A Advocacia-Geral da União (AGU) anunciou recentemente a desistência do último recurso relacionado ao caso das aposentadorias por invalidez de pessoas vivendo com HIV/aids, encerrando uma batalha judicial que se arrastava desde o pente-fino do INSS em 2017-2018. A decisão assegura que os benefícios dessas pessoas sejam restabelecidos sem risco de futuras suspensões.

Entenda o caso

Entre 2017 e 2018, pente-fino estabelecido pelo INSS resultou na suspensão de milhares de aposentadorias por invalidez, incluindo de pessoas vivendo com HIV/aids. Apesar de reconhecer pessoas com doenças consideradas incapacitantes, muitas dessas pessoas foram consideradas aptas para retornar ao mercado de trabalho. A ação gerou grande revolta e impacto social, mobilizando um grupo de advogados e ativistas.

A comunidade vivendo com HIV/aids impactada pelo ocorrido, pode recorrer à justiça com base na lei Renato da Mata. A Lei Renato da Mata, proposta para alterar a Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991, acrescenta um parágrafo ao art. 60 desta lei. A modificação dispensa pessoas vivendo com HIV/aids de passarem por perícias periódicas para manter benefícios como o auxílio-doença. No entanto, recursos apresentados pelo INSS ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) mantinham o futuro dessas aposentadorias ainda incerto. Com a recente desistência dos últimos recursos, o processo judicial agora transita em julgado, permitindo o cumprimento de sentença.

A Agência Aids, que vem acompanhando e noticiando o caso desde os seus primeiros desdobramentos, conversou novamente com envolvidos no processo, além de ouvir pessoas vivendo com HIV afetadas pela decisão.

A Advogada Patrícia Diez Rios, do Rio de Janeiro, faz parte da ação judicial que atua em prol das pessoas vivendo com HIV. Em entrevista, a advogada reforçou que, após uma representação e uma ação civil pública que teve sucesso na primeira instância, em segunda instância foi obtido um acórdão favorável com uma liminar, determinando o imediato restabelecimento de todas as aposentadorias cessadas devido à operação Pente Fino do INSS, realizada em 2017 e 2018. A liminar beneficiou os segurados que estivessem recebendo as mensalidades de recuperação desde a publicação da lei Renato da Mata, em junho de 2019. 

‘‘Essas mensalidades de recuperação são aquelas que o segurado recebe durante um período de 18 meses, sendo seis meses com o valor integral, seis meses com metade do valor e seis meses com um quarto do valor’’, destacou. 

Em todo o país foram restabelecidas 5.343 aposentadorias, mas algumas pessoas ficaram de fora. Patrícia afirmou que demandas nesse sentido estão aparecendo, e comentou: ‘‘O INSS, claro que insatisfeito, recorreu com recurso especial ao STJ e recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. Nós havíamos entendido, inclusive o gabinete da doutora Ana Paula lá da Procuradoria do Rio Grande do Sul, que o STF indeferiu esse recurso extraordinário e que, portanto, seguia o recurso especial no STJ. Foi feito um acordo, o Renato propôs, junto com o Dr. Estefanoto, uma desistência, em razão inclusive da legitimidade do direito que amparava o restabelecimento e o INSS desistiu do recurso Nós aguardávamos há alguns meses a certidão do trânsito em julgado para dar início aos cumprimentos de sentença, que significa as pessoas receberem os atrasados, apresentar as contas do período que eles ficaram sem o benefício e restabelecer aqueles que por algum motivo não foram restabelecidos’’.

No entanto, de acordo com a advogada, com a publicação do acordo, o próprio gabinete cientificou de que havia uma pendência de um julgamento no STF e o recurso, portanto, seria reenviado ao STF, distribuído ao ministro André Mendonça. ‘‘Neste momento nós tivemos uma reunião em Brasília, e o Renato da Mata conseguiu agendar uma reunião com o doutor Stefanotto, onde, após uma nova conversa, manifestou que iria desistir do recurso. E, de fato, agora, recebemos uma cópia da petição de desistência do INSS. O que nós aguardaremos nesse exato momento é o trânsito em julgado, a certidão do trânsito em julgado, ou seja, não caberá mais recurso, e aí poderemos dar início aos cumprimentos de sentença”, esclareceu.

