Questionado pela comunidade científica tanto pelos métodos, quanto pelos supostos resultados, o cientista chinês He Jiankui, que afirmou ter alterado a constituição genética de bebês durante um experimento na China para criar seres humanos resistentes ao HIV , aplicou procedimentos já utilizados normalmente para evitar a transmissão do vírus de pais para filhos.

Apesar de ter como objetivo a criação de pessoas eternamente imunes ao HIV por meio da edição genética, o experimento de Jiankui, que contou com a participação de sete casais cujos homens eram portadores do vírus, também fez uso do método de lavagem de esperma, técnica bastante utilizada no Brasil para a reprodução segura de casais com homens soropositivos.

“Todas as vezes que vamos fazer qualquer processo de reprodução assistida, fazemos um preparo do sêmen. Basicamente, a lavagem consiste em separar toda a parte útil dos espermatozoides do restante do líquido seminal”, afirma o ginecologista e professor da UFABC, Caio Parente.

De acordo com Parente, em casais sorodiscordantes no qual o homem é portador do vírus, o procedimento de lavagem é utilizado com altos índices de aproveitamento. Em uma centrífuga, os espermatozoides são separados do líquido seminal pela densidade: os componentes celulares descem e o líquido permanece na porção superior do recipiente, em um procedimento que é utilizado em todos os processos de reprodução assistida. A diferença, no caso da presença do HIV no indivíduo, é que a lavagem é feita três vezes.

Após a separação, os espermatozoides são testados em um exame de PCR (proteína C reativa), que indica a presença de partículas virais. Caso haja vírus HIV mesmo após a lavagem, os espermatozoides são descartados.

“Esse é o procedimento que acredito que deva ser feito. O processo é simples e rápido, além de confiável”, afirma Parente.

Além da lavagem, para a reprodução segura de um casal cujo homem tem HIV em níveis mantidos baixos no sangue também há a opção do uso de medicamento antirretroviral por parte da mulher, segundo Parente. Dessa forma, o casal pode ter uma relação sexual normal no período fértil, com o intuito da gravidez, de acordo com o infectologista David Uip.

“O tratamento antiretroviral, nesses casos, também garante que o vírus não seja transmitido e é tão eficiente quanto a lavagem. Há casais, no entanto, que preferem mais segurança do que a literatura médica já garante. A diferença é que a terapêutica retroviral é oferecido em grande parte na rede pública, enquanto a lavagem acontece com mais frequência na rede privada” disse Uip, lembrando que no caso da mãe também ser portadora do HIV, o tratamento já é feito durante todo o pré-natal, também com antirretrovirais.

Apesar de terem preferências diferentes quando aos procedimentos, tanto Parente, quanto Uip condenam a atitude do pesquisador chinês, apesar de Jiankui ter afirmado mais de uma vez que desejava que os bebês resultantes do experimento não tivessem “o mesmo destino que os pais”.

“Não é por aí, editando geneticamente, que devemos seguir nesse tratamento” resume Uip.

Fonte: O Globo