“Vivo com HIV há mais de 25 anos, recebi o diagnóstico em uma fase difícil da doença. Por falta de informação e medo de infectar a minha família, decidi me isolar do mundo. Hoje, tudo mudou, mas por um tempo a aids me silenciou.” A fala é do ativista e artista plástico nordestino, José Carlos Heráclito.

Homem preto, pai da Maria Eduarda, avó do Kauã Roberto e da Maria Flor, ele mora em Paulista, litoral norte de Pernambuco, e faz do ativismo anti-HIV seu combustível diário para continuar vivo e lutar pelos direitos desta população. Neste Dia dos Pais, comemorado no próximo domingo (13), José Carlos, que faz parte da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e é Conselheiro de Saúde, abriu seu coração em entrevista à Agência Aids e garantiu que ser pai foi uma das suas melhores escolhas na vida.

Sua luta contra a aids começou antes mesmo de receber o diagnóstico. Ele era doador de sangue na Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (Hemope) e, por se considerar uma pessoa espiritualizada, sempre acreditou no poder da doação. “Eu entendia que ao doar sangue estava também cuidando da minha saúde. Era a chance de sempre fazer testes para várias doenças.”

Em 1998, José Carlos foi chamado no Hemope para fazer um novo teste de HIV. Na época, já imaginava que o exame daria positivo. “Fiquei desnorteado com o diagnóstico, a profissional de saúde apenas me comunicou do resultado, mas não me acolheu.”

A desinformação deu lugar ao medo de infectar quem mais amava, ele entendeu que para manter a saúde da filha e da esposa teria que sair do relacionamento. “Acabou meu casamento, e era uma questão minha comigo mesmo, eu não conseguia, não me sentia à vontade de compartilhar com a minha esposa. Já sabia que ela não estava infectada, fez diversos exames no pré-natal. Decidi me separar sem ela saber do diagnóstico, mas se eu tivesse tido um acolhimento na hora que recebi o resultado, teria evitado este dano em minha vida”, relata.

Sem medicação

José Carlos não teve um diagnóstico tardio. Quando descobriu o HIV estava super bem de saúde e a orientação na época era aguardar o adoecimento para começar o tratamento. Os anos se passaram e, em 2005, já com o sistema imunológico enfraquecido e com um quadro de toxoplasmose, ele ficou internado por quase 3 meses, e começou o tratamento.

Até este momento não havia contado para ninguém sobreo HIV, a primeira pessoa a saber foi sua mãe, Dona Maria do Socorro, que o acompanhou no hospital.

“Minha mãe ficou comigo no hospital, ela era uma mulher muito à frente de seu tempo e não compartilhou a minha sorologia com outros familiares. Ela dizia para as pessoas que eu estava com tuberculose. Quando questionei o motivo, minha mãe alegou que esse era um assunto meu”, contou José, ao demostrar um amor e gratidão enorme pela mãe que o acolheu e o ajudou a passar por esse momento. “Ela me fortaleceu muito, era o meu norte. Infelizmente perdi minha mãe há três anos, mas posso garantir que vivemos momentos inesquecíveis”, diz.

Quando teve alta, decidiu que era a hora de reunir todas as pessoas que considerava ter um espaço especial em sua vida, como a sua ex-mulher e irmãos, para contar ser HIV+. “Pedi para que eles me apoiassem, me amassem e não me abandonassem. Para mim, aquele momento foi libertador, porque o fardo que eu vinha carregando há mais de 5 anos foi jogado fora”, relembrou.

Hoje, já fortalecido e informado, ele sabe bem que poderia ter feito escolhas diferentes. “Naquele momento descobri que estava pronto para responder qualquer pergunta sobre a minha sorologia. Eu já conhecia outros ativistas com HIV, sabia dos meus direitos e também que eu não era risco para ninguém.”

Relação pai e filha

Mesmo morando em casas separadas, José e a filha Maria Eduarda nunca deixaram o amor esfriar. Hoje, sua filha tem 28 anos, se tornou mãe muito cedo, aos 15 anos, mas o HIV não os impediu de construir juntos uma relação saudável e carinhosa.

“Falei abertamente sobre HIV com a minha filha quando ela engravidou. Ela já sabia, mas tinha receio de falar comigo sobre o assunto. Ela trouxe o teste de gravidez chorando, na hora eu disse para não chorar, porque antes um filho do que uma doença. Hoje, posso garantir que ela é uma excelente mãe. Se tornou uma mulher bem empoderada, emancipada e consciente, que é cuidadosa consigo mesma e com os filhos”, falou orgulhoso.

José aprendeu a se virar na vida, sua filha e seus netos estão sempre presentes no dia a dia. Eles amam praia e se encontram sempre que possível para renovar as energias a beira-mar e se deliciar com a culinária nordestina.

Com a aids, José considera que aprendeu o valor da vida e das relações humanas. Hoje, se dedica no acolhimento de outras pessoas vivendo com HIV. Ele sabe que a garantia dos direitos humanos é fundamental na vida dessas pessoas.

Vivendo o ativismo em diversos espaços políticos de saúde e lutando principalmente pelo direito de pessoas vivendo com HIV, agora com 54 anos, a mensagem que ele deixa para as pessoas que desejam ser pais é de que é possível. “Não precisam desistir de suas famílias apenas pelo vírus. Conheço vários casais sorodiferentes que já se casaram, tiveram filhos e levam uma vida estruturada.”

Neste Dia dos Pais, ele espera receber a visita da filha e deseja ter muita saúde para continuar sua trajetória.

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Sâmylla Rocha (samylla@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

José Carlos Heráclito

E-mail: carlosheraclito10@gmail.com