O advogado Cláudio Pereira, em São Paulo, também comemorou o desfecho do caso. Segundo ele, “o impacto principal é que as pessoas que tiveram seus benefícios cortados e com a ação judicial da ACP, que é ação civil pública do Rio Grande do Sul, retornaram a receber seus benefícios, não correm mais o risco de ter esses benefícios cancelados. Acreditamos que a desistência já protocolada vai ser aceita pelo Supremo e, portanto, a ação civil pública vai transitar em julgado. Sendo dessa maneira, o principal resultado para as pessoas vivendo com HIV é que elas não correrão mais risco de perder a sua aposentadoria por invalidez.”

Já Renato da Mata destacou sua articulação com os advogados, que foi essencial para o sucesso no processo. “Haviam dois recursos ainda. Aquele primeiro que foi noticiado, e restou esse recurso extraordinário que ninguém tinha se atentado que ainda existia. Então, como da primeira vez, articulei uma reunião com o doutor Alessandro Stefanuto e na mesma hora, ele e a sua equipe nos falaram que iam desistir desse recurso extraordinário, que poderia ter sido até a falha deles que passou isso e nossa também porque nós só vimos isso depois da primeira reunião que eu tive lá com eles em Porto Alegre, onde fui mediador do Ministério Público. Agora é só aguardar o trânsito em julgado, para ver como vai ser feito a devolução dos retroativos das pessoas que foram beneficiadas por essa ação do Ministério Público, que tiveram seus benefícios reativados, via uma antecipação de tutela.”

Para Renato da Mata, essa é uma grande vitória e finalmente encerra um ciclo. ‘‘As pessoas ficarem na corda bamba, porque a qualquer momento poderia essa antecipação de tutela ser caçada, mas enfim, esse fantasma já foi afastado.”

O que dizem os afetados pelo pente-fino 

Ackerman, que vive com HIV há 34 anos, foi uma das pessoas impactadas pelo Pente Fino do INSS. Para a Agência Aids, ele relatou o sofrimento durante todo o processo que culminou na perda de seu benefício. Bastante emocionado, fez questão de destacar o quanto a aposentadoria foi essencial para seu dia a dia. “Eu sou aproximadamente há 34 anos, sou pessoa vivendo com HIV e já adoeci de aids. Tenho hoje 58 anos, moro na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. A minha história com aposentadoria começou quando eu trabalhava como inspetor em uma seguradora e, em 2004, até 2005, tive que fazer um tratamento porque não sabiam exatamente o que estava acontecendo. Comecei a ter problemas nas pernas, não conseguia articulá-las corretamente. Depois, foi constatado que era um problema neurológico decorrente de sequelas que afetavam o sistema nervoso central. Em junho de 2005, até março de 2008, eu fiquei com auxílio-doença. De março de 2008, minha aposentadoria por invalidez permanente foi convertida e durou até o momento do Pente Fino, que ocorreu em agosto de 2018. Durante esse período, entre auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, fiquei afastado do trabalho por cerca de 13 anos.”

Ele continuou: “Fui convocado pelo INSS em agosto de 2018 e levei toda a documentação pertinente, incluindo laudos médicos, exames e comprovante da medicação que eu usava. No momento da perícia, a qual apresentei todos os documentos, a perícia durou poucos minutos. Eu fui à perícia acreditando que não iriam cortar minha aposentadoria, pois eu sabia sobre o acordo feito por Renato da Mata com o INSS para que as pessoas com HIV/aids não tivessem seus benefícios suspensos. Mas, infelizmente, o acordo não foi respeitado e cortaram minha aposentadoria no mesmo dia.”

‘‘Esse foi o período mais complicado da minha vida, mais até do que quando descobri que tinha HIV. Quando eu descobri, o médico disse que eu teria no máximo um ano e meio, dois, mas estou aqui, vivo e bem. Porém, após a perícia, quando cortaram minha aposentadoria, entrei com processo judicial e solicitei o restabelecimento, mas nada aconteceu. Fui sobrevivendo com a mensalidade de recuperação até fevereiro de 2020, mas sabia que o prazo para resolução era longo. No entanto, os únicos com quem eu podia contar e vi que estavam lutando por essa causa eram o Renato da Mata e um deputado do Rio Grande do Sul”, finalizou.

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

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