Para o Ministério Público Federal, a crise humanitária dos yanomamis foi potencializada por um esquema que desviou recursos destinados à compra de medicamentos essenciais aos povos indígenas e desabasteceu as unidades de saúde no ano passado.

Uma investigação do MPF em curso em Roraima aponta que o vermífugo albendazol, por exemplo, deixou de ser dado a mais de 60% das crianças do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami.

“Esse remédio é fundamental para qualquer ação de saúde de assistência indígena. Ele é barato, você dá duas vezes por ano e evita que a criança tenha crises graves. Mas das 13 mil, 14 mil crianças que deveriam tomar em 2022, 10.193 não tomaram.” Alisson Marugal, procurador do MPF em Roraima.

A falta não se resume ao vermífugo, mas sim a todo tipo de remédio. “[Esse esquema] gerou um desabastecimento generalizado no território. Estamos falando da Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais). Foi um impacto gigantesco”, afirma.

Um enfermeiro na Casai (Casa de Saúde Indígena), que conversou com o UOL Notícias com a condição de não ser identificado, disse que a falta de medicamentos nos 37 polos base do DSEI foi decisiva para a explosão de desnutrição e verminoses.

“Tinha mãe que trazia em recipientes os vermes que as crianças colocavam pela boca. Eu nunca tinha visto aquilo.” Enfermeiro que atende a população indígena.

Ele confirma que havia uma escassez quase completa de remédios na Casai. “Houve momentos em que não tínhamos nem sequer antitérmicos”, relata.

Para não deixar os indígenas com casos mais graves sem as medicações, ele revela que médicos passaram a dar receita do SUS em nome de funcionários da Casai para que eles buscassem o remédio nos postos de saúde do município de Boa Vista.

O tratamento de verminose é algo imprescindível para os indígenas, diz a médica Iris Campos Lucas, que é professora de gastroenterologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

“O estado de desnutrição favorece a infestação oportunista por parasitas, devido à baixa imunidade dos pacientes desnutridos, provocando casos mais graves do que na população sem desnutrição.” Iris Campos Lucas, médica.

O esquema

A investigação do MPF teve início após denúncias de desabastecimento de remédios feito por líderes indígenas e profissionais de saúde — o procurador Alisson Marugal diz que esteve na Casai em julho do ano passado e verificou a falta de medicamentos.

Em novembro a PF e o MPF realizaram a Operação Yoasi, que resultou no afastamento de agentes públicos e responsabilização de empresários. “Eram nomeações feitas pelo ministro da Saúde para esses órgãos. Políticose indicavam coordenadores de saúde para manipular licitação e execução desses contratos”, diz o procurador Marugal

A reportagem enviou mensagem ao ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, mas não obteve resposta.

Para Marugal, não foram os valores desviados que chamaram a atenção, mas sim os impactos gerados. “Choca a insensibilidade dos autores. Agiram para enriquecer tão pouco e causaram uma crise humanitária dessa proporção.”

“O território yanomami registrou dados ruins na última década, mas que foram piorando desde 2019. Em 2021, alcançou a taxa de mortalidade infantil maior do mundo [133 por 1.000 nascidos vivos].” Alisson Marugal, procurador.

Fonte: UOL/ Carlos Madeiro