O cantor Leandro Buenno, de 27 anos, estava em uma live no Instagram, em maio do ano passado, quando comentou que vive com HIV. “Foi muito espontâneo. Falei normalmente, como sempre fiz com meus amigos”, diz à BBC News Brasil.

Até então, Leandro não havia comentado sobre o vírus nas redes sociais. “Nunca foi algo que escondi. Sempre tratei abertamente com as pessoas ao meu redor. Eu nunca havia falado nas redes porque não tinha pensado, até aquele momento, em tornar isso público. Não costumo divulgar tudo sobre a minha vida”, relata.

No dia seguinte à live, a história de Leandro com o HIV se tornou notícia em diversos sites. Após a repercussão, o artista fez a sua primeira postagem sobre o tema em seu perfil no Instagram.

Depois, ele passou a receber inúmeras mensagens de pessoas que o parabenizaram.

Antes de comentar sobre o assunto nas redes, ele não considerava que seria importante revelar que vive com o vírus. Porém, diz que mudou de opinião após falar abertamente sobre seu caso. “Era mais um assunto pessoal, como outros, que eu não dividia na internet por não achar necessário. Mas agora percebo que posso ter ajudado muita gente e hoje tento contribuir contra o preconceito (relacionado ao vírus)”, declara.

No Brasil há cerca de 920 mil pessoas que vivem com HIV, de acordo com dados de 2019 do Ministério da Saúde — levantamento mais recente sobre o tema.

Por meio de medicamentos antirretrovirais, é possível que as pessoas infectadas consigam viver bem. A ciência tem estudado novas formas de enfrentar o HIV, como por meio de uma vacina que está em sua terceira fase de testes.

Mas apesar dos avanços, um problema perdura ao longo das décadas: o preconceito contra aqueles que vivem com o HIV. Esse ponto é considerado um dos maiores empecilhos para essas pessoas.

“Ainda precisamos vencer muitas barreiras do preconceito contra quem vive com HIV no país”, comenta o infectologista Álvaro Furtado, do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo.

O resultado positivo

Leandro descobriu que vive com o HIV no primeiro trimestre de 2017, durante um teste de rotina em São Paulo (SP), onde mora. “Foi uma notícia chocante, mas em nenhum momento tratei de forma negativa. Não tive uma reação ruim”, diz.

Ele afirma que não sabe exatamente quando contraiu o vírus. “Nunca havia tido nenhum efeito ou alguma reação. Não havia nada que pudesse me fazer pensar que talvez tivesse sido infectado pelo HIV”, comenta.

Hoje, ele frisa a importância de que as pessoas façam o teste periodicamente — especialistas indicam que o exame deve ser feito, ao menos, uma vez por ano.

No mesmo mês em que recebeu o resultado positivo, ele iniciou o tratamento com antirretrovirais para que pudesse ficar com a carga viral indetectável — quando a pessoa deixa de transmitir o vírus. “Não penso que seja preciso entrar em negação após um resultado positivo. Hoje em dia há um tratamento simples para o HIV e a pessoa leva uma vida normal”, declara o cantor.

Desde 1996, o Brasil garante o tratamento universal e gratuito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) a pessoas que vivem com o HIV. Atualmente, 640 mil pessoas recebem medicamentos contra o HIV no país, segundo o Ministério da Saúde.

Especialistas apontam que o tratamento no Brasil é considerado um exemplo para todo o mundo, pois os antirretrovirais são distribuídos pela rede pública e há acompanhamento específico para esses pacientes.

“O Brasil está na vanguarda em relação ao tratamento de HIV”, diz o infectologista Álvaro Furtado. “Mas é preciso testar cada vez mais pessoas. A meta é manter 90% das pessoas com o vírus em tratamento e indetectáveis”, acrescenta o especialista.

