Nesta sexta-feira (29), celebramos o Dia Nacional da Visibilidade Trans. No Brasil, a data é muito significativa para a luta de travestis e transexuais. A falta de ações do governo federal relacionadas ao tema se contrapõe à origem do Dia Nacional da Visibilidade de Transexuais e Travestis. Comemorada desde 2004, o dia foi fixado pelo lançamento da campanha “Travesti e respeito”, elaborada por lideranças históricas do movimento de transexuais no país em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde.

Em 29 de janeiro de 2004, a campanha foi um marco por ter levado 27 transexuais e travestis aos salões do Congresso Nacional, em Brasília. Quase 20 anos depois, o preconceito e a falta de oportunidades no mercado de trabalho continuam sendo alguns dos desafios enfrentados por pessoas trans. De acordo com levantamento feito pela ONG Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata, em números absolutos, pessoas trans no mundo. Além disso, dados da União Nacional LGBT apontam que a expectativa de vida de um transgênero no Brasil é de apenas 35 anos. Geralmente, eles são mortos antes disso.

Os dados mais recentes confirmam que o Brasil se mantém na liderança do vergonhoso ranking de países que mais matam pessoas trans no mundo. Em 2020, foram 175 travestis e mulheres transexuais assassinadas. A alta é de 41% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 124 homicídios. O número de assassinatos também torna 2020 o ano mais sangrento em quatro anos, desde o início desse tipo de levantamento de dados no país.

Confira a seguir uma linha do tempo da luta e das conquistas, ainda que poucas, do movimento no Brasil:

1591: os registros do Santo Ofício do século XVI, mostram que Xica Manicongo foi a primeira travesti do Brasil. Moradora da Baixa do Sapateiro, em Salvador, Francisco Manicongo, ou melhor, Xica, era uma negra escravizada que se tornou símbolo de resistência.

1962: foi preciso 371 anos depois de Xica para nascer a primeira Instituição LGBTI+ do Brasil. A Turma OK, fundado no Rio de Janeiro, é o primeiro grupo de que se tem registro na história do Brasil. “Nós não tínhamos sede, então nos encontrávamos em nossos apartamentos para shows e apresentações. Não existiam aplausos, apenas estalar de dedos para não fazer barulho por conta da Ditadura Militar da época”, conta Amancio Cezar, atual presidente da Turma Ok. “Nossa vitória contra aquele regime e nossa resistência até aqui têm sido motivo de muito orgulho”, afirma.

1971: em dezembro deste ano foi feita a primeira cirurgia de mudança de sexo genital em uma mulher trans no Brasil. Seis anos depois, acontecia a primeira operação em um homem trans.

1990: a Organização Mundial de Saúde (OMS) retira a homossexualidade da lista internacional de doenças mentais. A decisão transformou o 17 de maio como Dia Internacional contra a Homofobia. Fazendo as contas, isso foi 31 atrás. Apenas.

1990: Roberta Close, que foi um ícone dos anos 80 com toda a polêmica que envolvia o seu corpo, torna-se a primeira modelo trans a posar nua para a Playboy. Ela havia feito a cirurgia de resignação sexual um ano antes, na Inglaterra. A capa da revista tinha, então, a seguinte frase: “Pela primeira vez, o novo corpo de Roberta Close”.

2004: foi instituído o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Em 29 de janeiro, 27 transexuais e travestis foram ao Congresso Nacional, em Brasília, reivindicar seus direitos. Assim, o Ministério da Saúde formalizou o compromisso para a saúde da população Gay, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros com a criação de um Comitê Técnico.

