Cerca de 180 pessoas de diversas regiões do país – ativistas, lideranças e pessoas que vivem com HIV e aids se reuniram no “XIX Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids– 26 anos de ativismo, solidariedade e resistência” que aconteceu em Porto Alegre (RS) neste domingo (09).

O encontro propõe debater os temas relacionados à epidemia a partir da experiência de quem vive com o vírus. O foco é discutir a relação entre a aids e os direitos humanos no Brasil a partir da mobilização dos grupos com maior vulnerabilidade social para o HIV e incentivar o fortalecimento dos direitos sociais e das políticas públicas nesse campo.

Sob os gritos de “Viva a vida!” e palavras de ordem de resistência contra a censura e o conservadorismo, o primeiro dia do encontro reforçou a importância da memória ativista na luta contra a aids.

“Nesse momento difícil, precisamos nos abraçar e nos acolher e o ‘Vivendo’ é o espaço para isso. Já são mais nessa luta 20 anos e eu sempre saio daqui me sentindo fortalecido. Viva a Vida!”, disse Márcio Villard, coordenador do Grupo Pela Vidda-RJ, na abertura, após menções da plateia a ativistas como Herbert Daniel, Betinho (o Herbert de Souza), Caio Fernando de Abreu e Monica Barbosa.

O evento foi marcado por performances artísticas, dinâmicas e intervenções. Uma das que mais emocionaram o público foi a sessão de poesia falada (os chamados slams) protagonizados pela filósofa, ativista e poetisa transexual Atena Beauvoir. Natural de Porto Alegre, Beauvoir denunciou em versos as violências que têm marcado a vida das mulheres trans e travestis na sociedade brasileira. A poetisa também evocou a resistência, a superação e a força que emergem dessas mulheres. Em seguida, Renata Evans e Karen de Oliveira, do movimento de mulheres travestis e transexuais de Porto Velho, em Rondônia, interpretaram canções que emocionaram a plateia, entre elas, “Como nossos pais”, de Elis Regina.

Desafios

Na mesa de abertura sobre “Reflexão e Conjuntura: Para onde vamos? Perspectivas e Desafios”, o vice-presidente da ABIA Veriano Terto Jr chamou a atenção para os desafios para o movimento social de pessoas vivendo com HIV/aids no atual contexto brasileiro:

“Como vamos garantir a manutenção da política de HIV/aids diante da emenda constitucional 95 que congela os gastos em saúde? Como garantir a inovação de medicamentos para HIV e aids, que já chegam ao país inflacionados pelos pedidos de patentes das grandes farmacêuticas? Como vamos abordar a prevenção e sexualidade em um cenário cada vez mais conservador e de profunda desigualdade social no Brasil? E há ainda os PLs que tentam criminalizar a transmissão do HIV, reflexo de um ambiente jurídico/legal extremamente desfavorável aos movimentos sociais e aos direitos humanos”, pontuou. De acordo com ele, é preciso buscar uma aliança sólida nos movimentos para fazer estes enfrentamentos. “É preciso reafirmar os princípios da solidariedade e da democracia, sem os quais nossas conquistas não teriam sido possíveis”, disse Terto Jr.

Já para Gil Casemiro, representante do Departamento IST, Aids e Hepatites Virais e que também participou da mesa de abertura, o foco deve continuar sendo a  redução da mortalidade por aids. “Mesmo em queda, ela segue com índices altíssimos no país. O avanço na redução só vai acontecer se vencermos o estigma e o preconceito em relação aos grupos mais afetados pela epidemia”, pontuou.

Outro que também participou da mesa de abertura foi Moysés Toniolo, do Fórum Baiano de ONGs/Aids. Toniolo reforçou a necessidade da inserção do movimento de pessoas vivendo com HIV/aids nas políticas de saúde: “Precisamos incidir nos Conselhos Estaduais de Saúde e demais espaços de tomada de decisão, pautando o acesso a medicamentos, o cuidado à atenção básica, e a saúde mental. Temos que entender que a luta é grande e que para resistir precisamos nos organizar pública e coletivamente”, afirmou. A mesa de abertura também contou com a participação de Paulo Giacomini, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids de São Paulo (RNP+/SP).

Herbert Daniel

O primeiro dia do encontro também foi marcado pelo relançamento de duas obras raras do escritor, ativista e jornalista Herbert Daniel: “Vida antes da Morte”, e “AIDS:A terceira epidemia – Ensaios e Tentativas” que Daniel escreveu em parceria com o atual diretor-presidente da ABIA, Richard Parker.

Publicadas originalmente em 1989 e 1990, respectivamente, as obras foram reeditadas pela ABIA com o apoio do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) no Brasil. Os livros são parte do conjunto de publicações especiais da ABIA em comemoração à Semana Nacional de Luta contra a AIDS e uma homenagem a uma das principais referências no pensamento social do HIV e da aids em todo o mundo. Herbert Daniel atuou como colaborador da ABIA, tendo sido também o fundador  do Grupo pela Vidda-RJ.

“Esses livros são tijolos preconizantes na construção da resposta a epidemia de HIV e aids no Brasil. Esperamos que com a reedição dessas obras a ABIA venha fortalecer a resistência e a memória de Daniel e da Luta contra a Aids” comentou Terto Jr.

O XIX Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids é uma ação organizada pelo Grupo Pela Vidda-RJ com o apoio do Fórum de ONG/Aids e do Grupo de Apoio e Prevenção a Aids (GAPA), ambos do Rio Grande do SUL.

Fonte: ABIA