Um estudo publicado nesta semana na revista Nature Medicine relata um novo caso de cura do HIV por transplante de células-tronco. Trata-se da quinta pessoa no mundo que deixou de apresentar sinais do vírus por um longo período.

De acordo com o consórcio internacional IciStem, o paciente é um homem de 53 anos que passou por um transplante de células-tronco em 2013, como parte do tratamento para leucemia. Após o procedimento, no qual recebeu material de um doador com uma mutação no gene CCR5 que impede a entrada do HIV nas células, ele conseguiu interromper o tratamento que fazia contra o HIV.

Nas análises que fizeram, os pesquisadores não encontraram vestígio de partículas virais, reservas virais ou resposta imune contra o vírus no corpo do “paciente de Düsseldorf” (oeste da Alemanha).

“Durante um transplante de medula óssea, as células do sistema imune do paciente são integralmente substituídas por células do doador, o que permite eliminar a grande maioria das células infectadas”, explicou o virologista Asier Sáez-Cirion, um dos autores do estudo, em comunicado.

“Trata-se de uma situação excepcional quando todos esses fatores coincidem para que esse transplante seja um duplo sucesso, tanto para a cura da leucemia quanto do HIV”, acrescentou.

Como menos de 1% da população normalmente se beneficia da mutação genética protetora do HIV, ela está em poucos doadores de células-tronco e o transplante não é uma opção para a cura em larga escala.

Antes do caso do “paciente de Düsseldorf”, outras quatro pessoas com HIV foram curadas, todas em procedimentos envolvendo o transplante de células-tronco de doadores com a mutação no CCR5.

Outros casos

A primeira pessoa curada foi Timothy Ray Brown, também conhecido como “paciente de Berlim”. Nascido nos Estados Unidos, ele foi diagnosticado com HIV em 1995, quando vivia na Alemanha, e em 2006 recebeu o diagnóstico de leucemia.

O segundo homem curado, Adam Castillejo, ficou conhecido como “paciente de Londres”. Ele tinha linfoma de Hodgkin e passou pelo transplante de medula com material de um doador com a mutação no gene em maio de 2016. Em setembro de 2017, Castillejo deixou de tomar drogas anti-HIV e seus exames de sangue não apresentaram mais sinais do vírus.

Em fevereiro de 2022, pesquisadores anunciaram o terceiro caso de cura, dessa vez envolvendo uma mulher submetida a um tratamento diferente. A paciente, que como Brown tinha leucemia, foi atendida no Weill Medical College, em Nova York, e recebeu sangue do cordão umbilical de um doador com a mutação no CCR5 e células-tronco sanguíneas parcialmente compatíveis de um parente de primeiro grau.

Pouco tempo depois, em julho, foi divulgado o quarto caso de cura do HIV. O homem de 66 anos, que não quis revelar sua identidade, recebeu o apelido de “paciente de City of Hope” (em tradução livre, cidade da esperança) em referência à unidade de saúde da Califórnia em que foi tratado.

Especialistas ouvidos pela Agência Aids comentam o caso. Confira:

Dr. Álvaro Costa, pesquisador e médico infectologista do Centro de Referência e Treinamento em IST/Aids de São Paulo: “As estratégias de cura relacionadas aos transplantes não são algo tão recente, isso já aconteceu alguns anos atrás. Quando se tem um paciente de HIV que tem uma doença que necessita de um transplante de medula óssea, como leucemia, escolhe-se um doador no banco de doadores que tenha uma mutação no receptor do vírus HIV, chamado CCR5. Quando acontece a mutação, o vírus não consegue entrar nesta nova medula e o paciente elimina o HIV. Isso já é o quinto caso no mundo, mas vale lembrar que é uma estratégia que não pode ser incrementada em saúde pública de uma forma geral, porque é preciso transplantar as pessoas, encontrar um doador que seja compatível e nem sempre se encontra…. Há também a própria questão das complicações de um transplante. Em um dos casos de cura, por exemplo, o paciente teve uma doença grave por fungo, daí você vai trocar o antirretroviral por imunossupressão para o resto da vida, com drogas que não tenham rejeição. É importante desenvolver novas estratégias para cura e entender mecanismos de reservatório de vírus, de ciência básica, mas o transplante não vai ser uma estratégia para ser utilizada por todo mundo em saúde pública. ”

Dr. Ricardo Diaz, infectologista, pesquisador em virologia, biologia molecular, diversidade genética e patogênese do HIV: “O que acontece é que os primeiros casos de cura por transplante de medula serviram para nos mostrar fortemente que o conceito da cura existe, e que é possível curar as pessoas. O que foi legal de observar é a diversidade dos casos, o paciente de Berlim era relativamente jovem, tinha uma certa proteção da infecção e parecia que seria mais fácil curar; já o paciente de Londres era um paciente que tinha um vírus resistente, já tinha tratado, falhado no tratamento e deu para curar também. Dá para curar homem, mulher, gente jovem, gente idosa… cada vez que aparece um caso novo a gente cresce nessa diversidade e prova-se o conceito de que é possível curar qualquer pessoa, agora só vamos esperar para encontrar algo que seja escalado, que tenha pouca toxidade e que seja mais seguro, servindo para o maior número de pessoas”.

Dr. Mauro Schechter, pesquisador e Infectologista pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro): “É mais do mesmo. Confirma achados anteriores, mas continua sendo apenas prova de conceito de uma intervenção que não pode ser utilizada em larga escala, mas que mostra que curar é possível”.

