Na manhã seguinte aos resultados das eleições, a abertura do evento em comemoração aso 30 anos do Centro de Referência e Treinamento de São Paulo e 35 anos do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, nessa segunda-feira 29,  foi marcada por falas politizadas, defesa dos SUS e mensagens de união e resistência diante do atual cenário político.

O dr. Marcos Boulos, do Controle de Doenças da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, falou sobre a importância de o Programa Estadual de DST/Aids ter sido pioneiro no Brasil, pela atuação fundamental para que houvesse uma política de aids no país. “Apesar disso, não podia deixar de falar que pode ser que nós não tenhamos mais o mesmo trabalho pelo cenário em que a política social fica subordinada a controle financeiro. Vamos precisar convencê-los da legitimidade do nosso trabalho.”

Fernanda Rick, do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais fez um resgate histórico do enfrentamento da aids e o papel do Programa Estadual e do CRT nos resultados obtidos. Nesse sentido, também evidenciou o contexto político atual. “A gente vai continuar juntos. A resposta brasileira à epidemia tem origem no cumprimento da democracia. Os profissionais de saúde não sabiam o que fazer. A resposta veio da comunidade gay e por profissionais e autoridades de saúde pública. Todos se levantaram a favor da vida. A iniciativa de se criar o programa, por exemplo, foi no primeiro governo estadual democraticamente eleito. Que estejamos com a mesma disposição do passado, para lutar contra as mortes e todo o preconceito que insiste em afetar a população mais atingida pela epidemia.”

O coordenador do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, Arthur Kalichman, discursou sobre o quão adequado foi a realização desse encontro logo após tomarmos conhecimento do novo presidente da república. Por isso, ele destacou que há dois pilares fundamentais na luta. “Hoje estamos marcando uma política pública importante. As duas principais bases dessa resposta são os direitos humanos com sua importância na promoção do direito à saúde. Não desqualificar e colocar como desigual algo que significa apenas viver a sexualidade de forma diferente. O outro ponto se trata das evidências científicas. É muito bom que estejamos todos juntos aqui, é isso que nos vai mostrar o caminho, para manter a defesa da vida, da paz e dos direitos humanos. Esse é o novo desafio: como, nessa conjuntura, podemos nos manter felizes e unidos?”

Robson Camargo, do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo afirmou que, diante do novo cenário político, “vamos continuar lutando e batalhando por tudo o que já conquistamos. Já passamos por outros momentos difíceis, esse é só mais um”.

Carla Diana, do Fórum de ONGs Aids de São Paulo, afirmou que o papel da sociedade civil é lutar e garantir voz. “Atuamos em defesa do SUS e da democracia. Hoje, diante da escolha do nosso país, fica a mensagem de que qualquer sistema de governo que defesa da violência para funcionar, deve ser negado. Vamos permanecer com coragem porque metade do país defende um projeto de governo respeitável. É difícil falar de amor quando sentimos ódio daquelas pessoas que não defenderam um projeto que acreditamos ser melhor. Não importa o que aconteça, vamos nos lembrar de quem nós somos todos os dias e do que podemos ser um para o outro e para nós mesmos.” 

O ativista Paulo Giacomini representou a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV (RNP+) e trouxe um discurso de persistência. “Apesar de desolação hoje é dia de comemoração. Temos de comemorar a resposta paulista, expandida ao brasil e a outros países. Comemorar a dedicação daqueles profissionais de saúde, que mesmo sem saber sobre a doença e sua forma de transmissão não exitaram em atender as pessoas que precisavam. Temos de valorizar nossa história. Temos de voltar a falar de sexo seguro, encontrar mecanismos para renovar o preservativo masculino. Temos de encontrar linguagens para dialogar com os jovens, especialmente aqueles das periferias e usuários de drogas que nem conhecemos ainda. Corremos o risco de perder o trabalho que construimos em 35 anos se as promessas de campanha forem cumpridas. Hoje, começa uma história de defesa da política de aids brasileira, em homenagem a quem se foi, pela dignidade de quem trabalha, e em defesa de quem ainda vive.” 

Para encerrar as falas da abertura, Ancelmo Figueiredo, do Fórum Paulista LGBT, falou sobre o medo da homofobia por parte da comunidade LGBT. Para ele, as pessoas transfóbicas, homofóbicas já saíram do armário. “Essa crise moral não começou agora. Ela se intensificou. A gente não está preocupado apenas com a homofobia, estamos acostumados a ela. O problema sempre existiu e é muito triste saber que a gente vai viver em um país sabendo que há um presidente que não gosta de dialogar. O que nos conforta é saber que existe uma maioria que não concorda com esse governo.”