Algo vai mal no sistema de controle da aids brasileiro, outrora considerado um dos melhores do mundo. Depois de sete anos de queda nas infecções e mortes pela doença, ambas voltaram a crescer em 2021: respectivamente 8% e 5% em relação a 2020. Os percentuais são altos, considerados a estrutura e os protocolos eficientes de prevenção e tratamento, gratuito na rede pública de saúde.

A contaminação entre jovens de 19 a 29 anos de idade cresceu nos últimos dez anos. Entre os homens, houve 20% de aumento. Parte da explicação está na atitude displicente que deriva da própria eficácia dos coquetéis de antiretrovirais. Eles podem manter a doença sob controle e até fazê-la regredir, se usados adequadamente aos primeiros sinais da infecção. Mas o HIV continuará hospedado no organismo do paciente — que poderá levar uma vida normal, sob cuidados preventivos. Aos jovens, transmitem a impressão enganosa de que a aids é uma doença curável. Como resultado, surgem o descuido nas relações sexuais e a piora nos indicadores.

Mas essa não é a única explicação. O governo Jair Bolsonaro foi omisso na manutenção dos programas de combate à doença. No enfrentamento de doenças transmissíveis, a divulgação de informações é fundamental. Uma das explicações para o ressurgimento do HIV é a falta delas. O Ministério da Saúde, assim como falhou na Covid-19, chegou atrasado no caso da aids: programou para dezembro, último mês do governo, uma campanha de alerta aos jovens contra a contaminação pelo HIV.

Chama a atenção que, entre os 12.511 novos casos diagnosticados e as 7.613 mortes registradas, mais da metade seja de negros. Faltam também campanhas de prevenção destinadas especificamente à população negra, segundo Veriano Terto, vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, assume com a tarefa de reconstruir diversas estruturas da máquina do Estado esvaziadas na gestão Jair Bolsonaro. Aconteceu no meio ambiente e também no enfrentamento da aids, área sensível para o conservadorismo retrógrado, contrário à educação sexual em sala de aula, essencial para evitar que jovens contraiam o HIV.

É inadmissível que o Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis, Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, fundamental para o combate ao HIV, tenha passado a integrar outro setor, que se dedica a doenças como hanseníase e tuberculose. Também foram encerradas as redes sociais relacionadas à doença. É como se o vírus pudesse ser censurado, e o problema estivesse resolvido. O resultado se viu no aumento de casos.

No governo Lula, será necessário recuperar as práticas que começaram a ser implementadas na década de 80, quando se lançaram as bases de uma política de Estado contra a aids. Seu sucesso foi reconhecido no mundo todo. Não há motivo para o país ter retrocedido em mais uma área em que já foi um exemplo internacional.

Fonte: O Globo