Dr. Ricardo Vasconcelos, do Hospital das Clinicas de São Paulo: “É muito legal ver um quinto caso de cura, ainda que por meio de um procedimento tão complexo como o transplante de medula óssea, por um motivo muito simples: é mais uma comprovação científica que curar o HIV é possível. Quando me perguntam quando será possível curar, a resposta é que já existe gente curada e não são apenas estes cinco casos, por vias diferentes também já existem pessoas curadas. E quanto mais pessoas curadas, mais fácil é fazer os caminhos das pedras, saber o que eles tinham de diferente, o que houve de diferente no procedimento realizado para que fosse possível livrar essas pessoas desta infecção. Então, devemos todos celebrar mais um caso e torcer para que em breve cheguemos a uma forma viável, segura e escalável no sentido de reproduzir para muita gente, de curar essa infecção. Eu acredito que na minha geração eu ainda verei!”

Maiky Carneiro da Silva Prata - Médico Infectologista - Rede D'Or São Luiz | LinkedInDr. Maiky Prata, infectologista do Centro de Referência em HIV/Aids: “Todo estudo devemos ver com entusiasmo, porque independente do resultado, eles passam por todo um processo de análise, de investigação, e isso sempre traz um conhecimento agregador para pesquisa clínica. No caso do HIV, o estudo observa a longevidade de células latentes, como a resposta imune reagiu a esses processos relacionados ao tratamento quimioterápico de pessoas que têm leucemia, e também ao tratamento do transplante. Tudo isso interfere de forma geral na cascata imunológica, células T, CD4, CD8. O conhecimento de tudo isso sem dúvidas agrega muito valor à pesquisa, independentemente do desfecho traz repostas importantes para pesquisa global. No que se refere extrapolar estes resultados para todas as pessoas que vivem com HIV/aids, a gente sabe que tem suas limitações. Foram situações muito específicas, pessoas que estavam vivendo uma doença hematológica, que foram inicialmente submetidas à tratamento quimioterápico e por falta de resposta a esse tratamento tiveram a opção do transplante. São situações bastante específicas que é difícil de expandir para a população geral. As pessoas que vivem com HIV devem ver os resultados de forma positiva, com otimismo, mas com cautela! O grande foco real hoje é manter-se em tratamento, fazer diagnóstico precoce, isso faz parte de um possível benefício futuro para uma cura, porque quanto menos reservatórios são criados para o vírus, possivelmente haverá uma chance maior de menor estado inflamatório geral do organismo e menores complicações.”

Sidnei Pimentel - Médico Infectologista - SES - CRT - DST/AIDS | LinkedInDr. Sidinei Pimentel, infectologista do Centro de Referência e Treinamento em IST/Aids de São Paulo: “Devemos ter muito cuidado ao falar com os pacientes. A gente sabe que o transplante não foi feito nessas pessoas como estratégia de cura, precisamos deixar muito claro isso! Essas pessoas tinham indicação médica para fazer o transplante para uma doença maligna. Então precisamos ter muito cuidado ao lidar para não gerar falsas esperanças. No meu consultório ainda não chegou nenhum paciente questionando, mas hoje eu atendi um paciente e voluntariamente falei a respeito, pois sei que essa história traz muitos questionamentos, deixei claro para ele como funciona exatamente isso. Tento sempre explica o que é, para que serve e quais são os riscos do transplante de medula, que eu considero o mais importante do que qualquer coisa. Devemos deixar claro que não é uma estratégia de cura e muito provavelmente jamais será, pelo menos pelas técnicas e modelos que usamos hoje, por conta de vários critérios, desde o alto risco de falha do transplante, a alta morbidade, mortalidade relacionada ao transplante por conta de complicações, o fato de que o paciente pode morrer durante o procedimento que é complexo, destrói completamente a medula do paciente, zera o sistema imunológico. E neste processo, obviamente, os pacientes estão em grande risco, então definitivamente o transplante de medula óssea não é uma estratégia de cura e não deve ser pensada desta maneira. Em toda discussão que se aborda a questão da cura, é extremamente importante reforçar a importância da adesão a terapia antirretroviral e manter a carga viral suprimida, porque inclusive todos os pacientes que participam de processos de pesquisas, estudos de cura, eles idealmente precisam estar com carga viral controlada. O grande problema hoje em não conseguirmos curar os pacientes é por conta do reservatório de células latentes infectadas, a gente sabe que se o paciente interrompe o tratamento, as células do reservatório voltam a replicar e ele volta a ter o vírus circulando na corrente sanguínea. Então, sem dúvidas, o tratamento é extremamente importante para qualquer processo de cura que venhamos imaginar no futuro, os antirretrovirais, estar indetectável, e reforçar a importância da adesão é mais importante do que nunca!”

Leia também:

HIV: cientistas anunciam quinto paciente curado após transplante de medula óssea

Dica de entrevista

Dr. Ricardo Diaz

Instagram: @dr.ricardodiaz

Site oficial: rdscientificsolution.com

Dr. Álvaro Costa

Instagram: @dr.alvarocosta

Site oficial: msha.ke/dr.alvarocosta

Dr. Mauro Schechter

Linkedin: Mauro Schechter

Dr. Sidnei Pimentel

Instagram: @dr.sidneipimentel

Dr. Ricardo Vasconcelos

Instagram: @ricovasconcelos

Dr. Maiky Prata

Linkedin: Maiky Carneiro da Silva Prata