A group of protesters protested in favor of transsexual visibility on Avenida Paulista, in the central region of Sao Paulo, Brazil, on 27 January 2018.
According to the organizers, the demonstration celebrated the national trans visibility day. The participants met in the opening of the afternoon in the free passage of the Masp “It is necessary to face the transphobic discrimination, which produces high levels of violence in our country. protagonist of the achievements of their rights! “, affirms text of the event in social networks. (Photo by Cris Faga/NurPhoto via Getty Images)

2006: em Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, o Sistema Único de Saúde passou a aceitar o uso do nome social, ou seja, aquele pelo qual travestis e transexuais querem ser chamados, em qualquer serviço da rede pública de saúde.

2008: dois anos depois, o Sistema Único de Saúde cria o processo transexualizador. A partir de duas portarias do Ministério da Saúde, 1.707 e 457, o reconhecimento da orientação sexual e da identidade de gênero tornaram-se determinantes dentro da saúde. O atendimento a pessoas trans passa a ser feito com uma rede de acolhimento com uma equipe multidisciplinar de psicólogos, endócrinos e cirurgiões. O SUS passa, então, a realizar neste ano a cirurgia de redesignação sexual. Algumas pessoas trans sofrem de disforia corporal e a mudança física é parte fundamental para o processo de transição e aceitação. Em 2020, foram feitas 3.440 cirurgias desse tipo no Brasil. Hoje, a fila de espera para a cirurgia pelo SUS pode chegar a dez anos.

2009: o primeiro ambulatório de saúde do Brasil dedicado exclusivamente a travestis e transexuais foi inaugurado pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. Neste mesmo ano, foi fundada a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil – REDETRANS Brasil, instituição nacional que representa pessoas Travestis e Transexuais do País. “Um dos nossos objetivos é priorizar o fortalecimento de políticas públicas governamentais nas três esferas que ampare nossa comunidade”, explica Tathiane Aquino de Araújo, atual presidente da Rede Trans.

2016: a Defensoria Pública da União solicitou ao Conselho Nacional de Justiça que pessoas trans sem cirurgia tivessem também o direito de retificar o registro de nascimento. Assim, pela primeira vez, uma mulher trans mudou seu gênero e nome sem avaliação médica ou atestado. O caso aconteceu em outubro deste ano em São Bernardo do Campo, em São Paulo.

2017: Tiffany Abreu torna-se a primeira jogadora transexual brasileira a receber autorização da Federação Internacional de Vôlei (Fivb) para atuar com as mulheres. Ela atuava pelo Golem Palmi, time da segunda divisão da Itália. “Eu sabia que isso teria um impacto, mas não imaginava tanta repercussão. Achei que como havia uma lei que permitia isso e estudos que comprovavam que era possível, o debate seria menor – mas não adianta, transfóbicos sempre existirão e para eles pouco importam as leis”, desabafou Tifanny em conversa com a Glamour em 2020.

2018: o Supremo Tribunal Federal autorizou que pessoas trans possam mudar nome e gênero direto no cartório, sem precisar obter autorização judicial. Pela decisão, a alteração nos documentos passa a ser feita sem a exigência de mudanças físicas ou laudos médicos. “Esse é um marco muito importante para mim pois eu me beneficiei dele. Antigamente, o processo para mudança de nome e gênero era muito lento e oneroso. Eu me lembro do dia que eu peguei a minha identidade com meu nome correto. Coincidiu ser no Dia Internacional da Mulher. Foi muito emocionante”, conta a modelo e influenciadora Bruna Andrade (@bru__andrade).

2018: este ano também marcou um número expressivo de mulheres trans a serem eleitas para o legislativo federal – foram mais de 50 candidaturas. Erica Malunguinho foi a primeira transexual eleita deputada estadual no Brasil, em São Paulo, e mais duas se elegeram por mandatos coletivos: Erika Hilton, pela Bancada Ativista, e Robeyoncé Lima, da Juntas, respectivamente em São Paulo e Pernambuco.

2020: dois anos depois, Erika Hilton torna-se vereadora de São Paulo com votação recorde. A cidade também elegeu Carolina Iara como covereadora pela Bancada Feminista do PSOL.

Redação da Agência Aids com informações da Revista Glamour