Entra ano, sai ano e estabelecemos mais metas do que geralmente conseguimos cumprir. Segundo especialistas, isso tem a ver com a expectativa que colocamos diante do futuro e a dificuldade em entender as conquistas do passado. “A gente vê o (acontecimento) negativo de uma forma muito acentuada”, diz a psicóloga Larissa Fonseca, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia e especializada em ansiedade. O êxito, por outro lado, acaba passando despercebido.
Diversos estudos apontam inclusive para a dificuldade de manutenção das metas. Para citar um exemplo, uma pesquisa realizada com mais de mil americanos pelo Instituto Ipsos em parceria com a Urban Plates mostrou que 55% dos indivíduos que fizeram algum tipo de resolução nesse período não cumpriram o objetivo durante o ano seguinte. Cerca de 10% mantiveram a promessa por menos de um mês.
A psiquiatra Nina Ferreira explica que a parte racional do cérebro é a responsável por traçar metas e manter a disciplina para atingi-las. Acontece que também temos o nosso lado emocional, comandado pelo sistema límbico, que é facilmente ativado por impulsos, desejos, vontades e, claro, emoções. “Portanto, sustentar pensamentos racionais é muito desafiador uma vez que exige a conscientização recorrente do objetivo. É como se você precisasse estar em constante estado de alerta para não sair da linha”, diz Nina.
Por isso, é importante normalizar os deslizes – eles certamente ocorrerão no meio do caminho. Mas voltar para o eixo é uma decisão racional. Abaixo, confira algumas dicas de como fazer isso.
Entenda a sua meta
O mais importante é ter a clareza do que motiva determinado desejo. Ao ambicionar um emprego melhor, por exemplo, reflita sobre o motivo por trás disso e o que, de fato, essa mudança trará para sua vida. Isso facilita a elaboração de estratégias para atingir o objetivo. “Se a gente fica só na superfície, o cérebro não tem gatilho, ou seja, motivação suficiente para sustentar o comportamento. Ele pensa que dá conta, mas, na primeira dificuldade, quimicamente falando, ele já desiste”, diz Nina.
Seja específico
Ao imaginarmos uma meta, o mais comum é usarmos termos amplos, como “ter uma vida mais calma”, “emagrecer”, “acordar mais cedo”, etc. Mas, quanto mais específico você for, maior a chance de definir comportamentos que podem mudar o seu incômodo. O que seria, por exemplo, uma vida mais calma para você? O que significa acordar mais cedo? A partir disso, crie condições para que esse hábito aconteça. É aqui que diferenciamos a fantasia de um objetivo que pode ser alcançado: um tem passo a passo, o outro fica no imaginário.
A metodologia SMART (acrônimo em inglês para específico, mensurável, alcançável, relevante e temporal) pode ser útil na hora de estabelecer uma meta. Assim, você se certifica de estar criando algo que vai de acordo com o seu objetivo de vida. “Uma coisa que ajuda muito é pensar em um amigo contando essa meta para o ano que vem. O que você falaria para ele? Tem chances de dar certo ou ele está “viajando”? A gente consegue avaliar de uma forma mais racional quando é com o outro”, aconselha Nina.
Revise a sua lista
A expectativa de começo de ano faz com que tenhamos diversos planos para serem traçados. No entanto, é importante entender que expectativas mudam, imprevistos acontecem e vontades deixam de ser prioridades. Por isso, é importante revisar suas metas sempre e reajustá-las para pensar em projetos de forma consciente.
“Lembre-se de que metas não são uma obrigação, mas, sim, um parâmetro do caminho que a gente quer seguir. E a gente faz o melhor possível para se aproximar disso”, ensina a psiquiatra Nina.
Saiba priorizar
Dentre as metas, reflita sobre quais terão um impacto maior no seu futuro e na sua felicidade. Isso pode te ajudar a definir as prioridades. O grande erro é querer resolver tudo de uma vez. Pode ser que o objetivo de caminhar todos os dias fique de lado por conta de um emprego novo ou um problema familiar – e tudo bem. Reconheça seu ambiente e seu momento de vida. Outra dica é não colocar outras metas dentro da mesma meta.
