Em novembro, mês marcado pela luta e resistência, o Brasil celebra pela primeira vez o Dia da Consciência Negra como feriado nacional. A data, além de homenagear Zumbi dos Palmares, símbolo da luta pela emancipação do povo negro, reforça a urgência de mudanças reais para enfrentar desigualdades históricas.
A população negra, que há séculos enfrenta barreiras no acesso à moradia, trabalho, educação e saúde, encontra na prevenção ao HIV/aids uma pauta fundamental para garantir qualidade de vida e dignidade. Nesse contexto, iniciativas inovadoras têm buscado ampliar o acesso às políticas de saúde pública, com destaque para a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP).
Para compreender os avanços e desafios na prevenção ao HIV entre a população negra, a Agência Aids conversou com Adriano Queiroz, coordenador do setor de prevenção da Coordenadoria de IST/Aids da cidade de São Paulo. Reconhecida por suas ações pioneiras no enfrentamento da epidemia, São Paulo se consolida como referência nacional, embora ainda existam caminhos a percorrer. Confira a entrevista:
Agência Aids: Quais estratégias foram utilizadas para tornar a PrEP acessível à população negra de São Paulo?
Adriano Queiroz: As primeiras unidades da Rede Municipal Especializada (RME) em IST/Aids a oferecerem a PrEP foram implantadas fora da região central, respondendo a dados que mostravam sub-representação da população negra nas pesquisas sobre essa profilaxia. Em 2021, criamos o projeto PrEP na Rua, que leva a oferta da PrEP a ambientes comunitários, priorizando populações vulneráveis, como a negra. Também implementamos o CTA da Cidade, uma unidade itinerante que funciona em horários alternativos, de quinta-feira a sábado e, mais recentemente, em alguns domingos.
Agência Aids: Como a Coordenadoria incentiva a adesão e continuidade no uso da PrEP, considerando os desafios específicos enfrentados pela população negra?
Adriano Queiroz: A PrEP na Rua deixou de ser um projeto piloto e se tornou uma diretriz consolidada na cidade. Em 2023, realizamos mais de 360 ações e, até novembro de 2024, esse número já supera 900 atividades. Temos expandido a oferta em locais estratégicos, como festas, praças e centros culturais, priorizando horários alternativos e finais de semana.
Agência Aids: Quais desafios a população negra ainda enfrenta na adesão à PrEP?
Adriano Queiroz: Embora os dados do Boletim Epidemiológico de HIV/Aids 2023 mostrem uma queda na taxa de detecção do HIV entre a população negra, a redução é mais lenta em comparação à população branca. Um dos nossos principais desafios é aumentar a adesão e a continuidade da PrEP entre pessoas negras. Para isso, inauguramos a Estação Prevenção – Jorge Beloqui e o canal SPrEP, que disponibilizam profilaxias por teleconsulta, com retirada em máquinas automáticas em estações de metrô, funcionando inclusive aos finais de semana e feriados.
Agência Aids: Como a Coordenadoria tem trabalhado com lideranças e organizações negras para ampliar a conscientização?
Adriano Queiroz: Contamos com parcerias que vão desde ações nos territórios até editais específicos para apoiar coletivos negros. Nosso objetivo é produzir materiais educativos e reduzir o estigma relacionado ao HIV/Aids, com foco em intervenções que promovam o acesso da população negra às políticas de prevenção.
Agência Aids: Qual tem sido o impacto das máquinas automáticas de PrEP e da Estação Prevenção – Jorge Beloqui?
Adriano Queiroz: Dados mostram que cerca de 60% das mulheres cis que acessaram a PrEP ou PEP por máquinas automáticas são negras (pretas e pardas). No público geral, aproximadamente 40% dos usuários pertencem à população negra. Entre as pessoas trans atendidas, 45% também são negras, reforçando o alcance dessas iniciativas.
Desigualdades no acesso à PrEP no Brasil
Dados do Ministério da Saúde revelam que 82% dos usuários de PrEP no Brasil são homens que fazem sexo com homens, majoritariamente brancos (55%) e com alta escolaridade (72%). Mulheres cis negras e pessoas trans, especialmente em situação de vulnerabilidade, continuam entre os grupos com menor acesso à profilaxia.
Na cidade de São Paulo, o marco de 50 mil pessoas cadastradas para uso da PrEP reflete a eficácia da iniciativa, essencial para prevenir novas infecções e reduzir desigualdades raciais no enfrentamento do HIV/Aids.
Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)
Dica de entrevista
Coordenadoria de IST/Aids
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