Oferecer serviços de atenção integral à saúde para a população em situação de rua. Essa é a essência do Consultório na Rua, projeto coordenado há mais de 12 anos pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (BomPar) e que, em parceria com a Prefeitura da capital, reúne equipes multidisciplinares para atender e acolher as diversas demandas na área da saúde, inclusive pessoas vivendo com HIV/aids sem moradia fixa. O tema foi debatido na última quarta-feira (16), na reunião online do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra Aids).

Os militantes quiseram saber como se dá a qualidade de vida de quem vive com HIV e geralmente passam as noites dormindo nas ruas, sob marquises, em praças, embaixo de viadutos e pontes, isso inclui população-chave na luta contra aids, como pessoas trans, gays e profissionais do sexo. “Essas pessoas estão à margem das políticas públicas. Elas precisam de promoção, prevenção, tratamento, recuperação e manutenção da saúde, por isso, devem estar cada vez mais inseridas no SUS. O acesso à saúde é um direito humano fundamental”, disse o coordenador do Mopaids, Américo Nunes.

De acordo com o assistente social Marivaldo da Silva Santos, do BomPar, as equipes de Consultório na Rua atendem entre 15 e 25 pessoas vivendo com HIV/aids na cidade. “Algumas já conheciam o diagnóstico, mas tinham abandonado o tratamento, outras receberam o resultado positivo a partir da testagem realizada pelos profissionais de saúde em campo. As nossas equipes trabalham em parceria com os serviços de referência, mas nem sempre quem tem HIV aceita iniciar o tratamento imediatamente, é uma construção”, observou, completando que o estigma e o preconceito são empecilhos nesta luta. “Tem quem não faça o tratamento porque tem medo de que os colegas descubram o diagnóstico.”

As condições de extrema vulnerabilidade das pessoas em situação de rua representam um desafio na efetivação de uma política de saúde que contemple todas as necessidades desta população. Segundo Marivaldo, os problemas de saúde mais encontrados são HIV, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis, transtornos mentais, dependência química, hipertensão arterial, sequelas ortopédicas e as alterações dentárias. “Atendemos e acompanhamos, por exemplo, o tratamento de centenas de pessoas com tuberculose. Muitos estão fazendo o tratamento pela segunda vez.”

Equipe multidisciplinar

As equipes do Consultório na Rua são formadas por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistente social, psicólogos e agentes de saúde. As ações são compartilhadas e integradas às das Unidades Básicas de Saúde, dos CAPS, dos Serviços de Urgência e Emergência e de outros pontos de atenção. Os profissionais têm a tarefa de facilitar o acesso desta população aos equipamentos de saúde. “Trabalhamos em horários alternativos para garantir que o maior número de pessoas receba atendimento e acolhimento adequado. Nosso diferencial é ter nas equipes ex-moradores de rua e pessoas trans como agentes comunitários para o acolhimento entre pares. São pessoas que conseguem falar de igual para igual. Compartilham suas histórias e restabelecem vínculos.”

Mas nem tudo são flores. Segundo o ativista Eduardo Barbosa, do Grupo Pela Vidda São Paulo, é comum encontrar na cidade pacientes em situação de rua que estão sem os medicamentos. “As pessoas que ficam na região central geralmente convivem com as ações do rapa, orquestradas pelas própria Prefeitura. Eles fazem uma limpeza urbana e retiram tudo dos moradores: colchões, barracas, documentos, medicamentos, receitas. Já acompanhei casos no CRT em que a paciente relatou essa situação. É claro que demos um jeito e ela pegou o medicamento outra vez. Mas não podemos negar que este pode ser um fator importante para não adesão ao tratamento. Temos que pensar em ações efetivas para garantir que os remédios cheguem nestas pessoas diariamente.”

De acordo com censo realizado pela Prefeitura no começo do ano, a população em situação de rua na cidade saltou de 15.905, em 2015, para 24.344 em 2019 – um aumento de 53% no período. Há 20 anos, 9 mil pessoas viviam na rua ou passavam parte do dia na rua. Nove anos depois, eram 14 mil – mesmo número em 2011. Em 2015, esta população subiu ainda mais, chegando a 15.905. Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, o aumento do desemprego e da fome, o número deve ter aumentado consideravelmente.

“Quero parabenizar o Bompar e dizer que o Mopaids está à disposição para trabalhar junto, sempre na luta pelos direitos humanos, pela saúde e pelos direitos das pessoas que vivem com HIV/aids. A saúde não existe de forma isolada da vida das pessoas, da sociedade”, finalizou Américo.

Outubro Verde

A reunião durou quase três horas e o grupo aproveitou para pactuar ações de prevenção a sífilis, no Outubro Verde. “O outubro rosa já pegou, as pessoas sempre desenvolvem ações. Precisamos ter a mesma intensidade quando o assunto é sífilis”, disse Américo, ao sugerir que as ONGs trabalhem a temática com os seus assistidos.

Do Projeto Sífilis Não, do Ministério da Saúde, Neide Gravato explicou que desde 2017, o Ministério da Saúde estabeleceu o terceiro sábado de outubro como o Dia Nacional de Combate a Sífilis Congênita. “Temos que sensibilizar as pessoas e estimular a comunidade sexualmente ativa para testagem de sífilis. Além disso, é preciso apoiar as unidades de saúde na promoção de atividades de prevenção, diagnóstico, tratamento e educação continuada sobre sífilis congênita.”

Pensando nas limitações impostas pelo isolamento social, Neide propôs que cada ONG desenvolva um plano para pautar ações de sífilis nas suas atividades remotas ou presenciais, inclusive nas redes sociais.  “O governo vai lançar a campanha ‘Eu sei. Você sabe?’, mas já existem vários materiais de apoio para ampliar a divulgação do tema, como cursos EAD e vídeos no youtube”, sugeriu Neide.

As ONGs se comprometeram a desenvolver ações com foco no enfrentamento da sífilis. Marivaldo, do BomPar, vai levar a sugestão até para os consultórios na rua.

A próxima reunião virtual do Mopaids já tem data, vai acontecer na terceira quarta-feira de outubro.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

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