Aconteceu nessa terça-feira (23) o Seminário Estigma e Discriminação promovido pela Coordenação Estadual de IST/Aids com objetivo de discutir os efeitos colaterais do preconceito na saúde das pessoas que vivem com HIV/aids e pensar ações concretas para reduzir a discriminação e o estigma no âmbito da gestão dos serviços especializados. O evento aconteceu em parceria com o Fórum de ONGs Aids de São Paulo, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids – SP e o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas.
O presidente do Fórum de ONGs Aids de São Paulo, Rodrigo Pinheiro, abriu sua fala afirmando que apesar de 40 anos de epidemia de aids, “a gente nunca conseguiu avançar em relação a estigma e preconceito. São necessárias ações concretas. Tivemos ações isoladas, mas sem continuidade de modo que pudéssemos ter aprofundado e gerar impacto contra essas discriminações que a gente vê dentro dos próprios serviços, onde não deveria existir. Criamos um Grupo de Trabalho para discutir políticas de HIV/Aids intersetoriais. Acho que já passou da hora de termos ações concretas com continuidade.”
Cláudia Velasquez, do Progama das Nações Unidas sobre HIV/Aids lembrou os dados da pesquisa Estigma Index e afirmou que “o compartilhamento dessas informações expõe a realidade de discriminação e preconceito experimentada pelas pessoas que vivem com HIV/aids e acreditamos que esses dados são de grande relevância para construção de políticas, ações de advocay e planejamentos na área de edução e saúde.”
Do Departamento de Doenças Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, Gil Casimiro afirmou que o Ministério vem trabalhando, na medida do possível, em articulação com estados falando sobre estigma e preconceito. “Infelizmente a discriminação está onde não deveria, que é nos serviços de saúde, inclusive na atenção primária, que é uma das portas de entrada das pessoas para o serviços de saúde. A gente percebe que não basta ter leis, elas precisam ser aplicadas. Eu diria que temos que trabalhar concomitantemente a todos os outros estigmas, porque as pessoas que vivem com o vírus geralmente já são acometidas de outros estigmas, como o racial, por ser pobre, da periferia, por ser gay. Então já existe essa carga, por isso, os serviços precisam trabalhar essas questões diretamente com as pessoas que atendem o público.”
Por sua vez, Alexandre Gonçalves, diretor do CRT/Aids defendeu que é preciso expandir a discussão e parar de falar “de nós para nós mesmos. Temos subsídios para começar a fazer algo concreto neste momento, assim como dados suficientes para alinhar o que precisa ser feito.”
Boas práticas
José Roberto Pereira, do Projeto Bem Me Quer observou que “quando uma pessoa vivendo com HIV relata uma IST para seu médico, ela sofre ainda mais, porque ela ainda continua sendo uma pessoa com aids e que não deveria ter uma IST. Quando o mesmo atendimento acontece para uma pessoa que faz uso da PrEP ou uma pessoa heterosexual, a abordagem é completamente destituída desse peso moral que recai sobre a pessoa que tem HIV.”
Nesse sentido, Marcos Deorato, da coordenação Municipal de IST/Aids de São Paulo afirmou que o órgão não tem um projeto específico de combate ao Estigma e Discriminação. O que existe “são processos de trabalho que atuam para diminuição significativa do estigma dentro dos espaços de saúde que ofertam serviços de prevenção e assistência às ISTs. Em nossas capacitações buscamos levar atenção ao acolhimento com orientações como ‘não julgar as práticas sexuais, não julgar o número de parceiros sexuais, não deduzir as práticas sexuais e orientação pelo comportamento, vestimentas ou identidade de gênero’.”
Dentre outras práticas apontadas por Marcos, estão:
– Não julgar quando houver reincidência de IST
– Não julgar quando o resultado para HIV for positivo
– Não julgar quando o resultado for negativo e a pessoa tiver práticas sexuais sem preservativo. Nesse caso, o melhor é ouvir, ampliar o conhecimento da pessoa sobre prevenção combinada e se lembrar de que a testagem também faz parte desse conjunto de estratégias.
