Criada em 01 de dezembro de 2011, a Portaria 2.836 garante a promoção da saúde integral da comunidade LGBTQIAP+, além da eliminação do preconceito institucional, contribuindo para a redução da desigualdade. Neste contexto, é também a chance para que o Sistema Único de Saúde, o SUS, seja fortalecido enquanto um sistema universal, integral e equitativo, isto é, justo, de saúde.

É garantido na Constituição de 1988 que é compromisso e responsabilidade do Estado o bem-estar da população. Na prática, comprova-se que falta acesso, preparo e assistência para pessoas da comunidade LGBTQIAP+ quando o assunto é saúde e bem-estar.

Em diálogos como este é comum que sejam apresentados dados que auxiliem na compreensão e dimensão das situações, por exemplo: o número de pessoas que se identificam como LGBTQIAP+ no país e, dentro desse grupo, quais são os principais obstáculos quando se trata de acesso à saúde pública.

Saúde integrada para quem?

Já revelando a discrepância do país em relação ao tema, a primeira pesquisa realizada pelo IBGE sobre a orientação sexual da população maior de idade aconteceu em 2019. A partir dali, sabemos que 2,9 milhões de pessoas, maiores de 19 anos, se autodeclaram LGBTQIAP+ no Brasil. A história tem sido desenhada e marcada por pequenos avanços, a partir de uma luta iniciada nos anos 1970, que se mantém atualmente e se concretiza a partir de ações como a Política Nacional de Saúde LGBTQIAP+.

No Brasil de 1970, surge o marco gerado pela atuação e pressão feitas pelo Movimento da Reforma Sanitária. O movimento teve como principal objetivo a busca pela democratização do acesso à saúde e a construção de um sistema público de qualidade. Inspirado por movimentos similares em outros países, como o Sistema Nacional de Saúde britânico, o movimento da Reforma Sanitária brasileira defendia a saúde como direito de todos e uma responsabilidade do Estado. Hoje temos o SUS.

A saúde integrada considera que o bem-estar físico, mental e social estão interligados e devem ser abordados de maneira interdisciplinar e abrangente. O sistema atua para romper com a divisão dos cuidados de saúde, integrando ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação. Exemplos atuais disso são as campanhas de vacinação e prevenção de HIV/AIDS, a distribuição gratuita de medicamentos e a prevenção de doenças endêmicas, como a febre amarela.

Com o passar dos anos, as políticas públicas do SUS foram evoluindo, na tentativa de atender às necessidades de toda a população. Marca registrada na lembrança de boa parte da população, a Política Nacional de Saúde da Mulher, que conscientiza e gera atenção para a realização de exames preventivos contra o câncer de mama e de colo de útero, explica isso depois de ter sido criada em 2004.

Políticas públicas que se destacam nos últimos 12 anos

A mestre em Saúde Pública Luana Araújo, afirma que a prática da Política Nacional de Saúde LGBTQIAP+ depende de “múltiplas ferramentas que fomentem o respeito aos direitos humanos, a educação em saúde sexual e de gênero, o treinamento dos profissionais de saúde para lidar com respeito e acolhimento às questões do grupo.”

A especialista em doenças infecciosas pela UFRJ considera que ainda falta muito para que a premissa da política de saúde seja cumprida, mas destaca mudanças significativas e que impactam a vida da comunidade LGBTQIAP+ do país.

A inclusão do nome social de travestis e transexuais no Cartão SUS e na Caderneta da Pessoa idosa, implementada em 2018, assim como da orientação sexual e da identidade de gênero nos cadastros da atenção básica e na ficha de notificação de violência do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), segundo ela, permite um diagnóstico mais preciso das necessidades da população.

O destaque também vai para o desenvolvimento de programas de capacitação dos profissionais de saúde nas questões LGBTQIAP+ e a criação e implementação de diretrizes e protocolos clínicos para o atendimento adequado. “Promove o respeito e a adequação às necessidades específicas deste grupo”, comenta a médica.

Programas de prevenção e acesso à informação

Nos anos 1970 e 1980, a falta de informação e o preconceito marcaram um período em que o HIV era visto como um problema enfrentado somente por homossexuais ativos sexualmente. Segundo a Agência Senado, a discussão passou por dois anos como tema principal da assembleia constituinte e era vista por deputados e senadores como a “peste do século”.

No período em que a homossexualidade ainda era chamada de homossexualismo, com sufixo “ismo” que indicava doença, a interpertação da população, assim como os cuidados médicos, em muitos casos, eram marcados por preconceito, enquanto o HIV era posto como sentença de morte.

Com acesso à informação, organização da comunidade e representatividade de políticos que passaram a acolher as pautas trazidas pela população LGBT, em 2004 foi criada a campanha “Brasil sem Homofobia”, promovendo a cidadania da população. No mesmo contexto, 10 anos depois, foi aprovada a lei que considera crime a discriminação de pessoas com HIV em diferentes espaços, sobretudo no local de trabalho e nos serviços de saúde.

Desde 2017, o diálogo sobre a prevenção e o tratamento do HIV ganhou mais espaço no SUS, principalmente pela distribuição gratuita das profilaxias pré e pós-exposição. A PEP, profilaxia pós exposição, é indicada quando uma pessoa é exposta ao vírus HIV, seja por descuido, violência sexual ou por acidente com material biológico. Já a PREP, profilaxia pré-exposição, é novidade para saúde pública e existe há cerca de 10 anos como um protocolo clínico no país.

A mudança no discurso e na compreensão da doença também é da promoção de saúde e a prevenção de doenças através da realização de campanhas específicas de conscientização e prevenção de infecções sexualmente transmissíveis nesta população, resultado da Política Nacional de Saúde LGBTQIAP+

Futuro e inspirações

A médica Luana Araújo considera que, apesar dos pequenos, mas significativos avanços, o país ainda precisa progredir em temáticas sensíveis, entre eles é possível pontuar o cuidado com a saúde mental e consideração do contexto em que cada indivíduo está inserido, ponto que também influi na saúde.

A ampliação do acesso aos serviços de saúde, considerando o local onde as pessoas vivem, falta de infraestrutura, renda e fatores sociais que também afetam a saúde, como violência, falta de emprego e educação. Na mesma linha, a médica explica que é importante investir na abordagem integrada e holística do paciente, com atenção e cuidado especialmente com quem está em transição de gênero.

“É preciso destacar que há um caminho muito longo na implementação destas políticas, o que requer um esforço dedicado no diagnóstico dinâmico, na adequação das políticas, na implementação e, principalmente, na monitorização dos programas criados”, explica a especialista.

De olho em outros países na América Latina, é possível absorver aprendizados e expandir horizontes na elaboração e prática de ações afirmativas e políticas públicas para a comunidade LGBTQIAP+.

“Argentina e México são países que se destacam na implementação de políticas e programas para melhorar a saúde da população LGBTQIAP+. Estas vão desde a Lei de Identidade de Gênero, pioneiramente adotada pela Argentina em 2012, garantindo este como um direito legal, até a criação de centros específicos de cuidado da saúde destas pessoas, além de medidas para combater a discriminação e o estigma”, exemplifica Araújo.

Por fim, fica também a pendência para o combate à discriminação e marginalização, que ainda são fatores estruturais e institucionais, tanto no sistema público quanto no privado. O preparo de profissionais da saúde e o estímulo à reflexão sobre o tema com a sociedade civil são ações possíveis.

Fonte: Portal Terra