de intervalo;
Uma dose da Pfizer + uma dose da AstraZeneca, com 84 dias de intervalo.

Os resultados das combinações feitas nos intervalos de 84 dias ainda não estão disponíveis.

Os intervalos desse teste são diferentes dos já haviam sido testados nos ensaios clínicos das vacinas – de um mês e meio para a vacina da AstraZeneca e 21 dias para a da Pfizer – e dos que vêm sendo praticados em alguns países, inclusive no Brasil, de espaçar as doses de ambas as vacinas em 3 meses.

Resultados

Todos os esquemas AstraZeneca + AstraZeneca, independentemente do intervalo, induziram concentrações de anticorpos contra o coronavírus pelo menos tão altas quanto aquelas induzidas após um cronograma já licenciado (de 4 a 12 semanas);

Os esquemas contendo a vacina da Pfizer foram mais imunogênicos do que o esquema AstraZeneca + AstraZeneca;

Nenhum dos esquemas com vacinas diferentes (AstraZeneca + Pfizer ou Pfizer + AstraZeneca, independentemente do intervalo) gerou anticorpos neutralizantes acima daqueles induzidos pelo esquema Pfizer + Pfizer.

As respostas imunes celulares nos esquemas contendo a vacina da Pfizer foram pelo menos tão altas quanto no esquema AstraZeneca + AstraZeneca.

O esquema Pfizer + AstraZeneca mostrou a maior expansão de células T reagentes ao antígeno da vacina na circulação periférica 28 dias após o reforço.

Os cientistas pontuaram que, embora o esquema AstraZeneca + AstraZeneca com intervalo de 28 dias tenha sido o menos imunogênico dos quatro, os dados do ensaio clínico mostraram que ele tem 76% de eficácia contra a Covid sintomática e 100% contra um caso grave.

Além disso, quando implantado em um cronograma de 8 a 12 semanas, o esquema AstraZeneca + AstraZeneca demonstrou uma eficácia de 86% e 92% contra a hospitalização pelas variantes alfa (B.1.1.7/britânica) e delta (B.1.617.2/indiana), respectivamente.

A pesquisa é uma etapa do ensaio “Com-COV”, que busca avaliar a resposta do sistema imune a diferentes combinações de vacinas contra a Covid-19.

O mesmo grupo de pesquisadores já havia determinado que dar a vacina da AstraZeneca + a da Pfizer em um intervalo de 4 semanas (28 dias) entre elas causava mais reações adversas do que aplicar duas doses da mesma vacina nesse mesmo intervalo.

Fonte: G1