Nesta semana, mulheres ativistas, representantes de diferentes regiões no Coletivo Feminista Gabriela Leite, participam do 3º Encontro Nacional em Brasília. O evento, que está sendo realizado na Sala Renato Russo do Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi), tem como foco a articulação de políticas públicas e o combate ao machismo estrutural dentro do movimento de luta contra a aids.

Fundado em 2022, durante o Encontro Nacional de ONGs, Redes e Movimentos de Luta contra a Aids (Enong), o coletivo surgiu da indignação das mulheres diante da invisibilização de suas pautas e do reforço de violências dentro do próprio movimento. Desde então, o grupo tem se dedicado na luta por maior representatividade e na formulação de políticas que atendam às necessidades específicas das mulheres.

Com quase dois anos de existência, o grupo já alcançou representação em diversas instâncias, como a Articulação Nacional de Aids (Anaids), o Programa Brasil Saudável (CIEDSS), a Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais (CAMS) e o CTA de Prevenção. A liderança do coletivo é formada por Carla Diana (SP), Carla Almeida (RS), Cleide Jane (RJ), Camila Lima (MT), Maria Elias (PA) e conta com a assessoria jurídica de Márcia Leão.

Segundo a ativista Carla Diana, de São Paulo, nesta segunda-feira (02), primeiro dia de debates, as ativistas falaram sobre “a organização de representações regionais, visando ampliar a atuação do coletivo em todo o país e fortalecer as pautas feministas locais. Além disso, as participantes trabalharam na elaboração de um calendário de campanhas que aborde temas sazonais com foco nas interseccionalidades e na luta feminista.”

O encontro, que segue até esta terça-feira (3), também quer dar visibilidade ao amadurecimento do coletivo e a expansão de suas pautas, que hoje vão além da luta contra o HIV/aids e incluem a defesa ampla dos direitos das mulheres. Entretanto, as integrantes enfatizaram que, para alcançar mudanças significativas, é fundamental a implementação de políticas públicas efetivas e uma conscientização social mais profunda sobre as questões de gênero.

O Coletivo Gabriela Leite segue mobilizado e comprometido em garantir que as vozes das mulheres sejam ouvidas e respeitadas, buscando construir um movimento mais inclusivo e justo dentro do cenário nacional de combate à aids.

Confira a seguir depoimentos de integrantes do Coletivo:

Cleide Jane, da Associação Missão Resplandecer, do Rio de Janeiro: “O coletivo feminista está aqui para empoderar, formar e amparar mulheres, além de lutar pela igualdade de gênero e combater o racismo, o sexismo e o machismo, especialmente dentro dos movimentos sociais. Muitas mulheres permanecem em silêncio nesses movimentos, sem poder de atuação, pois o machismo ainda prevalece, com os homens sempre buscando ocupar os espaços de liderança. É raro ver uma mulher em posições de poder dentro dos movimentos sociais. O coletivo traz um diferencial ao também cuidar de mulheres protestantes, evangélicas e rurais – grupos que, muitas vezes, não estão no dia a dia das discussões, não são considerados prioritários ou população-chave, e, por isso, acabam invisibilizados. No entanto, essas mulheres necessitam do nosso olhar, sensibilidade e empatia.”

Carla Diana, da Associação Prudentina de Incentivo à Vida e representante do Coletivo Gabriela Leite no Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente/ Programa Brasil Saudável: “Eu fui convidada para entrar no coletivo no ano passado e, ao me deparar com as pautas do movimento, me encantei com a pluralidade. O coletivo acolhe sem discriminação, sem critérios de exclusão. O que mais me encanta é a perspectiva de envolver lideranças de todas as regiões do Brasil, garantindo não só a diversidade, mas também a compreensão das vulnerabilidades locais e das demandas interseccionais que afetam a população mais vulnerável. É isso que me faz parte do Coletivo Gabriela Leite, com a perspectiva de avançar em uma pauta que aborde todas as questões do feminismo, da justiça social e da garantia dos direitos das mulheres. Seja para mulheres vivendo com HIV/aids ou para aquelas convivendo, dentro das várias vulnerabilidades que historicamente nos violam e nos violentam no Brasil. No contexto da pauta da aids, por estar tantos anos dentro do movimento, nunca consegui despertar um olhar mais feminista, porque as pautas feministas se perdiam nas discussões, dominadas por autoridades majoritariamente machistas. Muitas vezes, não percebíamos como isso nos prejudicava, nos tornava mais vulneráveis e nos invisibilizava. Com o surgimento do movimento de mulheres e a formação do coletivo, começamos a relembrar quanto tempo passamos dentro do movimento lutando por igualdade e direitos, enquanto nossos próprios direitos eram violados. Esse processo é uma libertação, um olhar diferenciado que inclui, protege e busca um projeto de igualdade e proteção. O que mais incomoda as mulheres no movimento aids é o não reconhecimento de seu saber, de sua produção e contribuição intelectual, de sua luta, suas experiências, suas feridas, mágoas e sofrimentos. Tudo isso alimenta nossa crença na transformação e em um futuro próspero. O Coletivo Gabriela veio para sacudir essa estrutura. Estamos caminhando e, no próximo Enong, em novembro, no Rio de Janeiro, estaremos com um movimento não só constituído e legitimado, mas com propostas, presença e representação. A Gabriela representa essa força.”

