A Agência de Notícias da Aids ouviu os ativistas para o balanço do ano de 2020. Dentre as conquistas apontadas, eles elegeram o fato de o movimento ter continuado atuante na luta contra aids e de os serviços de tratamento e prevenção continuarem funcionando mesmo no contexto da pandemia. No entanto, os profissionais apontaram também a dificuldade em se obter avanços sociais e o retrocesso em políticas sociais, principalmente no âmbito do governo federal.  Confira os depoimentos:

 

Moysés Toniolo, Rede Nacional das Pessoas Vivendo com HIV (RNP+): “Mesmo com grandes dificuldades para nos adaptarmos às mudanças impostas por mais numa epidemia rápida e mortal em nossas vidas, o Movimento Aids conseguiu se manter atuante e ativo neste ano que passou… Mas nossas fragilidades ficaram expostas – a lógica do “cada um por si”, em momentos de gravidade, não foi superada por alguns espaços e trabalhar na coletividade foi extremamente difícil, pois rompeu-se a tradição dos encontros presenciais para resolver as coisas. Tivemos dificuldades ao final do ano para manter as condições de universalidade e integralidade na assistência às pessoas vivendo com HIV eaAids, com hepatites virais e tuberculose no Brasil, conforme nos mostraram dados do Levantamento Nacional sobre Impacto da Epidemia de Covid-19 sobre os Serviços de HIV/Aids e Tuberculose no Brasil, apontando que a nossa política ainda não conseguiu avançar em tecnologia da informação e comunicação dos Serviços com os usuários, e certamente virão repercussões negativas disto num futuro bem próximo. Também vimos as dificuldades da gestão em manter serviços e ações básicas e rotineiras, já instituídas há bastante tempo, como os exames de genotipagem, e ainda tivemos casos pontuais de falhas na logística de antirretrovirais, exatamente num momento onde poderíamos ter aproveitado a chance pra evoluir em organização e logística entre os níveis federal, estadual e municipal. Precisamos analisar criteriosamente como este governo, desde 2019, nos afetou no diálogo social necessário pra uma prática de gestão participativa plena e saudável, a exemplo do decreto 9.759/2019, que extinguiu, mudou ou reduziu diversos espaços colegiados nacionais participativos para a construção das políticas. Neste movimento antidemocrático, perdemos tanto a CNAIDS – Comissão Nacional de IST e AIDS/Hepatites Virais, o CAMS – Comitê de Articulação com os Movimentos Sociais de Aids, Hepatites e LGBTQI+. Com isto, o diálogo social necessário tanto para assessorar o Ministro da Saúde sobre a Política de Aids, quanto o espaço de interlocução com os movimentos sociais se perderam, e foram reduzidos ainda mais a relações pontuais com representantes, e mais pela via virtual – impessoal e fria, que mais dispersa do que unifica bandeiras e lutas em prol dos direitos humanos. O balanço que faço é de um ano onde lutamos como nunca para mater as coisas funcionando, diante de uma maré que se arrasta para destruir políticas públicas e direitos, relegados agora a “condições de mercado” que poderiam ser reduzidos ou ofertados como “produtos”, e denotam redução do estado de direito, frente a jogos e barganhas de poder de interesses pouco transparentes.”

 

Jenice Pizão, Movimento Latino-americano e do Caribe de Mulheres Positivas: “Começamos o ano com questões pontuais como o desabastecimento de antirretrovirais em alguns locais do país. Porém, quando explodiram as notícias da Covid-19, percebemos que traria consequências sérias para as PVHA. Ficou claro a necessidade de estarmos unidos, de termos uma fala comum dentro do movimento de AIDS com objetivo de atender as demandas já existentes como o desemprego, a falta de mecanismos de apoio social, além de questões específicas de saúde diante de um SUS desvalido. O despreparo da Atenção Básica e dos serviços especializados que, se antes dessa pandemia já tinham suas agendas e exames atrasados, com alguns antirretrovirais disponibilizados de forma fracionada, com a pandemia, esses problemas vieram à luz de forma cruel, juntamente com o “medo” que o coronavírus trouxe para todas as pessoas que vivem com HIV. Com a pressão do Movimento social, o Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) enviou uma portaria para que os antirretrovirais fossem disponibilizados para um prazo maior, o que foi bem vindo, porém em alguns locais funcionou bem, em outros, nem tanto. O Projeto Voluntariado pelas Américas, uma inciativa do Movimento Nacional das Cidadãs Positivas e do Movimento Lationo Americano e do Carie de Mulheres Positivas, de abril até setembro, acolheu diversas demandas de PVHA, tentando minimizar as consequências dessa pandemia na assistência de medicamentos, alimentar e psicológica, numa parceria com movimento de AIDS, gestores e outros atores. Enfim, de alguma forma, o movimento de AIDS, saiu um pouco mais fortalecido e maduro.”