Celebre o passado
É fácil deixarmos de perceber as conquistas do ano e focar nas metas que não foram alcançadas. “Com o pessimismo, a serotonina e a dopamina [conhecidos como hormônios do bem-estar] caem, o número de impulsos elétricos diminui e as redes neurais ficam preguiçosas. Ou seja, criamos um ambiente neuroquímico contrário à evolução”, descreve Nina.
Por isso, é importante se desconectar do passado e pensar em recomeçar. Para ajudar nisso, celebre cada pequena conquista que atingir, como uma simples ida à academia.
Controle a ansiedade
De acordo com o psicólogo americano Maxwell Maltz (1899-1975), 21 dias é o tempo que o cérebro precisa para interpretar um novo hábito como um padrão e torná-lo automático. Outros especialistas falam que o período correto é de três meses. Mas, na prática, isso tem muito mais a ver com insistência e perseverança do que com uma quantidade específica de tempo.
De olho nisso, tente manter a ansiedade sob controle. Larissa recomenda entender quais os pensamentos causam angústia, já que isso pode atenuar o sofrimento. Segundo ela, uma boa pedida é praticar a meditação, que ajuda a nos manter no momento presente e facilita a adoção de hábitos saudáveis. Mas, atenção: se a sua ansiedade traz intenso sofrimento e você sente que não consegue controlá-la sozinho, busque a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra.
Agora, acompanhe algumas dicas para alcançar metas específicas, que tendem a ficar entre as mais populares nesse período do ano.
Emagrecer e/ou comer de forma saudável
O fim de ano costuma ser marcado por comilança nas festas e celebrações. Assim, cuidado para não começar essa meta de alimentação saudável com culpa ou colocando em prática dietas muito restritivas, que não se sustentarão no longo prazo. Muitas vezes, esquecemos que comer também envolve questões emocionais, sociais, culturais e familiares – tudo isso deve ser levado em conta.
“As pessoas ainda têm uma relação de ‘tudo ou nada’ com a alimentação. Então, durante a semana elas restringem muito e, nos finais de semana, exageram. Nenhum dos dois é interessante. O ideal é buscar o equilíbrio e entender que, em algumas situações, o ato de comer será mais festivo, mais emocionado e, portanto, as quantidades serão diferentes”, observa Marcela Kotait, nutricionista especializada em transtornos alimentares e obesidade.
O segredo é compreender isso e comer com tranquilidade, aproveitando cada mordida, com prazer e permissão. No dia a dia, privilegie os alimentos naturais e evite os ultraprocessados. Esse é o primeiro passo para conquistar uma alimentação de fato saudável. Também é essencial ficar atento aos sinais físicos que o corpo manda, como os de fome e saciedade.
“A mudança de peso corporal não deve ser feita sem o acompanhamento de um profissional, principalmente de um nutricionista”, ressalta Marcela. “É importante lembrar que nada pode ser cortado da dieta quando não existe uma questão de saúde envolvida. Os profissionais devem ajudar a pessoa a fazer transformações no estilo de vida, facilitando a conquista da autonomia, da liberdade ao comer e de uma relação mais pacífica com o próprio corpo”, defende.
Praticar exercício físico
De acordo com a personal trainer Júlia Ortega, é muito comum as pessoas estabelecerem metas absurdas em relação aos exercícios físicos. “Alguns querem sair do sedentarismo total para virarem superatletas”, diz. A primeira dica é, portanto, estabelecer metas factíveis de curto, médio e longo prazo que sejam condizentes com a sua realidade.
“Em vez de decidir que vai na academia todos os dias e ficar duas horas malhando, que tal se comprometer a ficar meia hora na bicicleta ou passar 15 minutos caminhando? Opte por coisas que não te façam desistir logo no começo”, orienta Júlia.
Outro ponto fundamental: a atividade escolhida tem que proporcionar prazer. Afinal, para o exercício virar costume, tem que ser considerado agradável. No começo, é legal testar várias opções para descobrir a sua preferência.
Criar desafios pessoais de evolução, encontrar companhia para a prática esportiva e associar o momento do exercício a outro hábito que te faz feliz (como escutar música) são outras medidas bem-vindas.
