A nona eleição presidencial consecutiva sob regime democrático, que acontece neste domingo (2), é histórica sob vários aspectos. Pela primeira vez, estão se enfrentando nas urnas um ex-presidente da República e um presidente em exercício. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) são os dois maiores líderes populares das últimas décadas no Brasil — provocando, ao mesmo tempo, idolatria e rejeição de parcelas de eleitores. A polarização impediu o crescimento de alternativas como Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), e provocou o maior índice de cristalização de votos desde 1989 — os principais candidatos sempre tiveram somados mais de 70% dos votos espontâneos nas pesquisas de Ipec e Datafolha.

Enquanto o Brasil enfrenta uma alta demanda por consultas, exames e tratamentos de doenças crônicas por conta do represamento de serviços durante mais de dois anos de pandemia, os candidatos a presidente mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto destacam em suas propostas para o setor ações que vão desde a reconstrução do Sistema Único de Saúde (SUS) ao fortalecimento da atenção primária e à retomada do Plano Nacional de Imunizações.

Especialistas avaliam que grande parte das propostas estão no caminho certo, mas ponderam que só será possível realizá-las com o aumento de recursos para o setor. Outro desafio apontado para o próximo presidente é retomar a coordenação das políticas de saúde no Brasil. Embora o SUS tenha gestão tripartite — com responsabilidade compartilhada entre União, estados e municípios —, especialistas apontam que é fundamental retomar a coordenação federal, enfraquecida durante a pandemia.

Impactos da crise sanitária causada pelo coronavírus e críticas à condução do enfrentamento à pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) estão presentes nos planos de Governo dos seus três principais concorrentes: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). O presidente, por sua vez, se defende dizendo que ampliou serviços de saúde durante a crise.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Líder nas pesquisas para o Planalto, Lula diz que a área da saúde tem sido tratada com descaso pelo atual Governo e promete que trabalhará para garantir um SUS público e universal. O petista defende a urgência de dar condições ao SUS para retomar o atendimento às demandas que foram represadas durante a pandemia e retomar o Programa Nacional de Imunização (PNI).

O plano de governo do petista propõe a retomada de políticas como o Mais Médicos e a Farmácia Popular, além do fomento ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde. Lula ainda propõe criar políticas de saúde integral no SUS voltadas às mulheres e às pessoas LGBTQIA+.

Jair Bolsonaro (PL)

Segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro tenta defender a condução da maior crise sanitária do século pelo seu Governo. Diz ter reforçado os serviços de saúde pública e investido na vacinação, sem mencionar a demora para comprar vacinas contra a covid-19.

O plano de governo de Bolsonaro diz que a atenção primária “continuará sendo um foco do Governo” em um eventual segundo mandato. Também propõe ouvir nutrólogos e nutricionistas para contribuir na segurança alimentar da população. O documento ainda elenca como prioridades investir na Farmácia Popular e reforçar ações do programa voltado para pacientes com câncer. O plano do presidente também prevê a continuidade do programa Saúde Digital, que poderá produzir e disponibilizar informações sobre questões de saúde a profissionais da área, gestores públicos e cidadãos.

Ciro Gomes (PDT)

Já Ciro, terceiro colocado nas pesquisas, promete “um salto à qualidade da saúde”. Segundo seu plano de governo, a primeira medida em um eventual mandato seu será o resgate e a reconstrução do SUS, que segundo ele está sendo “desestruturado pelo governo federal”.

Para isso, propõe uma central permanente de regulação e parcerias com o setor privado para reduzir a fila por exames, consultas e cirurgias. Além disso, o pedetista fala em retomar o PNI, em “refortalecer a atenção primária” e discutir a estrutura da carreira de médicos do SUS.

Ciro também promete aprimorar o fluxo de atendimento, estimulando ações integradas entre estados e municípios. A ideia é promover integração de unidades de saúde especializadas ou de alta complexidade ao atendimento prévio em policlínicas por meio do registro eletrônico da saúde. Ciro ainda propõe retomar a produção de medicamentos que hoje são importados e fomentar um programa de auxílio para promover a saúde mental.

