O presidente Jair Bolsonaro revogou nessa sexta-feira (5) a homenagem que havia feito a dois pesquisadores brasileiros. Um deles, Marcus Lacerda, fez o primeiro estudo a demonstrar a ineficácia da cloroquina no tratamento contra a Covid-19. A outra, Adele Benzaken, já foi diretora do departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde, mas foi exonerado no início do governo Bolsonaro

Bolsonaro, que é defensor do uso da cloroquina, havia admitido os dois na Ordem Nacional do Mérito Científico em um decreto publicado na quinta-feira. Outras autoridades e pesquisadores também foram homenageados. Além disso, Bolsonaro admitiu a si mesmo como “grão-mestre” da ordem, algo que já está previsto no regulamento da condecoração.

Entretanto, outro decreto, publicado nesta sexta em edição extra do DOU, revogou a homenagem a Lacerda e Benzaken.

A Ordem do Mérito Científico tem como finalidade homenagear personalidades que “se distinguiram por suas relevantes contribuições prestadas à Ciência, à Tecnologia e à Inovação”.

A admissão na ordem é prerrogativa do presidente da República, que avalia nomes apresentados pelo ministro das Relações Exteriores. A indicação precisa ter recebido parecer favorável do Conselho da Ordem — formado pelo chanceler e pelos ministros da Ciência e Tecnologia, da Economia e da Educação.

Podem apresentar sugestões ao chanceler membros do próprio conselho, a Academia Brasileira de Ciências ou “autoridade da área da ciência, tecnologia e inovação”.

Presidente criticou estudo

O médico infectologista Marcus Lacerda Foto: Divulgação

Em março de 2020, no início da pandemia de Covid-19, Lacerda conduziu um estudo clínico que mostrou que as doses de cloroquina que normalmente funcionam em pacientes de malária e lúpus — destinação original do medicamento — não funcionavam para a Covid, e que, sob doses maiores, a cloroquina provocava arritmia cardíaca.

Após a repercussão do estudo, o infectologista passou a sofrer ameaças e teve que andar com seguranças. A pesquisa foi criticada pelo próprio Bolsonaro:

“Espero que a experiência de Manaus, com doses cavalares de hidroxicloroquina, seja completamente desnudada pelos senadores”, disse o presidente em maio deste ano, sugerindo que a recém-instalada CPI da Covid investigasse o assunto.

Ao falar em “doses cavalares”, Bolsonaro referiu-se à crítica de que a pesquisa teria utilizado doses de cloroquina além do nível recomendado, o que teria levado à morte dos pacientes. Entretanto, o estudo, que foi publicado na prestigiada revista científica Journal of the American Medical Association (Jama), mostrou que os que os trabalhos foram interrompidos bem antes da ocorrência dos óbitos.

Exoneração por cartilha

Benzaken, por sua vez, foi exonerada em janeiro de 2019 da diretoria do Departamento de Vigilância Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV), cargo que ela ocupava desde junho de 2016.

Na época, o ministério informou que a saída havia sido um entendimento entre as duas partes. Benzaken, contudo, alegou na época que a demissão foi causada por uma cartilha destinada para homens trans.

“Não foi de comum acordo. Ficou muito claro que a exoneração era por conta da cartilha”, afirmou ela na ocasião.

De acordo com a ex-diretora, houve uma ordem para retirar o documento do ar, que foi cumprida. Entretanto, ela conta ter sofrido uma cobrança, porque ainda era possível encontrar a cartilha na internet, bem como notícias sobre a distribuição do material nos estados.

Fiocruz publica nota em defesa da ciência e de pesquisadores

A Presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem a público manifestar seu apoio aos pesquisadores da Fiocruz Amazônia Marcus Vinícius Lacerda e Adele Schwartz Benzaken, que também ocupa o cargo de diretora da unidade da Fiocruz no estado.

Os pesquisadores foram condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, nesta semana (3), por meio de decreto assinado pelo Governo e publicado no Diário Oficial da União, mas tiveram seus títulos revogados nesta sexta-feira (5).

Os pesquisadores da Fiocruz haviam sido indicados à condecoração por uma comissão técnica, formada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), por suas valiosas contribuições à ciência brasileira. Marcus Lacerda foi um dos responsáveis pela pesquisa no Amazonas que apresentou evidências sobre a não eficácia do uso da cloroquina no tratamento de pacientes graves com Covid-19. A pesquisa contou com mais de 70 pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como Fiocruz, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Universidade do Estado do Amazonas e Universidade de São Paulo.

Antes de ocupar a direção da Fiocruz Amazônia, Adele Benzaken foi, durante cinco anos, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), HIV e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, tendo tido enormes contribuições na formulação de políticas públicas para a área.

A instituição vem atuando em diversas frentes, com destaque para o enfrentamento da pandemia no país, e entende que todos os resultados alcançados até esse momento são fruto do incansável trabalho de seus pesquisadores na busca de evidências científicas e respostas e soluções aos problemas de saúde pública que o Brasil enfrenta.

A Fundação apoia incondicionalmente a ciência e seu corpo de pesquisadores e reafirma seu compromisso com a missão de produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a promoção da saúde e da qualidade de vida da população brasileira.

Redação da Agência Aids com informações do jornal O Globo e da Fiocruz