 

Fabiana Oliveira, Movimento Nacional das Cidadãs Positivas: “Definitivamente o ano de 2020 não foi nada fácil, entre retrocessos em direitos humanos e uma pandemia que marca a história da humanidade, como a Covid-19, o cenário no movimento de aids tem sido bem ruim. Com a interrupção ou redução da assistência e prevenção, muitas pessoas que vivem com HIV/aids e àquelas que buscam por PrEP e PEP foram afetadas com os serviços fechados. Se já estávamos vivendo um processo de desmonte nas políticas públicas para o HIV/AIDS, haja visto o rebaixamento do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, do HIV /Aids e Hepatites Virais para coordenação dentro de outro Departamento, agora chamado Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, este ano os golpes sofridos têm sido significativos devido o conservadorismo governamental colocando em risco uma resposta efetiva ao HIV/aids e reforçando o estigma e preconceito, com o fundamentalismo religioso prevalecendo em detrimento da ciência, sem contar a invisibilidade da aids e das populações mais vulneráveis. Acredito que para o movimento aids esse foi um ano bem cansativo, foi preciso nos adequarmos às novas tecnologias e manter as ações de incidência e advocacy, foram inúmeras lives, webnars, reuniões, enfim, trabalhamos e ainda estamos atuando para que as pessoas que vivem com HIV/aids tenham atendimento digno, para que as políticas públicas conquistadas, custando vidas de ativistas que não mediram esforços, sejam mantidas.”

 

Maria Eduarda Aguiar, presidente do Pela Vidda-RJ e coordenadora no núcleo TransVida: “2020 foi um ano muito difícil tendo o Grupo Pela Vidda através dos seus projetos (Testagem e Transvida) atuado arduamente no apoio assistencial, com testagem, prevenção para covid 19, entrega de cestas básicas e atendimento multidisciplinar a população LGBT bem como oficinas de direito e cidadania e promoção de empregabilidade. Nosso atendimento contou com educadores de pares, advogada, assistente social e psicóloga. Fizemos também parcerias com prefeitura do Rio de Janeiro, CPA 4 – hotel LGBT e projetos de empregalidade como Projeto Aurora e Capacitrans. Diante do quadro de Covid-19 tivemos nosso trabalho dobrado, não conseguimos fazer tudo que queríamos, mas fizemos nosso melhor e conseguimos atender em parte as necessidades primordiais das pessoas LGBTs.”

 

Alisson Barreto, Grupo de Incentivo à Vida: “O ano de 2020 foi muito difícil, tivemos muitas perdas em questões de diretos das pessoas com HIV/aids, diante do atual governo. Tivemos o presidente falando que somos despesas, isso mostra como o governo vê a questão de políticas públicas. Depois veio a pandemia de Covid-19 que mostrou a desigualdade social que existe em nosso país e as pessoas vivendo com HIV/aids sofreram bastante com isso. Tivemos que nos adaptar para continuar lutando pelos direitos das pessoas. O GIV, por exemplo, continuou o trabalho de atendimento às pessoas virtualmente por redes sociais e as continuamos com as reuniões também online. Também tivemos problemas de distribuição de testes de carga viral no nordeste. Nem todos os serviços seguiram a orientação do Ministério da Saúde para distribuição de medicamentos para 3 meses. Em vários lugares do Brasil, as ONGs e redes conseguiram recursos para ajudar as pessoas com HIV/aids com cestas básica e kits de higiene pessoal. Em pleno dezembro, o mês de luta contra a aids. O Departamento informou que não teremos teste de genotipagem que é super importante para os pacientes de HIV e Hepatite C. Foi um ano em que a pandemia de Covid-19 foi usada como desculpa pelos governo para não cumprir muitas coisas e isso será percebido no próximo ano de 2021.”

 

Edna Kahhale, psicóloga professora de PUC-SP: “O ano de 2020 foi muito difícil para as pessoas em geral e mais ainda para quem vive com HIV. O movimento social ficou prejudicado por conta da alteração da estrutura do Ministério da Saúde , as ISTs e o Hiv/aids passaram para o Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis e também tivemos de passar pela pandemia da Covid-19. O isolamento e as medidas sanitárias de atendimento às pessoas com sintomas de Covid restringiu muito o atendimento e as possibilidades de prevenção às pessoas que vivem com HIV. Foram prejuízos em várias esferas: na busca ativa para fortalecer adesão, exames de controle. As várias restrições do isolamento gerou, na grande maioria das pessoas, um sofrimento psíquico crônico: desânimo, depressão, desorganização da vida cotidiana. Também tivemos cortes de verbas que sustentavam um trabalho de qualidade de várias ONGs e outros setores da sociedade. Foi muito ruim mesmo!”

