A aids está perdendo prioridade na saúde pública global, principalmente devido à redução do financiamento internacional. A afirmação é da dra. Mariângela Simão, ex-diretora-geral-assistente para Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos da Organização Mundial da Saúde (OMS). A médica participou na última quarta-feira (31), do seminário do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids), realizado em São Paulo.

Ela, que já liderou o Programa Nacional de HIV/Aids, ressaltou a necessidade de o movimento social se posicionar ativamente, buscando novas estratégias para manter e fortalecer os programas de prevenção e tratamento. “O momento é de desafio. Precisamos recalcular nosso caminho e traçar novos projetos, ligar o GPS e ver para onde estamos indo”, afirmou, enfatizando a necessidade de adaptação e inovação nas abordagens que guiam a política de aids.

A médica relembrou ainda o período em que, apesar dos desafios políticos, o movimento social conquistou importantes avanços. “A resposta brasileira ao HIV foi resultado da pressão política de grupos ativistas, do comprometimento dos profissionais de saúde e da contribuição da academia.”

Dra. Mariângela seguiu com uma mensagem de encorajamento: “Temos aqui o exemplo de como é crucial ter representantes legislativos que compreendem a elaboração e influência do orçamento. As autoridades sanitárias que se dedicam, vão atrás, batem à porta dos secretários e fazem o trabalho necessário… Precisamos pensar na melhor maneira de garantir que a luta continue. Há um ditado que diz: ‘Se a luta prossegue, a vitória é possível’, mas na verdade, a luta continua e a vitória pode ser incerta. Portanto, o importante é, como no início, olhar para o presente, recalcular o caminho e traçar novos projetos para o futuro.”

O evento reuniu representantes da sociedade civil e do governo e discutiu temas como o papel das ONGs, a situação atual da epidemia de HIV/aids no Brasil e no mundo, o futuro e a sustentabilidade do ativismo, além da importância da comunicação e de novas estratégias políticas.

Avanços na luta contra a aids na Cidade de São Paulo

A psicóloga Cristina Abbate, coordenadora da Coordenadoria de IST/Aids de São Paulo, também esteve no seminário e falou sobre os avanços e desafios no enfrentamento ao HIV no município. “A relação que se estabelece entre profissionais de saúde, gestão e sociedade civil foi fundamental para a construção de todas as vitórias que temos hoje.”

Atualmente, São Paulo acompanha 55 mil pessoas em tratamento antirretroviral (TARV), com 98% delas atingindo carga viral indetectável, o que significa zero transmissão do vírus. Além disso, a cidade registrou 46 mil pessoas cadastradas para receber a profilaxia pré-exposição (PrEP), representando cerca de 55% de todos os usuários do país. Em 2022, foram notificados 2.066 novos casos de HIV, uma redução significativa de 47% nas infecções entre jovens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSHs) e 49% entre jovens de 15 a 29 anos.

Cristina mencionou que, em São Paulo, há portarias que permitem a prescrição de PrEP e PEP por enfermeiros, e que mais de 150 mil pessoas utilizaram a profilaxia pós-exposição (PEP) desde 2018. “São Paulo caminha para a eliminação do HIV de forma horizontal”, afirmou, destacando o esforço contínuo na gestão baseada nas necessidades e realidades locais.

Fortalecimento do Movimento Social

As discussões seguiram focadas na necessidade de fortalecer o movimento social e resgatar o senso de coletividade que marcou as primeiras décadas da epidemia de aids. O ativista Eduardo Barbosa, coordenador do Mopaids, afirmou que “este seminário é uma proposta para que nós possamos nos fortalecer enquanto movimento social.”

Beto de Jesus, da Aids Healthcare Foundation (AHF), também reforçou o papel histórico das ONGs na evolução do enfrentamento ao HIV/aods. Ele destacou que a participação ativa da comunidade LGBTQIA+ foi essencial para o avanço da luta contra a aidstanto nacional quanto internacionalmente. No entanto, criticou o afastamento de algumas parcelas do movimento LGBTQIA+ da pauta do HIV. “O movimento gay e trans tomou uma decisão muito errada lá atrás quando disse que não precisava mais falar de HIV. Silêncio é igual a morte”, enfatizou.

Prevenção e juventude

A questão de como engajar os jovens na luta contra o HIV/aids foi um tema recorrente durante o seminário. A artista, ativista e escritora Renata Peron destacou a necessidade de criar uma linguagem que realmente atraia as novas gerações. “Se nós, que somos mais velhos, não conseguirmos desenvolver uma linguagem para conectar com esses jovens, ficaremos estagnados. Precisamos criar conteúdos mais atraentes e colocar os jovens como protagonistas”, afirmou Peron.

O impacto das redes sociais na militância foi amplamente discutido, revelando opiniões divergentes. Betinho, do projeto Bem Me Quer, criticou a ausência de reuniões presenciais, observando que o ativismo digital, apesar de suas vantagens, tem contribuído para o distanciamento entre o movimento social.

Por outro lado, Jon Diegues, influenciador digital, defendeu o uso da internet como uma ferramenta valiosa para ampliar o alcance das informações sobre HIV e prevenção, especialmente entre os jovens. Ele sugeriu que as ONGs invistam em estratégias de marketing digital, como a criação de vídeos curtos e diretos que expliquem seu papel e sua importância.

HIV no contexto político atual

Um dos destaques do seminário foi a mesa-redonda que contou com a participação de Carolina Iara, co-deputada estadual pela Bancada Feminista do PSOL. Durante sua intervenção, a parlamentar destacou a crescente dificuldade de abordar a pauta do HIV no atual cenário político, exacerbada pelo avanço do conservadorismo e da extrema direita. “A saúde sexual, e especialmente o HIV, têm sido cada vez mais vinculados a questões de gênero, afastando muitos parlamentares do debate.” Ela enfatizou a importância de manter e fortalecer as estruturas de participação política já conquistadas pelo movimento, utilizando o judiciário quando necessário para garantir a continuidade e consolidação dos avanços.

Renata Peron, representando o deputado Guilherme Cortez (PSOL), complementou a discussão ao destacar a necessidade de transformar a pauta do HIV em uma política de Estado. Renata criticou o atual “jogo político”, que não tem beneficiado a comunidade LGBTQIA+ e as pessoas vivendo com HIV/aids. “Quando convocamos uma audiência pública, ela só será efetiva com a participação de vocês,” afirmou Peron.

Na avaliação do ativista Américo Nunes, presidente do Instituto Vidda Nova, é preciso desconstruir o radicalismo!. Américo sugeriu a formação de grupos de especialistas para abordar estrategicamente questões-chave no movimento. Criticando os extremos, ele afirmou que é necessário entender as narrativas dos opositores políticos para reverter o processo a favor de quem mais precisa. “Nossa comunicação é falha. Além disso, precisamos garantir a presença da imprensa, inclusive nas audiências públicas,” concluiu.

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

Mopaids

Instagram: @mopaidsp