Simone Tebet (MDB)

Simone Tebet é diagnosticada com covid

Assim como a maior parte de seus concorrentes, Tebet considera a redução da fila por exames, consultas e cirurgias eletivas a primeira meta de um eventual governo seu. Tebet fala ainda em elevar a participação da União no financiamento do SUS de forma gradual e recuperar o papel do Ministério da Saúde como “articulador das políticas de saúde”.

A senadora propõe, em seu plano de governo, investir em prevenção e atenção primária, com auxílio da tecnologia e fortalecimento da Estratégia Saúde da Família. Também fala em “cuidar da saúde para não ter que tratar só da doença”.

A candidata também pretende expandir os serviços de telemedicina, revisar tabela de remuneração às santas casas e hospitais filantrópicos pelo SUS e retomar as campanhas de vacinação, além de fortalecer o complexo nacional industrial e de produção de saúde com pesquisa e desenvolvimento.

Prioridade é retomar a coordenação nacional, dizem especialistas

Rosana Onocko Campos Archives - ABRASCOA presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rosana Onocko, diz que grande parte dos planos apresentados pelos candidatos abraçam temas incluídos na agenda por instituições de saúde da sociedade civil, como o maior aporte de recursos e o provimento e capacitação de trabalhadores para o SUS.

Ela diz que o próximo presidente precisará lidar com o acúmulo de demandas de diagnóstico, de tratamentos de doenças crônicas e de cirurgias eletivas deixadas pela pandemia. Para minimizar esses problemas, Rosana Onocko defende que será preciso reforçar os quadros de profissionais e requalificar ações da atenção primária, que ficaram “desorganizadas” em muitas cidades nos últimos anos.

Sobre a queda de cobertura vacinal no país contra diversas doenças, inclusive algumas já erradicadas como o sarampo, a presidente da Abrasco afirma que isso passa tanto pelo fortalecimento da atenção primária quanto pela retomada da coordenação nacional das políticas de saúde. As suas ações foram enfraquecidas pelo atual Governo, na sua avaliação.

“O Brasil era reconhecido mundialmente pela cobertura vacinal porque, ao longo de décadas, foi se construindo uma ideia de que, quanto menos barreiras você tem para a vacinação, melhor é a cobertura alcançada”, explica, defendendo que os postos possam vacinar de forma perene ao longo do ano.

Outro ponto que Rosana considera fundamental na Saúde para o próximo Governo é o investimento em saúde mental. O Brasil tem a maior incidência de depressão da América Latina, e o problema aumentou durante a pandemia. “A gente está vendo uma degradação da rede pública que deveria chegar a esse problema enquanto aumenta o número de pessoas com problemas e sofrimentos mentais. São campos que vão requerer esforços do Governo”, afirma a presidente da Abrasco.

Propostas só são viáveis com mais recursos para o SUS

Mas, para suprir tantas demandas, é necessário garantir mais recursos ao SUS. Para isso, o vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, Francisco Funcia, defende a necessidade de revogar a emenda constitucional do teto de gastos, que impactou profundamente nos investimentos da saúde.

“É necessário enfrentar o problema do desfinanciamento do SUS”, aponta o pesquisador, que estima que o SUS perdeu 37 bilhões de reais, desde que a emenda constitucional 95 entrou em vigor em 2018. “Foram retirados bilhões de um SUS que já não tinha recursos, que era historicamente subfinanciado”, critica.

Para Funcia, o Brasil precisa criar uma regra de transição para estabelecer um novo piso de investimentos no setor, que ele sugere que tenham variáveis acíclicas e andem no sentido oposto ao ciclo econômico. Isso porque, no entendimento do pesquisador, o Estado precisa poder aumentar o gasto em saúde quando há crises, tanto para atender às necessidades ampliadas da população quanto para provocar a retomada do emprego e da produção.

“Nossa proposta na Associação Brasileira de Economia da Saúde com um grupo de economistas é que a gente tenha um piso per capita”, defende, acrescentando que uma das variáveis para determinar este novo piso deve considerar as mudanças demográficas da população. Quando o país tem uma população mais idosa, por exemplo, exigirá um gasto com saúde maior.

Para o pesquisador, enquanto não se colocar uma outra regra constitucional que defina uma forma de controle das contas públicas que não penalize o atendimento das necessidades sociais da população (e os da saúde em especial), não é possível imaginar qualquer proposta de governo para a área social.

Redação da Agência Aids com informações do site JOTA