Carla Almeida, integrante do Coletivo Gabriela Leite e do Gapa do Rio Grande do Sul: “É fundamental resgatarmos e ampliarmos o debate público sobre mulheres e aids. Precisamos ter a compreensão do quanto o apagamento das mulheres na agenda da Aids é mais uma manifestação do machismo estrutural. Os dados epidemiológicos que apontam uma maior mortalidade entre mulheres negras, não deixam dúvidas o quanto gênero, raça/etnia estão imbricadas com o processo de adoecimento e morte. A resposta à epidemia de aids tem que estar comprometida com uma agenda de enfrentamento ao machismo, racismo, LGBTQIAfobia e as desigualdades sociais, garantido o protagonismo das populações mais vulnerabilizadas.”

Maria Elias, do Coletivo Coisa de Puta de Belém do Pará: “O envolvimento do coletivo Coisa de Puta com o coletivo feminista de luta inspirado por Gabriela Leite teve como objetivo principal a troca de experiências e atividades relacionadas às diversas formas de violência. Abordando o contexto do trabalho sexual, uma categoria que muitas vezes enfrenta dificuldades para se incluir em outros grupos de mulheres, conseguimos, neste terceiro encontro, compreender a necessidade de incluir as vivências, as questões de participação política e a visibilidade da mulher trabalhadora sexual em nossas pautas. Esse engajamento fortaleceu a nossa luta. Participar do coletivo feminista inspirado por Gabriela Leite é, para nós, mais do que uma questão objetiva; é um esforço para construir, junto à sociedade, a discussão sobre o empoderamento feminino em suas diversas bases e sair do isolamento. É fundamental entender que a mulher precisa romper com o papel de oprimida, falar e ser ouvida com seriedade, não apenas entre pares, mas de forma ampla. Precisamos urgentemente sentar, escutar umas às outras, definir soluções e compreender que as questões que nos envolvem afetam todo o coletivo feminino. A luta feminista, em sua essência, abrange todas as mulheres.”

Quem foi Gabriela Leite?

Morre Gabriela Leite, a criadora da Daspu - Jornal O Globo

A jornada de Gabriela Leite começou na década de 1970 como a de muitos jovens que largam os estudos para trabalhar. A diferença é que ela largou a faculdade de filosofia, na USP, em São Paulo, para se tornar prostituta. O segundo passo decisivo ocorreu em 1987, quando ousou promover o Primeiro Encontro Nacional de Prostitutas e passou a liderar a luta pelo reconhecimento dos direitos das mulheres que exercem a profissão mais antiga do mundo. Cinco anos de ativismo depois, Gabriela criou a Davida, uma das primeiras organizações sociais de apoio às prostitutas, que serviu de modelo país afora. Mas a notoriedade veio em 2005, quando a organização criou a Daspu, uma grife cujo nome irreverente parodiava o de uma marca famosa e gerou uma ameaça de ação judicial. Em 2009, escreveu sua história no livro Filha, mãe, avó e puta, que acabou sendo adaptado para o teatro. Gabriela Leite faleceu em outubro de 2013, vítima de câncer, aos 62 anos, deixando um legado de luta e transformação social.

Redação da Agência Aids com informações

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Coletivo Feminista Gabriela Leite

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