Em 1857, centenas de operárias morreram queimadas por policiais em uma fábrica têxtil de Nova York (EUA). Elas reivindicavam a redução da jornada de trabalho e o direito à licença-maternidade. Em homenagem às vítimas, no ano de 1911, foi instituída a comemoração de 8 de março, o Dia Internacional da Mulher. No Brasil, só no ano de 1934 as mulheres conquistam o direito ao voto, por exemplo.

Hoje, as mulheres que vivem e convivem com HIV/aids lutam contra o estigma e a discriminação, o racismo e a favor da saúde sexual e reprodutiva. Segundo o Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids), no mundo, cerca de 870 mil mulheres se infectam com o HIV todos os anos no mundo e só metade delas tem acesso ao tratamento antirretroviral. Isso coloca a aids como a maior causa de mortes entre mulheres em idade reprodutiva (de 15 a 49 anos) em todo o mundo.

Em alusão ao 8 de março, a Agência de Notícias da Aids preparou uma série especial com mulheres que trabalham com HIV/aids há anos. Veja, em seus depoimentos, momentos marcantes de suas carreiras, mulheres que as inspiraram e o que elas esperam para os próximos anos na luta contra aids.

 

Maria Clara Gianna, coordenadora-adjunta do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo:

Uma história, relato que te impactou em sua trajetória profissional?

São tantas as histórias!! Uma das que mais me marcou foi minha primeira estada em Angola em 2003. Já tínhamos há anos acesso universal à terapia antirretroviral no Brasil, quando chego em Angola encontro um país em que ninguém que vivia com HIV tinha acesso aos medicamentos, poucas gestantes tinham acesso à testagem e ao tratamento no caso de serem pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA). Uma gestante em particular, que participava da elaboração do plano estratégico daquele país, me marcou profundamente. Ela não tinha acesso aos medicamentos que deveria ter e sua postura firme, segura e ao mesmo tempo doce foi fundamental para que esta realidade pudesse mudar. Quando retorno para mais uma estada no país, no ano seguinte, para colaborar no desenvolvimento de estratégias nacionais de enfrentamento da epidemia já tínhamos os primeiros tratamentos disponíveis em Angola. Tenho contato até hoje com este grupo de mulheres vivendo com HIV e aids de Angola. Aprendi muito com elas, como profissional de saúde e como mulher.

Uma personalidade feminina que te inspirou e acrescentou algo?

Também são muitas, vou falar de Lair Guerra de Macedo Rodrigues. Aprendi muito com Lair, desde sempre, foi fundamental para a estruturação do Programa Nacional de DST/Aids, pude conviver com Lair em diferentes momentos, reuniões, conferências internacionais, viagens, debates. Mulher firme, determinada, conseguiu com um grupo de outros profissionais estabelecer o acordo do país com o Banco Mundial que trouxe recursos financeiros para o Ministério da Saúde, estados, municípios e ONGs específicos para o enfrentamento da epidemia. Lair foi uma das profissionais de saúde mais importantes para as DST – Aids nos anos 80 e 90 !!

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Espero que possamos viver em um país onde as PVHA, assim com as populações mais vulneráveis, não sejam vítimas de preconceito e discriminação. Espero viver em um país em que não tenhamos retrocesso na resposta e sim avanços. Que possamos ter respostas intersetoriais com a educação e outros setores do governo consistentes. Espero medicamentos cada vez com menos efeitos colaterais e adversos com menores doses que possibilitem melhor adesão. Que as estratégias de prevenção combinada estejam disponíveis para todos, que tenhamos uma vacina preventiva disponível. Espero que venha a cura.

 

Credileuda Azevedo, Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas:

Uma história, relato que te impactou em sua trajetória profissional?

A história é de uma senhora chamada Maria que atendi quando fazia o trabalho de adesão no hospital de referência São José, em Fortaleza, Ceará, no ano de 2008. Ela tem dois filhos e uma filha. Quando descobriu o HIV precisou se internar e não tinha onde deixar os filhos. Ela, que morava na capital, resolveu mandar a filha, de 14 anos, para o interior. Mas a jovem não aceitou e ficou em casa sozinha durante os seis meses de internamento da mãe. Ao sair, ela já havia completado seus 15 anos e descobriu que a mesma se envolveu com drogas e se prostituiu algumas vezes. A mãe se mudou para o interior e levou a filha que não mudou de hábitos. A jovem, descobriu, em seguida, que estava grávida e seu exame de HIV deu positivo. Desde então, a mãe cuida da filha, do neto que é soronegativo mas com problemas de coração e conseguiu que a filha, depois de uma internação com tuberculose pulmonar, fizesse o tratamento e abandonasse o álcool e as drogas.

Uma personalidade feminina que te inspirou e acrescentou algo?

Nair Brito, por toda a sua história de superação e luta. Por ser a primeira pessoa que entrou na justiça para conseguir a medicação.

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Eu espero a cura. Se não, espero que governantes olhem e trabalhem mais políticas públicas voltadas para o HIV/aids, não podemos permitir esse descaso, esses retrocessos, pessoas continuam morrendo mesmo com CD4 alto carga viral indetectável. Precisamos de pesquisas que nos levem para além do HIV/aids.

 

Nair Brito, ativista e uma das fundadoras do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas

Nair foi a primeira pessoa que processou o Estado Brasileiro exigindo os medicamentos antirretrovirais que não estavam disponíveis no SUS. É reconhecida nacional e internacionalmente por ter conseguido jurisprudência e aberto precedente para que mais pessoas pudessem receber a medicação.

Uma história, relato que te impactou em sua trajetória profissional?

Fui e ainda sou impactada pelas desigualdades, pobreza e falta de políticas que faça essa história ser diferente.

Uma personalidade feminina que te inspirou e acrescentou algo?

Mulheres anônimas me inspiram. Lutam no anonimato.

O que você espera para o século XXI na luta contra aids?

Cura.