A Agência de Notícias da Aids segue com o Especial 8 de Março, em alusão ao Dia Internacional da Mulher. Nessa série, você vai conhecer as inspirações, expectativas para o futuro e desafios mulheres que trabalham na luta contra o HIV no Brasil. Confira, a seguir, alguns dos relatos:

 

Vilma Cervantes, Gerente de Planejamento do Programa Estadual IST/Aids

Psicóloga, especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em gestão, com ênfase em DST/Aids pela Universidade Federal do Maranhão.

Uma história que impactou sua trajetória profissional?

Nos anos 90, coordenei o Programa de Aids de um município do Estado de São Paulo. Começamos a organizar um trabalho com travestis que trabalhavam na principal avenida da cidade. Quanto mais nos aproximávamos, mais histórias de dor e rejeição conhecíamos. Uma delas em particular me tocou e me toca até hoje. Era uma menina linda, cabelos lindos cacheados e longos. Era transexual. Tinha uma habilidade incrível de desenhar. Aos poucos soubemos que era formada em design. Mas por sua condição de transexual não conseguia emprego em nenhum lugar no sul, região onde nasceu. Em busca do direito de ser quem era, chegou no litoral de São Paulo. E novamente foi rejeitada pela sua dupla condição: de saúde e da sua sexualidade. Parecia que restara apenas a alternativa de “fazer programa”. Mas ela que era uma pessoa incrível, sempre disponibilizava algumas horas para ajudar no projeto de prevenção que iniciáramos e ainda deixava todo material gráfico mais bonito e interessante. Sempre lembro dela e fico pensando o que teria lhe acontecido. Naquela época perdíamos muitas pessoas por conta do HIV e ela era frágil, franzina, mas de uma força interior apaixonante.

Qual a personalidade feminina que te inspirou?

São muitas. Algumas em particular foram ganhando mais destaque: Lair Guerra com certeza é uma das maiores delas. Uma pequena-gigante mulher nordestina. Conduziu os rumos da resposta brasileira com garra e persistência. Um grande exemplo pra todas nós. Outra é Luiza Erundina, outra pequena-gigante mulher nordestina. Quando foi prefeita de São Paulo, não mediu esforços para que a resposta a aids fosse organizada na cidade. Não era tão boa de marketing como outros prefeitos da época. Mas nós que trabalhamos na prefeitura sabíamos como era difícil convencer um diretor de hospital a implantar leitos específicos, realizar concursos para profissionais tocarem aqueles leitos, organizar programas de prevenção, adquirir preservativo para outra ação que não o planejamento. Familiar. Sabíamos que ela estava ali a nos apoiar e incentivar.

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Sou sonhadora. Espero que acabemos com a epidemia. Estamos num bom caminho e precisamos de organização, persistência e governos comprometidos para irmos em frente. Sonho com o continente africano sendo visto com maior responsabilidade por todos. Espero que a ciência consiga respostas acessíveis as diferentes populações. Espero que caminhemos a passos mais largos contra qualquer tipo de discriminação. Espero maior solidariedade aos que não tem todos os recursos dos quais precisam para uma boa resposta ao HIV.

 

Silvia Almeida, consultora do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) e ativista do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas. 

Silvia Almeida, hoje consultora de prevenção à aids, tinha uma menina de 14 anos e um menino de 1 ano em 1994, quando soube que havia sido infectada pelo HIV. Na época, descobriu a infecção com a hospitalização de seu marido, com quem mantinha um relacionamento havia dez anos. Foi quando o casal recebeu o diagnóstico soropositivo.

Uma história que impactou sua trajetória profissional?

Em julho de 1996 ao ficar viúva pela aids, não conhecia ninguém que sofresse da minha mesma dor, nada sabia sobre aids e muito menos sabia se continuaria viva para criar meus filhos. Foi então que em uma ONG, a APTA, conheci uma psicóloga, Dinalva, que começou a me atender, me mostrar que teria que ter esperança e lutar pela vida. Ela me convidou para o “I Encontro de Mulheres Positivas da Região Sudeste em Juquitiba São Paulo” em novembro 1997. “Um encontro de mulheres, que também tem o vírus, que sofrem a minha dor” fiquei empolgada, e lá fui eu. Conheci muitas mulheres que naquele momento, queriam entender a aids e viver, apesar dela… Foi maravilhoso. Meu primeiro de infinitos passos para a “vida positiva” que conquistei. Muitas destas mulheres que conheci já se foram, mas muitas de nós continuamos aqui! E acrescentamos às nossas lutas pela vida, a luta por remédios, pelos Direitos Humanos, por igualdade de gênero, por trabalhos e renda justa, por habitação, pelo fim das nossas mortes por feminicídios.

