A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados realizou, na manhã dessa quinta-feira (23), uma audiência pública para debater o enfrentamento à hepatite C e ao HIV/aids na população privada de liberdade.

A audiência foi solicitada pelo deputado Alexandre Padilha que iniciou o debate falando sobre o impacto da pandemia na população com HIV, população privada de liberdade e lembrou da importância da terceira dose de vacina contra Covid-19, incluindo a conquista que representa a nota técnica do Ministério da Saúde que proporciona que essa vacinação seja independente do CD4.

Liliana Mussi, do Fórum de ONGs Aids de São Paulo compartilhou a evolução na continuidades das ações de prevenção. “Fizemos articulações e, hoje, já é possível trabalhar com o programa ‘Viva Melhor Sabendo’ dentro das penitenciárias. Até o ano de 2015 esse público não era contemplado nessas ações, já que há muita dificuldade de realizá-las fora das instituições, uma vez que os profissionais de saúde precisam sair de suas unidades. Não foi fácil porque, quando pensamos em realizar testagem rápida, é preciso ter articulação para dar continuidade e vinculação das pessoas que forem reagentes.”

“Além disso, há muita rotatividade de pessoas que vão para outras unidades penitenciárias. Nós fomos entendendo a dificuldade do acesso ao tratamento. Muitas dessas pessoas tem conhecimento sobre alguma infecção sexualmente transmissível, mas há uma insegurança muito grande e medo de represália interna. Não confiam no sistema e, por isso, também não querem fazer testagem”, relatou.

Ausência de dados

Gerson Pereira, diretor do Departamento de Doenças Cônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis disse que o Brasil tem um sistema de informação muito robusto, que ajuda a acompanhar a epidemia. “Mas quando falamos sobre pessoas com privação de liberdade, não sabemos dizer, dentro de cada unidade, quantas são as pessoas com sífilis, tuberculose, hepatites ou HIV. Com os sistemas que temos, é fácil fazer isso. Esse dado é importante para estabelecer medidas de prevenção, tratamento e diagnóstico. Se não sei o tamanho do meu problema, como vou estabelecer a melhor forma de diagnosticar, prevenir e tratar?”

“Além disso, um dos maiores desafios é o abandono do tratamento. É preciso pensar também não só na pessoa que está privada de liberdade, mas também em sua família. Por isso, é importante o diagnóstico precoce da doença. A gente precisa, de fato, conhecer o problema que a gente. E hoje não sabemos quantas pessoas no sistema prisional vivem com HIV. Precisamos melhorar a qualidade dessa informação. Pra isso, a gente precisa juntar os sistemas de informação, tendo acesso a dados mais detalhados e consistentes para elaborar modelos de atenção de acordo com a necessidade dessa população.”

Rodrigo Pereira Lopes, coordenador de saúde do Departamento Penitenciário Nacional, explicou que a atribuição de seu trabalho é desenvolver e fomentar políticas públicas voltadas à assistência à saúde, alcançando as pessoas privadas de liberdade e servidores penitenciários.

Ele explicou que, hoje, o Brasil representa a terceira maior população prisional do mundo, com 668 mil pessoas em unidades prisionais e que existem mais de 1500 unidades espalhadas pelo Brasil.

Rodrigo disse que, mesmo antes de a Organização Mundial de Saúde revelar que o mundo vivia uma pandemia, o sistema já estava se organizando com ajuda de grupos de trabalho para entender como a Covid-19 poderia impactar essa população, através da produção de informativos, compras e doação de insumos e desenvolvimento de ações de saúde.

“Além disso, realizamos uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz que permite a realização de ações de educação em saúde e de promoção à saúde nas unidades prisionais, com foco na tuberculose. Nesse momento está sendo elaborado dois cursos EAD para servidores de saúde e de segurança sobre saúde prisional.”

Ações Coordenadas

George Tigueiro, diretor da Confederação Nacional de Saúde, disse que há preocupação em manter o acesso à prevenção e ao tratamento do HIV. “Acredito que deve-se trabalhar em conjunto, o poder público e a iniciativa privada, junto ao Ministério da Justiça, Ministério da Saúde para pensar essas ações. Em nome da Confederação nos colocamos à disposição para participar e colaborar com a política de enfrentamento e a assistência às pessoas privadas de liberdade.”

Já Nereu Mansano, assessor técnico do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde afirmou que ninguém está totalmente isolado da sociedade em relação ao sistema prisional. “Estamos falando de uma doença com transmissão respiratória, então, temos os agentes, profissionais e a família dessa população.”

Nereu lembrou também a prevalência de doenças como HIV e hepatite C nesse público é alta, devido a fatores específicos comoque realização de tatuagens sem a prevenção correta, por exemplo, além de ser uma população que também pode ter outras comorbidades. “Por isso, a integração das informações entre os estados e as unidades penitenciárias é fundamental.”

Por sua vez, Alessandro Aldrin, assessor técnico dos Conselhos Nacionais das Secretarias Municipais de Saúde reforçou que a ação coordenada e integração devem ser prioridade. “Integrar não é uma coisa simples, e o próprio processo da pandemia nos forçou a pensar de uma maneira integrada, de modo que, agora, a saúde é chamada até mesmo para opinar se teremos as voltas às aulas presenciais ou não. Acho que, nesse momento que estamos vivendo, estamos aprendendo a sermos mais solidários e realizar ações mais coordenadas. Temos que somar forças enquanto sociedade e fazer com que essas ações sejam mais eficientes.”

Márcia Leão, coordenadora executiva do Fórum de ONGs Aids do Rio Grande do Sul também enfatizou a ausência de dados sobre prevalência das doenças infecciosas nas pessoas privadas de liberdade. “O HIV/aids, assim como hepatite C são problemas de saúde pública e chama atenção a negligência com esse cuidado, que é de responsabilidade do Estado, refletida nessa falta de dados e informações sobre o tema.”

“As pessoas privadas de liberdade são apenas uma parcela da nossa sociedade, mas que traz muitas vulnerabilidades que aumenta a chance de infeção por essas doenças. Além disso, não é uma parcela assim tão pequena, já que temos o encarceramento em massa. Em um país que dispõe de apenas 400 mil vagas para esse sistema, podemos imaginar quais são as condições de saúde nessas casas prisionais.”

“Quando a constituição diz que a saúde é um direito de todos, ela não separa se isso é apenas dever de um Ministério, colocando como responsabilidade de todos os entes públicos.”, concluiu Márcia.

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)