 

 

Drew Persi, artista, ativista e youtuber: “O ano de 2020 pra mim foi dúbio, uma mistura de sentimentos com grandes vitórias ao mesmo tempo em que o mundo se acabava lá fora! Para o movimento aids, eu vi coisas muito positivas acontecendo, como a pesquisa do Dr. Ricardo Dias, como os avanços nos testes e recrutamento de voluntários para a vacina da PrEP. Tivemos, mesmo de forma online, a segunda edição do + Arte – Aids e foi sensacional participar. E o Dezembro vermelho, devido ao crescidas lives, pude estar em muitos lugares que talvez jamais estaria falando de forma presencial! Pra mim, de forma geral, tivemos um saldo mais positivo do que negativo!”

 

Eduardo Barbosa, Grupo Pela Vidda – SP:  “2020 foi marcado pelas turbulências da Covid-19 , que de forma direta afetaram as ações das ONG Aids pelo recuo nas atividades e um sentimento de impotência . Para as PVHA o impacto foi grande , nas consultas , exames, terapias e retirada de medicações . Muitos ficaram com receio de ir em busca de apoio e de concretizar suas retiradas de medicação no tempo certo. O apoio psicossocial também ficou prejudicado. No Grupo Pela Vidda/SP tivemos que nos reinventar pra não deixar de oferecer estes apoios que foram de distribuição de Kits deprevenção, alimentos e itens de higiene, entrega das medicações, apoio psicológico e em rodas de conversa virtuais. Mas sabemos que ficamos aquém do que podíamos. Para a aids, tivemos também perdas como no caso dos exames de Genotipagem que foram suspensos , agora no final do ano , mais um golpe, a privatização de parte dos serviços do Emílio Ribas. A luta deixou a desejar pois ainda nas mídias sociais somos pouco eficazes. Sobrevivemos.”

 

Marco Aurélio Tavares, conselheiro gestor do Centro de Treinamento e Referência DST/Aids – SP: “O retrocesso foi absurdo. Esse governo está realmente desmontando todos os avanços sociais que tinhamos nesse país e em 2021 é lutar contra eles. Tirar todos esses políticos. Como já preconizo há mais de 20 anos, nós não precisamos de políticos para nos representar. Hoje, a gente pode fazer tudo pela internet, pelas pessoas participando com uma certificação do CPF, onde ninguém vai mexer no provedor. Ter político é coisa de um planeta que já era. Aliás, nosso planeta já está indo. Então, minhas perspectivas não são nada boas, a não ser que a gente lute muito. Aprendemos que tudo o que era supérfluo ficou pra trás. E aquilo que não se manteve, não precisava estar aí mesmo. Agora, o que é preciso acontecer e não aconteceu é a gente defender todos os nossos avanços em todas as áreas.”

Ricardo Vasconcelos, infectologista: “A gente conseguiu fazer um trabalho bom, comparado com outros países, no sentido de não interromper o tratamento antirretroviral durante a pandemia. A gente conseguiu garantir que o que já funcionava continuasse funcionando. No entanto, eu acho que em termos de avanços e de ampliação do acesso à testagem e à prevenção, nominadamente a PEP e a PrEP, a gente teve uma realidade muito heterogênea no Brasil, como sempre – e isso é ruim. Porque assim os benefícios desses avanços são para alguns e não para todos.”

 

Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs Aids de São Paulo: “Enquanto movimento, nós vimos uma atuação para aprovação de um Projeto de Lei para licenciamento compulsório, que foi um trabalho que durou o ano todo e isso foi muito importante para nós porque o objetivo nosso é ampliar o acesso ao tratamento. Com o licenciamento a gente cria oportunidades para termos o medicamento genérico, para termos capacidade de produção nacional. É um projeto difícil de se discutir porque o lobby da indústria farmacêutica é muito forte no Congresso Nacional. Em São Paulo atuamos fortemente pelo não fechamento da Fundação Para Remédio Popular (FURP), que tem um papel importante tanto na fabricação quanto na distribuição de medicamentos no estado de São Paulo. Também colocamos em discussão na Assembleia Legislativa de São Paulo, um Projeto de Lei que trata da educação sexual nas escolas e dar a oportunidade aos jovens do estado entenderem as formas de prevenção para ter menos casos de ISTs. Conseguimos aprovar um PL na Câmara dos Deputados, que amplia o direito ao sigilo sorológico. Ou seja, tivemos bastante ganhos. No entanto, algumas regiões do país não trabalharam de forma coletiva. Foi um ano de grandes aprendizados para nós equanto movimento social.”

 

 

Dica de entrevista

Rede Nacional de Pessoas com HIV/Aids (RNP+)

E-mail: comunica@rnpvha.org.br

Movimento Nacional das Cidadãs Positivas

Site: www.mncp.org.br

Fórum de ONGs Aids de São Paulo

Telefone: (11) 3334-0704

Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP

Telefone: (11) 5087-9911
 
Grupo Pela Vidda – RJ
Telefone:  (21) 2518-3993 
 
Grupo Pela Vidda – SP
Telefone: (11) 3259-2149
 
 
Ricardo Vasconcelos
E-mail: Rico.vasconcelos@usp.br
 
Drew Persi
E-mail: contatoentreato@gmail.com

Redação da Agência de Notícias da Aids