Ela tem 38 anos, é mulher negra, vive com HTLV, é psicóloga, aposentada e presidente da Associação HTLVida. Quem já teve a oportunidade de conviver com Adjeane Oliveira de Jesus sabe bem o quanto é pulsante seu ativismo em defesa das pessoas vivendo com HTLV no Brasil e no mundo.

Retrovírus da mesma família do HIV (causador da aids), o HTLV infecta a célula T humana, um tipo de linfócito importante para o sistema de defesa do organismo. Ele foi isolado em 1980 e é mais prevalente em certas regiões, como Japão, Caribe e alguns países africanos. No Brasil, representa um problema de saúde pública.

De acordo com informações do Ministério da Saúde, a infecção pelo HTLV está associada a diversas doenças, como a leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL) e a mielopatia associada ao HTLV-1. Assim como o HIV, o HTLV é transmitido por via sexual (relações sexuais desprotegidas), nas transfusões de sangue, pelo uso compartilhado de seringas e agulhas e da mãe para o filho durante a gestação, aleitamento e no momento do parto. 

Adjeane descobriu estar infectada com o HTLV a partir do diagnóstico de seu pai. Ele descobriu a doença ao tentar doar sangue para um amigo, nos anos 1990, e depois disso toda a família foi testada – o exame de sorologia deu positivo para todos. 

Desde que foi diagnosticada, vem lutando por visibilidade, direitos e melhores condições para si e para todas as pessoas vivendo com HTLV, enfrentando o estigma, o preconceito e a discriminação.

Em entrevista à Agência Aids, ela contou que sua força vem da vontade de viver e do apoio integral e incondicional que recebe de sua família.  “A gente tinha uma família comum, pobre. Somos uma família de pessoas que querem lutar e vencer na vida. Infelizmente sem muita renda para crescer, então só o estudo seria a opção para a gente conseguir progredir.” 

Nordestina, ela cresceu em Salvador, em meio a diversos desafios. Ela enfrenta dificuldades de locomoção nos membros inferiores devido à síndrome de mielopatia associada ao vírus do HTLV.

“As três filhas dos meus pais são formadas, eu sou psicóloga, tenho uma irmã que é assistente social e a outra é contadora. Meu irmão, que morreu em decorrência do HTLV, estava fazendo curso técnico, mas infelizmente não conseguiu concluir por conta de uma leucemia linfoma”, compartilhou. “Infelizmente, ele veio a falecer. Meu irmão faleceu exatamente no dia 23 de março, que é o Dia Nacional de Enfrentamento ao HTLV.”

“Quando meu irmão morreu eu  já estava mobilizada para falar sobre o HTLV, mas depois da partida dele isso aflorou ainda mais. Desde então, estou nessa luta, tentando fazer o possível para deter o aumento do número de novos casos, ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas que já têm o vírus e fazer o possível para falar, dar visibilidade e divulgar informações sobre este vírus para ajudar outras pessoas.”

Adjeane conta que logo que descobriu viver com HTLV, não apresentava sintomas ou quaisquer limitações causadas pelo vírus. Estava levando uma vida tranquila, trabalhando, estudando e tinha acabado de ser promovida no trabalho, no auge dos seus 23/24 anos. Até que começaram a surgir algumas dificuldades, como de segurar a urina e de evacuar. Ela lembra: ‘‘Eu tinha um médico muito bom na época e tinha um plano de saúde. Esse médico também era pesquisador na área. Quando recebi o afastamento do trabalho, eu estava terminando a faculdade. Foi muito difícil, acho que essa foi uma das maiores dores que tive na vida. Os sintomas só pioravam, eu tinha muita dificuldade de locomoção, além de ter tido uma depressão.’’

Segundo a ativista, foi justamente no movimento social que também encontrou fôlego para reivindicar seus direitos e os direitos das outras pessoas que se encontram na mesma situação.

Ativismo

Apesar de sua ONG, a HTLVida, ter enfrentado uma redução nas atividades devido aos desafios comuns de financiamento e mobilização, Adjeane contou que os trabalhos não pararam. “Tivemos a primeira presidente cadeirante, mas estamos falando de Salvador, uma cidade com muitas ladeiras e estradas complicadas para quem usa cadeira de rodas. Me envolvo de corpo e alma na associação, buscando minimizar as dificuldades e trazer visibilidade para este vírus.”

Saúde mental

A saúde mental impactou consideravelmente a vida da militante. Ao longo de sua trajetória, ela lida com frequência com desafios emocionais, incluindo o luto de seu irmão e a depressão que enfrentou. 

Adjane destacou dois pontos importantes para o processo de cuidado de sua saúde mental: “O primeiro ponto é minha rede familiar. Meus pais, minhas irmãs e até mesmo meu irmão que faleceu, todos me ajudam e sempre me ajudaram. Por mais que as limitações apareçam, minha família é muito ativa. Eles não me deixam ficar em casa. Se digo que hoje quero ficar em casa um pouco, eles já me incentivam a sair, dizendo: ‘Não, levanta que você tem o que fazer.’ Eles não me deixam desanimar.”

A militante afirma que, como qualquer pessoa, ela também pode sentir-se desanimada, mas enfatizou que não pode se entregar. “Eu estou sempre em atividade para justamente nem pensar nas limitações.’’

“Já o outro fator que também foi muito importante foi conhecer a associação. Pessoas que já vivem com a HTLV, que já tem experiência de vida. Isso influencia muito quando vejo um sorriso, quando vejo um sonho na vida deles. A gente se encontra, fomos para a praia no último sábado… é possível sim viver com a HTLV e se divertir, saindo, estudando. […] Quando recebi um documento do INSS dizendo da minha aposentadoria por invalidez, isso me machucou muito, porque invalidez é algo que não serve para nada, nem lixo. O lixo a gente pode reciclar, mas invalidez, infelizmente, é como se você fosse um móvel que não serve mais para nada.’’

Sobre como se dá as práticas de acolhimento na associação que faz parte, onde as pessoas buscam orientação e apoio em momentos de desespero ao receberem o diagnóstico do HTLV, diz: “a gente tenta acalmá-las e dar um direcionamento, porque não é fácil receber um diagnóstico de uma doença que não tem cura, que não tem antirretroviral… Nós, que já vivemos com HTLV há um tempo, estamos com a cabeça mais estruturada, sabendo lidar melhor com as limitações… Temos a missão de mostrar para outras pessoas que estão chegando agora que é possível viver, que é possível administrar, se organizar para sair de casa, para ir aos médicos, para participar das atividades de lazer. Eu acho que o nosso exemplo, de não ficar esperando as coisas caírem do céu, mostra muito!”.

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

ONG HTLVida

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