Uma personalidade feminina que te inspirou?

Minhas musas, mulheres inspiradoras são inúmeras, mas não posso deixar de citar aqui as primeiras: Nair Brito, Jenice Pizão, Jacqueline Cortez, minhas primeiras “professoras de vida” no pós – HIV. São tantas outras mulheres: Terês, Dalvas, Nalvas, Cleusas… tantas Marias, Ednas, Rosárias, Elisas, Adrianas, Josefas, Sandras… Enfim, gratidão à força e a história de cada uma destas mulheres positivas e ás mulheres que não tem HIV, mas seguem juntas, abraçando a nossa causa, nos abraçando e seguimos juntas, ninguém solta a mão de ninguém!

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Para século 21, espero a cura… A cura do preconceito, a cura da homofobia, a cura das desigualdades sofrida pelas mulheres pobres e negras, que sabidamente morrem mais porque acessam menos aos serviços de saúde. E se não tivermos a cura da aids, espero mais pesquisas sobre os efeitos colaterais das medicações em nossos corpos femininos.

 

 

Dra Marinela Della Negra, infectologista, pioneira do combate à aids no Brasil, à frente do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo

Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (1971), mestrado em Medicina (Gastroenterologia) pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas de Gastroenterologia (1995) e doutorado em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (2004). Atualmente é supervisor de equipe técnica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Doenças Infecciosas e Parasitárias, atuando principalmente nos seguintes temas: aids, HIV, pediatria, HIV-1.

 

Uma história que impactou sua trajetória profissional?

A mãe de uma criança que atendi no começo da epidemia de aids. A mãe era usuária de drogas e o menino morreu em decorrência da aids. Eu sempre dizia a ela para parar com as drogas, mudar de vida e ela me respondeu: “Doutora, se você tivesse sido jogada com quatro anos de idade, na Praça da Sé, a senhora seria a Dra. Marinela?” Depois disso, nunca mais tive o mesmo comportamento frente a alguém que tem uma trajetória que a gente às vezes condena.

 

Uma personalidade feminina que te inspirou e acrescentou algo?

A primeira mulher a trabalhar no Hospital Emílio Ribas, Tuba Milstein Kuschnaroff. Uma mulher guerreira que até os últimos dias estudou. Uma mulher incansável. Ela está para mim, sempre como exemplo.

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Cura real. Um remédio que acabe com o vírus e que os pacientes não precisem tomar medicamentos pelo resto da vida.

 

Vanessa Campos, vive com HIV/aids há 29 anos, Representante estadual da RNP+AM e membro do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas. 

Em março de 1992 recebeu o diagnóstico positivo para HIV. Teve três filhos, frutos de dois relacionamentos sorodiscordantes. Começou a usar o coquetel antirretroviral em 1999. Desde 2001, passou por internações com pneumonia, em 2005 foi a última. Tem carga viral indetectável há 11 anos.

Uma história que te impactou em sua trajetória profissional?

Durante visitas às enfermarias do Hospital Tropical, conheci uma jovem de 23 anos em quadro avançado de Aids. Seus relatos nunca saíram da minha cabeça porque são o retrato do que de pior pode acontecer na vida de uma mulher desde a adolescência. Ela sofreu abuso sexual desde os 11 anos por um homem com mais de 30 anos. Teve 03 filhos com ele e também adquiriu HIV. Viveu com ele sob maus tratos e ele também a impedia de fazer o tratamento. Durante as idas e vindas dela nas internações, este homem foi preso por pedofilia com outras meninas. E fico pensando: até quando nossas meninas serão abusadas desta forma? Até quando a falta de educação sexual nas escolas vai colocar nossas crianças e adolescentes como alvos fáceis para esses pedófilos? Tenho muitos questionamentos.

 

Uma personalidade feminina que te inspirou e acrescentou algo?

Sílvia Almeida me inspirou quando a vi numa entrevista com Marília Gabriela falando abertamente sobre HIV/aids. Também quando conheci Nair Brito, no encontro nacional da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV + Brasil em 2017, e soube do seu protagonismo indo à justiça para pedir medicamentos e abriu caminho para todos nós termos acesso aos antirretrovirais no Brasil e estarmos vivos e vivas!

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Que todos e todas possamos vivenciar nossa sexualidade tendo autonomia sobre nossos corpos, e o acesso efetivo à prevenção, assistência e tratamento às IST/HIV/aids é fundamental para isso.
O século 21 me revela uma luta incessante para manter nossos direitos conquistados e contra retrocessos na política brasileira de aids. Não ao estigma, preconceito e discriminação. A morte social sempre foi e continua sendo uma das piores formas de morrer de aids!