Das 920 mil pessoas que vivem com o HIV no país, conforme os dados de 2019, o Ministério da Saúde estima que cerca de 100 mil não foram diagnosticadas. A situação ilustra que muitos não procuram o teste. Especialistas dizem que a pandemia de covid-19 piorou o cenário, pois apontam que o temor de contrair o novo coronavírus em unidades de saúde fez com que a busca por exames de HIV reduzisse.

A falta de um diagnóstico e a ausência do tratamento podem fazer com que o paciente desenvolva a aids, doença causada pelo vírus — somente no ano passado, segundo o Ministério de Saúde, foram registrados 37,3 mil novos casos de aids no país.

Em nota à BBC News Brasil, o Ministério da Saúde afirma que tem assegurado o abastecimento regular de todos os medicamentos antirretrovirais e garantido estoque suficiente para todas as pessoas em tratamento contra o HIV no país. Diante da pandemia, a pasta afirma que alguns pacientes têm recebido medicamentos para 60 ou 90 dias, “reduzindo o retorno dos usuários ao serviço de saúde”.

Para especialistas, o cenário do país em relação ao combate ao HIV nos últimos dois anos é de pouco avanço. “Um dos exemplos é que a gente não progrediu na distribuição da PrEP (sigla para profilaxia pré-exposição, que ajuda a evitar a contaminação pelo HIV e está disponível no SUS desde 2017)”, diz o infectologista Álvaro Furtado.

“O Brasil estacionou no tempo em relação ao combate ao HIV. O país não incorporou novas tecnologias de tratamento e não evoluiu em relação ao que tem aparecido de avanço na estratégia de prevenção ao vírus”, acrescenta o médico.

O preconceito

Logo após o resultado positivo, Leandro afirma que o apoio dos amigos mais próximos foi fundamental.

Ele afirma que não ficou desesperado com o diagnóstico porque tinha amigos que viviam com o vírus e sabia que era possível levar uma vida considerada normal, desde que seguisse o tratamento correto.

A situação mais complicada para ele, após o diagnóstico, foi contar para a família. “Penso que as pessoas mais novas têm mais informações e lidam de forma diferente em relação ao assunto. Já as mais velhas, até como reflexo dos anos 80 (quando os primeiros casos de HIV foram identificados) podem enxergar de forma grotesca”, afirma.

O artista comenta que esperou os exames apontarem que a carga viral dele estava indetectável, após começar o tratamento, para que pudesse contar a notícia à mãe. “Quando soube, ela chorou bastante em um primeiro momento. Pediu que eu não falasse para as minhas tias. Entendo que tudo o que ela fez e faz é para me proteger, por medo de me ver sofrer ou ser alvo de preconceito”, explica.

Com o passar dos anos e mais informada, diz Leandro, a mãe entendeu melhor o tema. “Sempre envio muita informação e conteúdo educativo sobre HIV para ela. Agora ela lida de forma tranquila e fala normalmente. Não tem mais essa coisa de pedir que eu não fale disso com outras pessoas”, comenta.

Leandro afirma que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito em razão do HIV. Porém, essa não é a realidade de muitos que vivem com o vírus.

“É fundamental que as pessoas tenham informação, porque isso empodera muita gente com HIV. Muitas vezes ainda existe uma visão de 40 anos atrás sobre o assunto e isso é muito danoso, porque destrói o emocional de quem tem o vírus”, afirma o infectologista Álvaro Furtado.

“Por exemplo, há pessoas que não se relacionam com quem tem HIV, mesmo com a pessoa tomando os medicamentos e sendo indetectável”, acrescenta o médico.

O especialista ressalta alguns pensamentos equivocados, como o de que o vírus pode ser transmitido no aperto de mão e que somente homens gays são infectados. “Qualquer relação sexual sem preservativo pode transmitir o vírus (seja heterossexual ou homossexual). Muitas mulheres, por exemplo, só descobrem que vivem com o HIV quando estão gestantes e precisam fazer os exames de pré-natal”, relata o infectologista.

Depois de falar sobre o HIV

Na live em que comentou abertamente pela primeira vez sobre o HIV, Leandro falava sobre o casamento com o modelo Rodrigo Malafaia. Eles estão juntos há dois anos e afirmam que o vírus nunca foi um empecilho.

