Um paciente de 66 anos diagnosticado com HIV foi considerado curado após receber transplante com células-tronco para tratar leucemia, afirmaram pesquisadores nessa quarta-feira (27). Embora o transplante tenha sido planejado para o tratamento de câncer no sangue do indivíduo apelidado de “Cidade da Esperança”, os médicos também buscaram um doador que fosse resistente ao vírus que causa a aids, um mecanismo que funcionou primeiramente na cura do chamado “Paciente de Berlim”, Timothy Ray Brown, em 2007.

O paciente mais recente é o quarto a ser curado dessa maneira. O apelido “Cidade da Esperança” foi dado por conta da instituição norte-americana em Duarte, na Califórnia, onde estava sendo atendido, e porque ele não quis ser identificado.

Além de ser o mais velho a receber o tratamento até agora, o paciente tinha HIV há mais tempo, tendo sido diagnosticado em 1988 com o que descreveu como uma “sentença de morte”, que matou muitos de seus amigos.

O paciente faz a terapia antirretroviral para controlar sua condição por mais de 30 anos. Os médicos que apresentaram os dados antes do encontro da Sociedade Internacional da Aids de 2022 disseram que o caso abre um potencial para o acesso dos pacientes mais velhos a tratamentos contra o HIV e câncer sanguíneo, especialmente já que o doador de células-tronco não era um membro de sua família.

A cura não é para todas as pessoas com HIV

Especialistas ouvidos pela Agência Aids comemoraram a notícia de cura, no entanto, disseram que a forma pela qual a remissão foi alcançada não é uma estratégia em saúde pública aplicável para todos. “É um caminho para a cura, mas veja que o paciente ficou estável com os remédios utilizados antirretrovirais até a velhice. Fazer transplante de medula em todas as pessoas que vivem com HIV será muito difícil, porém é um caminho para novas pesquisas de cura”, disse a infectologista Rosana Del Bianco, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Para a infectologista Rosa de Alencar, do Centro de Referência e Treinamento em IST Aids de São Paulo, a revelação de mais um caso de cura em pessoas com HIV “sempre traz esperança, renova e reafirma a importância da continuidade de investimentos em pesquisas para buscar estratégias de cura para infecção pelo HIV/ Aids, além de inspirar pesquisadores nesse campo. Embora o transplante de medula óssea não possa ser utilizado em larga escala por ser um procedimento complexo e com a possibilidade de ocorrência de eventos adversos sérios, esses resultados podem subsidiar a busca por outras estratégias de cura que devem ser incentivadas e apoiadas pelas instituições de fomento à pesquisa. Toda a cura de uma pessoa com HIV deve ser celebrada como uma conquista de todas as pessoas envolvidas na luta contra a infecção pelo HIV/aids.”

Na opinião da também infectologista Zarifa Khoury, da Coordenadoria de IST/Aids de São Paulo, a cura da aids para todos está mais próxima. “Por isso se faz importante o diagnóstico precoce e o início precoce do tratamento antirretroviral, preservando órgãos nobres, como cérebro, rins e coração.”

Ativistas recebem com esperança última etapa de testes clínicos de vacina contra HIV e pedem mais investimentos na ciência – Agência AIDSA representante do movimento social de luta contra aids no Conselho Nacional de Saúde, Regina Bueno, recebeu a notícia do quarto paciente curado com muita expectativa nas pesquisas de cura. “É um alento perceber que mais esse resultado abre caminhos para novas pesquisas com medula óssea e como se dá esse processo celular no corpo humano, objetivando direcionar novos caminhos para a tão sonhada remissão total do HIV. Acreditamos muito na ciência séria, comprometida com a vida das pessoas e atendendo todos os critérios éticos e procedimentais de uma pesquisa clínica em seres humanos. Com mais esse resultado certamente novas portas se abrem para aprofundamento do alcance da tão esperada cura para todas as pessoas vivendo com HIV.”

Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs/Aids de São Paulo, não está otimista quando o assunto é cura do HIV para todas as pessoas infectadas. “Não acredito que a cura do HIV para todos esteja próxima, esses casos que têm aparecido são bem pontuais, acho que vamos conseguir avançar quando tivermos mais investimento em pesquisas. Hoje nós estamos vendo o subfinanciamento mundial em todas as áreas que envolvem as discussões sobre aids. Enquanto o governo não encarar a aids como problema de saúde pública, a questão da cura e os avanços na respostas ainda estão longes.”

A ativista Alessandra Nilo, da ONG Gestos de Pernambuco, disse que a notícia maravilhosa e aumenta a esperança. “O que nós temos visto e que ficou comprovado no último relatório do Unaids é que o nosso problema não é ausência de tecnologia. Apesar de estarmos vendo avanços na possibilidade da vacina real para o HIV, o que nos preocupa é criar as condições para que as desigualdades entre os países sejam superadas. O relatório do Unaids mostrou é que apesar de nós termos todos os meios para prevenir e tratar o HIV, as decisões dos governos não vão nesse sentido. Sem a redução das desigualdades e sem a compreensão de que a aids faz parte de uma resposta global às desigualdades estruturais que existem, a ciência pode continuar avançando e é importante que avance, mas vamos ter muita dificuldade de colocar um fim a pandemia se ela continuar sendo vista somente do ponto de vista da saúde.”