A mulher com HIV
Do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, Fabiana Oliveira falou sobre o impacto da discriminação em mulheres que vivem com HIV. “Muitas vezes falamos dos bons resultados da resposta biomédica ao HIV, quando tomamos corretamente os medicamentos, por exemplo. No entanto, existem algumas barreiras estruturais que precisam ser rompidas e, como mulher e ativista, preciso reconhecer que antes de falarmos da qualidade de vida e que qualquer mulher pode viver bem com HIV, preciso apontar o estigma e discriminação como barreira para qualidade de vida de mulheres que vivem com o vírus.”
Segundo Fabiana, a vivência da discriminação é sempre muito colocada nos encontros entre mulheres com HIV. “Lutamos pelo direito de ser mulher lésbica, de ser mãe, de ser mulher transexual, lutamos contra a violência, a misoginia e o machismo.”
“O preconceito muitas vezes ocorre de forma sutil. Quando uma mulher chega em um consultório médico com HIV e uma outra IST, é muito claro o estigma pelo olhar do médico. Isso também faz com que certas pessoas esperem mais por atendimento do que outras, como é o caso de mulheres negras. Além disso, nota-se também que há casos em que se revelam diagnóstico sem consentimento, ou ainda quando a mulher é estimulada a fazer esterilização para que não possa engravidar pelo fato de ser HIV positiva. Essas não são apenas atitudes discriminatórias, mas são uma violação dos direitos humanos e é inaceitável.”
Defesa de Direitos
“A gente tem que lembrar que as pessoas com HIV estão buscando o direito à saúde. Somos cidadãos e pagamos impostos, então também temos direito. Além disso, precisamos avançar em alguns gargalos que não foram tratados de forma adequada. Para isso, seria necessário um debate intersetorial que inclui, inclusive, profissionais da educação. A gente sabe, por exemplo, que a maioria da grade curricular do ensino superior não conta com assuntos realicionados a identidade de gênero e vários outros aspectos que precisam ser considerados quando lidamos com saúde sexual e reprodutiva”, disse Ariadne Ribeiro, do Unaids.
“Se essa saúde sexual e reprodutiva estiver sempre pautada dentro dos padrões heternormativos, a gente sempre vai ter dificuldade em entender quais são as relações humanas e a diversidade humana como um todo. No que se refere à aids, o grande gargalo está naquilo que fundamenta as desigualdades, que é gerada pela crença de hegemonia. Ou seja, um grupo de indivíduos que se sentem maiores do que os outros. A gente tem avançado principalmente no que tange o poder judiciário. No entanto, precisamos olhar para onde está a raiz da desigualdade, que faz com que a gente ainda enxergue algumas pessoas como menos valiosas para o cuidado e respeito”, completa.
Marcelo Ximenez Gallego, da Coordenação para Políticas para a Diversidade Sexual da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo alertou para o baixo número de registros de violência e discriminação por conta da sorologia. “O preconceito nasce do desconhecimento. É importante que o agente público saia do seu espaço de conforto e leve conhecimento para disseminar a Zero Discriminação. Das poucas denúncias que recebo, se destacam as relações de trabalho e a redes sociais.”
Ele explicou que no ambiente de trabalho é comum que as pessoas respondam o questionário do plano de saúde onde há um comprimsso de indicar doenças preexistentes. “Temos que sensibilizar as empresas e pessoas que não faz sentido e é crime expor a sorologia da pessoa”, disse ao ressaltar que o baixo índice de denúncias refletem uma subnotificação devido que reforça ainda mais o cico do estigma.
Continuidade nas ações
Ao final do evento, ficou estipulado que os participantes reunirão as ideias captadas durante o debate para dar seguimento e transformá-las em ações efetivas no combate ao estigma e discriminação.
Para acompanhar o evento na íntegra, confira o vídeo abaixo: