Foram destaques na audiência dois projetos de lei (890 e 891/2013) que versam sobre a gratuidade de transporte e alimentação para pacientes adoecidos de Tuberculose no Estado de São Paulo

A tuberculose (TB) é um desafio de saúde pública que impacta comunidades em todo o mundo, sobretudo aquelas mais carentes. Apesar de ter cura, ela é altamente transmissível e pode matar rapidamente se não for tratada de forma adequada e oportuna. A fome, a pobreza, a falta de renda, de acesso a tratamento e outros fatores de vulnerabilidade têm contribuído para a persistência dessa doença milenar em muitas partes do mundo, inclusive no Brasil. Não é à toa que é conhecida como a ‘doença da pobreza’.

São Paulo é o estado brasileiro mais populoso, aquele que concentra a maior área econômica e maior PIB do país, mas também detém uma imensa disparidade com relação às desigualdades sociais e regionais.

Nesta terça-feira (19/3), o assunto foi tema de debate em audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), promovida pela Frente Parlamentar de Enfrentamento às IST/HIV/Aids, Tuberculose e Hepatites Virais, presidida pela deputada Maria Lúcia Amary (PSDB). A audiência teve como destaque a discussão de dois Projetos de Lei (PLs) travados na casa legislativa há quase uma década. Os PLs em questão são de autoria da deputada Leci Brandão (PCDB), também parlamentar na ALESP. Apesar de terem passado por todas as comissões e terem seus textos aprovados, os projetos estão parados em etapas finais do processo.

Durante o encontro, especialistas e representantes da sociedade civil organizada manifestaram apoio aos projetos e cobraram ações para que sejam colocados em votação em plenário, finalmente aprovados e sancionados. Eles ressaltaram que a demora na tramitação dos PLs representa um obstáculo para o avanço das políticas de saúde relacionadas à Tuberculose e para a garantia da continuidade de tratamento daquelas pessoas afetadas, já que os projetos de lei propõem o direito a gratuidade de transporte e fornecimento de alimentação para pacientes durante todo o tempo de seu tratamento da TB. “Os dois projetos de lei que estão travados aqui nesta casa, desde 2013, versam sobre [a importância] do transporte e alimentação para pessoas afetadas pela tuberculose, enquanto estiverem em tratamento. E isso não como benefício, mas como um incentivo às pessoas, porque a fome ainda é um grande problema neste país. E não é porque a gente está em um estado mais rico, que as pessoas não passam fome, que elas não têm dificuldades para se manter, para pagar seu aluguel, para pagar um ônibus, ou para comprar um quilo de feijão. A gente tem aqui, inclusive no Brasil, pesquisas científicas que mostram o impacto catastrófico da tuberculose na vida das pessoas. Há pessoas que gastam mais de 20% da sua renda para seguir o seu tratamento de Tuberculose, e sofrem um impacto catastrófico. Isso sem falar que tem gente no país que nem renda tem”, falou o ativista José Carlos Veloso, da Rede TB.

“Quando falamos da Tuberculose, falamos em eliminação, e não em erradicação, porque a tuberculose não se erradica, mas podemos controlá-la em termos de saúde pública. Porém, isso nunca será possível se não houver uma articulação estratégica entre todas as pastas. Não pode ser só o desenvolvimento social. Desenvolvimento social é o principal passo, mas a gente fala de transporte, cultura, educação… condições de vida dignas para as pessoas”, destacou Veloso acerca da proteção social.

O debatedor ainda fez menção ao impacto do quesito raça/cor, fator socioeconômico e de gênero das pessoas afetadas mais vulneráveis pela doença. “Essas pessoas são pessoas pobres, pretas e periféricas. E se você aprofundar mais, percebe que são as mulheres negras e periféricas que mais precisam de assistência.”

“Para além de saber quem são essas pessoas, temos que saber onde elas estão”, afirmou o ativista ao se referir às pessoas que vivem em situação de rua. Muitas delas além de estarem nas ruas e vulneráveis à Tuberculose, estão também expostas ao HIV, com altos índices de coinfecção TB/HIV e desenvolvimento da aids.

Contribuiu também na discussão, Eri Ishimoto, do Comitê Estadual de Controle da Tuberculose. Eri reforçou como os desafios e desigualdades podem impactar negativamente se não forem questões enfrentadas, revistas e reajustadas com medidas que possam garantir acesso e assistência a quem precisa. Segundo Eri, “precisamos de uma política de estado e não de governo”.