O escritor e ativista Salvador Correa, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV, núcleo Rio de Janeiro, também comemorou a notícia. “É com muita alegria que recebemos mais um caso de cura do HIV. Fico imaginando a felicidade que essa notícia traria aos nossos ativistas do início da epidemia como o Betinho, Herbert Daniel e tantos outros que nem mesmo chegaram a alcançar um tratamento eficaz. Sabemos que essa forma de cura não é uma opção para a maioria das pessoas e só é aplicado a poucas em estado delicado de saúde. Os riscos são altos. Também inspirado nos ativistas do início da pandemia, precisamos relembrar constantemente que muitos fatores envolvem a cura do HIV. Se o vírus tem sua face ideológica, a cura também precisa ser social. O movimento de aids segue em ação para a quinta década e tem muita bagagem e, constantemente, afirma que a resposta ao HIV precisa ter a centralidade nos direitos humanos. É preciso eliminar a fome, a miséria, a LGBTQIAPN+fobia, o racismo, a xenofobia e tantos males sociais que cruzam a epidemia do HIV. O último relatório do Unaids soma ao nosso movimento alertando que estamos “Em perigo”. A epidemia do HIV denuncia muitas epidemias de descasos e que são socialmente construídas. Precisamos relembrar que nós criamos os vírus ideológicos e as desigualdades. Precisamos fazer o caminho de volta, olhando para as culturas ancestrais como indígenas e quilombolas para repensar as relações entre nós e com a Terra. Isso envolve o imediato resgate da solidariedade política executada e inspirada pelo Betinho e nossos primeiros ativistas. Assim como os importantes avanços biomédicos, a cura também é social. Somente teremos a verdadeira cura quando todos tiverem acesso ao máximo. Continuaremos doente enquanto mantivermos milhões de pessoas no mundo sem tratamento. Equidade no acesso para todos é mais do que urgente. E não se engane: isso também é problema seu. Enquanto um único ser humano morrer por uma doença que existe remédio, continuamos todos morrendo de aids; quando um de nós morre, a gente é enterrado um pouco. Precisamos garantir o viva a vida em todos os níveis e para todos. Como diz Caetano Veloso, é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte.”

A remissão da infecção

A remissão da doença ocorreu após um transplante de medula óssea, local de produção das células sanguíneas. O processo foi necessário para tratar uma leucemia, câncer que atinge as células sanguíneas.

Os médicos que tratavam o paciente buscaram um doador de medula que fosse naturalmente imune ao HIV. Mais especificamente olharam para doadores com uma rara mutação no gene CCR5.

Esse gene produz uma proteína que, em linhas gerais, permite a entrada do HIV nas células humanas de defesa CD4+. Pessoas que receberam uma determinada mutação do CCR5 (um trecho deletado de letras genéticas) tanto do pai quanto da mãe —ou seja, são homozigotas para essa mutação— são resistentes à infecção por algumas das variantes do HIV.

A medula recebida, há cerca de três anos e meio, de um doador imune possibilitou que o paciente de City of Hope conseguisse bloquear a via de entrada do HIV em suas células de defesa e, dessa forma, levou à remissão da infecção.

Primeiros casos de cura do HIV

Teste de HIV

A primeira pessoa curada foi Timothy Ray Brown, também conhecido como o “paciente de Berlim”. Nascido nos Estados Unidos, ele foi diagnosticado com HIV em 1995, quando vivia na Alemanha, e em 2006 recebeu o diagnóstico de leucemia.

Em 2007 e 2008, Brown recebeu dois transplantes de células-tronco da medula óssea de um doador com uma mutação no gene CCR5 que impede a entrada do HIV nas células. Alguns meses após o tratamento, já não havia traços do vírus em seu corpo.

O segundo homem curado, Adam Castillejo, ficou conhecido como o “paciente de Londres”. Ele tinha linfoma de Hodgkin e recebeu um transplante de medula óssea de um doador com a mutação no CCR5 em maio de 2016. Em setembro de 2017, Castillejo deixou de tomar drogas anti-HIV e seus exames de sangue subsequentes não apresentaram sinais do vírus.

Mais recentemente, em fevereiro deste ano, pesquisadores anunciaram o terceiro caso de cura, dessa vez envolvendo uma mulher submetida a um tratamento diferente. A paciente, que como Brown tinha leucemia, foi atendida no Weill Medical College, em Nova York, e recebeu células-tronco de cordão umbilical para tratar seu câncer.

A mulher vivia com o HIV desde junho de 2013 e descobriu o câncer em março de 2017. Em junho do mesmo ano, ela recebeu sangue do cordão umbilical de um doador com a mutação no CCR5 e células-tronco sanguíneas parcialmente compatíveis de um parente de primeiro grau.

O procedimento foi um sucesso e ela teve alta em 17 dias. A paciente, cujo nome ainda não veio a público, suspendeu o tratamento antirretroviral e seus exames não indicam mais a presença do vírus.

Leia também:

Boa notícia: Médicos anunciam 4º caso de cura do HIV, informa a BBC

Redação da Agência Aids com informações

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Rodrigo Pinheiro
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