Dormir melhor
Os benefícios de ter uma boa rotina de sono são imensuráveis. O descanso adequado traz impactos nos sistemas imunológico e cardiovascular, melhora a saúde mental, favorece a satisfação sexual, ajuda na recuperação da memória e facilita até o processo de emagrecimento, entre outras vantagens.
“É importante entender que não existe uma quantidade ideal de horas de sono [para todo mundo]”, alerta a biomédica Monica Andersen, diretora de Ensino e Pesquisa do Instituto do Sono. “O que existe é que, cada um de nós, de forma individual, vai ter uma necessidade que será correspondida com qualidade e quantidade”, acrescenta.
De acordo com especialistas, se você sempre precisa do despertador para levantar da cama, essa é uma pista de que seu sono provavelmente não é dos melhores.
Para chegar ao descanso realmente reparador, uma recomendação é evitar bebidas estimulantes à base de cola e comidas pesadas antes de dormir – o ideal é fazer uma refeição leve pelo menos duas horas antes de ir para a cama. Telas e atividades não relaxantes também devem ficar de fora da programação nesse momento.
“É preciso acender menos luzes e fazer atividades que nos acalmem, seja escutar música, ler ou meditar”, sugere Monica. Ainda segundo ela, isso ajuda a liberar mais melatonina, conhecida como o hormônio do sono, e diminuir o cortisol, que é o hormônio do estresse.
Além disso, vale ter uma ideia de qual é o seu cronotipo (matutino, vespertino ou intermediário), já que essa característica pode auxiliar a estabelecer uma rotina adequada, capaz de culminar em uma boa noite de sono.
Ser menos estressado
Está aí mais um exemplo de meta abrangente, fator que pode dificultar a execução. Em primeiro lugar, tente entender o que é estresse para você e quais gatilhos desencadeiam o problema.
“O estresse nada mais é do que um alerta em relação à determinada situação. É esperado tê-lo, portanto. Agora, se já estamos com esse nível de alerta alto, quando os pequenos problemas da vida acontecerem não vamos conseguir segurar essa bandeja com tantos copos. É aí que a gente adoece”, explica Larissa. Uma medida interessante é colocar no papel situações que te deixam estressado e também atitudes que conseguem te tirar desse estado.
“Para evitar a irritação, precisamos ter uma melhor gestão do nosso tempo pessoal e da nossa saúde mental”, resume a psicóloga. “Vale se perguntar o que você está ‘engolindo’ excessivamente para ter tanta irritação. Resolver isso pode te ajudar a responder melhor às outras coisas da sua vida”, aponta.
Não ter o trabalho como prioridade
“Você não pode ser o ‘tempo de sobra’ na sua vida”, argumenta Larissa. A gestão do tempo é necessária para que uma pessoa consiga dar a importância necessária ao trabalho, mas também aproveitar momentos com os amigos e a família e curtir tantas outras conquistas pessoais.
Para começar, esqueça as demandas profissionais no tempo livre. Mesmo que você se sinta mais produtivo respondendo e-mails em casa ou pense que não custa nada adiantar tal projeto, é importante colocar limites. Outra coisa: não confunda urgência com importância. Crie o costume de perguntar ao seu gestor o que deve ser priorizado (caso não tenha certeza) para não se sobrecarregar ou tentar ser multitarefas.
“O primeiro sinal de alerta do burnout é quando não há outra fonte de prazer sem ser o trabalho. A pessoa passa a não ter alegria fora dali. No fundo, ela para de ver o colorido da vida. Consequentemente, o estresse aumenta, fazendo com que a possibilidade de um burnout seja eminente”, alerta Larissa.
A psicóloga informa que é interessante separar os problemas “em caixinhas”. Ou seja, se você estiver muito estressado por causa de questões familiares, não fique mais tempo no trabalho para fugir dessa situação. O contrário também é válido: não leve transtornos do trabalho para dentro de casa.
“Temos que entender que não existe felicidade plena o tempo todo. A partir disso, devemos tentar incorporar estímulos de alegria na rotina, como a prática de uma atividade física, uma boa noite de sono, etc”, sugere.
Fonte: Estadão