Sobre os projetos de leis travados na casa legislativa, ela afirmou: “Eles estão desde 2013, passaram por todas as três comissões e foram aprovados. Ou seja, faz dez anos que estão aprovadas nas comissões e estão paradas. Temos que retomar isso!”

“Falo ainda de todo o impacto deixado pela pandemia Covid-19, somado ao crescimento da pobreza, da miséria, da exclusão social que escancarou a desigualdade social.”

Rachel Russo, coordenadora do Programa Municipal de Tuberculose, também afirmou que o desfecho da tuberculose na vida do paciente é determinado pelas condições sociais. “O meio onde a pessoa vive vai alterar não só o risco de adoecimento, mas a chance de a pessoa ser curada ou não da doença”, destacou, ao defender a necessidade de políticas públicas de proteção social que deem conta das mazelas enfrentadas pelas populações mais pobres.

Eduardo Barbosa, ativista e presidente do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta contra a Aids), ressaltou a importância de reconhecer que o problema não está na falta de adesão dos pacientes ao tratamento, mas sim nas dificuldades estruturais que o Estado impõe. “É muito difícil para a sociedade civil o peso que vem da cobrança que a sociedade civil tem que estar participando. A sociedade civil tem que fazer como? Primeiro, falta muito por parte do governo instrumentos para que a gente se capacite mais e possa colaborar. Por mais que eu saiba da Tuberculose, por mais que eu sei dos mecanismos e das populações, eu preciso dessa instrumentalização de quem está lá no dia a dia. Ouço muito: ‘Ah, o paciente não tem adesão’; o paciente não tem adesão? Ele que não adere ao tratamento? Não. É o Estado que não permite que ele tenha uma boa adesão. É o Estado que não proporciona alimentação, transporte, emprego, moradia, etc. Nós não somos capazes de dar essa resposta! É triste ver, na cidade de São Paulo, a infinidade de pessoas que estão morando na rua, e que sofrem principalmente agora com as altas temperaturas. Vai lá, dá uma água, mas somente assim não se vai resolver o problema dessa população. Falta muito!”.

Além disso, Eduardo criticou a falta de mais parlamentares para somarem na luta. “Cadê os outros? Cadê o compromisso que esses outros deputados têm com a frente? Eles assinam lá como membros da frente, depois vão usar isso em seus currículos na hora de se reeleger, mas onde estão eles aqui? Cadê eles para verificar uma lei que está há 10 anos parada e ninguém toma nenhuma providência?”.

A assistência social não esteve presente no encontro e também foi duramente criticada. Foi mencionado o acordo SUAS-SUS que, burocraticamente, ainda não avançou no estado.

Representando também a sociedade civil, Rodrigo Pinheiro, do FOAESP (Fórum das ONG/Aids do Estado de São Paulo), criticou a ausência da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e a falta de avanços. Ele destacou um ponto importante: as eleições municipais de 2024. Rodrigo provocou: “Não dá para esperar pelo CIEDDS (Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente), a gente sabe que ele vai acontecer, mas ainda está no papel, demanda recursos… Eu acredito que o CIEDDS foi apenas o ponta-pé para que essa discussão começasse nos estados e nos municípios.”

“Puxando a questão do município, a gente tem que lembrar que estamos em ano de eleições, então, é importante, enquanto sociedade civil, nessas ações que nós fazemos, trabalhar junto com os candidatos a prefeitos… temos que fazer uma provocação de criação de comitê entre secretarias para discutir as políticas de saúde, os determinantes sociais…”, afirmou ele, que ressaltou a necessidade de uma política de estado, e não de governo, pensando em garantir continuidade e a não interrupção das ações que já estão em curso.

A deputada Maria Lúcia Amary (PSDB), presidente da Frente, em sua fala na ocasião, ressaltou a importância desses projetos de lei para a saúde pública da população paulistana e a necessidade de desbloquear sua tramitação. Ela destacou que os PLs abordam questões fundamentais para o combate da TB, bem como para garantir direitos e assistência adequada às pessoas afetadas pela condição.

Ao final da audiência, a deputada reafirmou seu compromisso com a causa da Tuberculose e se comprometeu a buscar junto às lideranças partidárias e demais parlamentares ações para destravar os projetos e garantir sua votação em plenário. A expectativa é de que, com a mobilização gerada pela audiência pública, os mesmos possam finalmente avançar e contribuir de forma significativa para a melhoria da saúde e qualidade de vida da população do estado de São Paulo.

“Nem que eu seja a única deputada, mas vocês podem contar comigo, porque o nosso trabalho é importante”, afirmou.

Conheça os PLs:

PL 890/2013

PL 891/2013

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)