“A gente se conheceu e em duas semanas estava namorando. Contei para ele que vivo com o HIV no dia em que começamos a namorar. Ele teve a melhor reação que poderia ter recebido, porque foi muito compreensivo e deu uma aula de empatia. Além disso, ele contou que teve outros relacionamentos sorodiferentes (quando somente um deles tem o vírus)”, relata Leandro.

O casamento entre os dois foi adiado em razão da pandemia de covid-19. Agora, a previsão é de que aconteça no segundo semestre deste ano. Na live de maio passado, Leandro falava sobre uma iniciativa que decidiu tomar na cerimônia: pediu que os convidados doassem 10 quilos de alimentos a uma instituição que cuida de pessoas com HIV que estão em situação vulnerável.

“Depois que falei sobre essas doações, disse que eu também vivo com o HIV”, relembra o artista.

Hoje ele avalia que foi uma boa escolha ter falado abertamente sobre o tema. Após a repercussão do fato, o cantor passou a comentar sobre o HIV com frequência no Instagram — plataforma na qual tem 312 mil seguidores — e passou a compartilhar algumas informações sobre o tema.

Ele afirma que após assumir publicamente que vive com o vírus descobriu o quanto poderia ajudar outras pessoas. “Percebi que eu realmente precisava dialogar e informar sobre isso”, comenta.”Agora eu acho que deveria ter falado sobre o assunto desde o início. Mas não me cobro, porque foi tudo muito natural e instintivo”, acrescenta.

Após falar sobre o tema, ele passou a receber diversas mensagens nas redes. “Muitas pessoas me parabenizaram e disseram o quanto foi importante (saber da história dele com o vírus) para que pudessem enxergar o diagnóstico de HIV de forma diferente”, diz o cantor.

“Nos relatos que recebo, há muitas pessoas que dizem que vivem com o HIV há anos, mas não contam para ninguém. Há muitas que nunca tiveram coragem de contar para a família ou para amigos. Muitos têm receio de falar sobre isso e serem abandonados pelas pessoas”, relata Leandro.

Sobre comentários negativos, ele relata que não chegou a receber nenhum diretamente. Porém, o cantor leu ofensas em sites que noticiaram o fato de ele viver com o vírus. “São pessoas sem informação ou que querem apenas destilar o ódio. Aprendi a lidar com isso quando participei do The Voice. Isso não me afeta mais”, diz.

Ele acredita que pode ter ajudado a mudar a visão sobre aqueles que vivem com o HIV. “Muitos não conseguem associar alguém com HIV com uma pessoa que pode ter certo sucesso em sua área e ser saudável. Percebi que apenas mostrando quem eu sou, e que a minha vida é saudável, conseguiria dar força e até inspirar outras pessoas”, diz o cantor.

“A minha sorologia não define quem eu sou. Não posso falar que o HIV me tirou alguma coisa. Pelo contrário, me fez ter empatia”, completa.

O artista ressalta que o seu objetivo não é romantizar o vírus nas redes sociais. “Eu friso a importância de se prevenir para não contrair o HIV (por meio de medidas como o uso de preservativo). Porém, não podemos esquecer da população que já testou positivo e pode estar em um momento de escuridão, por causa do preconceito”, declara.

“É possível viver normalmente com o tratamento, mas isso é para o resto da vida. A gente precisa suavizar o impacto do HIV para essas pessoas”, acrescenta.

O cantor, que se tornou conhecido para muitos brasileiros após participar do The Voice Brasil em 2014, afirma que falar abertamente sobre o HIV foi importante até mesmo para a sua carreira artística. “Por exemplo, participei de campanhas de conscientização do HIV. Era um tipo de trabalho que eu nunca havia feito. Além disso, o meu álbum, que estou produzindo, nasceu de uma música que escrevi sobre a minha sorologia”, diz.

Fonte: BBC Brasil