Garantir a segurança da comunicação de saúde nas redes requer uma abordagem multifacetada, que engloba certificação, educação digital e regulamentação
A expansão da internet comercial na virada do século 20 para o 21 transformou profundamente a maneira como consumimos informações. Antes desse período, o conhecimento era transmitido principalmente por meio de mídias analógicas, como TV, rádio, livros e jornais. Com a consolidação da web, um novo universo de sites, portais e mecanismos de busca multiplicou e diversificou o número de fontes acessíveis.
Nos últimos dez anos, as transformações se aprofundaram com a ascensão das redes sociais e a predominância dos algoritmos. Agora, além da busca proativa, podemos consumir conteúdo passivamente através dessas plataformas. No entanto, essa mudança traz desafios significativos, especialmente quando se trata de comunicação de saúde.
Antes das mídias sociais, a preocupação estava em como as pessoas se atualizavam sobre o tema, especialmente com o que profissionais da área se habituaram a chamar de “Dr. Google”. Com o acesso facilitado, os riscos de informações inadequadas se multiplicaram. Agora, a preocupação se estende aos algoritmos, que priorizam a popularidade sobre a precisão científica.
Levantamento feito em 2012 envolvendo 1.828 participantes verificou o predomínio de usuários que consideram a internet uma de suas principais fontes em saúde (86% dos pesquisados) – versus 74% para a opinião de médicos e especialistas, 50% para notícias da TV ou rádio e 39% para livros. Atribuiu-se alta confiança à opinião de especialistas (76%) e baixa ao que é veiculado na televisão, no rádio ou em blogs (14%).
Em que pesem os 12 anos desde então, não há por que crer que tenha decaído o uso de sites, portais e, mais recentemente, de postagens recebidas via redes sociais, como fontes referenciais para informações de saúde.
A diferença é que, com a mudança na maneira de consumir conteúdo, a disseminação de dados imprecisos e parciais tem impacto significativamente maior, com consequências sérias, especialmente quando orienta comportamentos e a tomada de decisões.
Ao mesmo tempo, vale a pena ressaltar que, embora o uso indiscriminado das informações obtidas na internet possa ser maléfico, há também o lado positivo desse fenômeno. Essa atitude pode possibilitar a tomada de decisões mais criteriosas pelos usuários ou consumidores, além de maior autonomia e liberdade de escolha.
Mas, nesse contexto, como garantir confiabilidade? Ao verificar a internet como principal fonte sobre saúde para uma quantidade elevada de pessoas, o estudo apontou, entre outras, a necessidade de certificação de portais que tratem do assunto como potencial medida mitigadora do problema.
A questão, agora, é como transpor essa conclusão, relevante então, para o momento atual.
A proposta de certificação pode ser estendida aos perfis que compartilham informações sobre o tema nas principais redes sociais, seguindo um modelo semelhante, embora não idêntico, ao processo de verificação de perfis. Isso implica identificar se os profissionais que solicitam tal certificação possuem formação teórica ou prática em saúde ou jornalismo, por exemplo. Não se trata de restringir quem pode falar sobre o assunto, mas de oferecer um selo de aprovação que garanta o respaldo das redes sociais devido ao compromisso com a veracidade dos fatos transmitidos.
A longo prazo, essa abordagem pode ser benéfica para as plataformas, considerando o amplo interesse do público em diversos temas de saúde. Contudo, como garantir qualidade mínima à comunicação proveniente de perfis não verificados?
Existem duas abordagens possíveis. Uma delas é utilizar os serviços de agências de checagem para monitorar e sinalizar postagens virais nas mídias sociais. No entanto, surge a questão do financiamento dessa iniciativa, que é custosa e não gera receitas imediatas para as proprietárias das redes. Nesse caso, a regulação pode ser um estímulo, pois quem não se adequar corre o risco de ser penalizado.
A segunda abordagem é ainda mais crucial: promover o letramento digital, investindo em educação e desenvolvimento de senso crítico entre os usuários das redes sociais, destacando a importância da confiabilidade e da credibilidade das fontes.
Em última análise, garantir a segurança da comunicação de saúde nas redes sociais requer uma abordagem multifacetada, que engloba certificação, educação digital e regulamentação. Somente a ação coordenada entre governos, instituições privadas e sociedade civil organizada nos permitirá vencer o desafio da desinformação e proteger o bem-estar dos usuários da internet.
* São, respectivamente, psicólogo, doutor em ciências pela unifesp, atualmente desenvolve pesquisas com apoio da fapesp sobre soluções digitais de saúde mental; e jornalista com mais de 20 anos de experiência em comunicação, com passagens por veículos de imprensa, produtoras de conteúdo e consultorias
Opinião por Felipe Moretti
Psicólogo, doutor em ciências pela Unifesp, atualmente desenvolve pesquisas com apoio da Fapesp sobre soluções digitais de saúde mental
André Mascarenhas
Jornalista com mais de 20 anos de experiência em comunicação, com passagens por veículos de imprensa, produtoras de conteúdo e consultorias
Fonte: Estadão