A Polícia Federal afirmou ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, nessa quarta-feira (17), que há indícios de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) cometeu crime na transmissão ao vivo em que fez uma falsa associação entre a vacinação contra a Covid-19 e o risco de se contrair o vírus da aids.
Na mesma live, o presidente desestimulou o uso de máscaras, o que a PF vê como possibilidade de incitação ao crime, infração que tem pena de três a seis meses ou multa. Para o órgão, houve ainda a contravenção de “provocar alarme, anunciando desastre ou perigo inexistente”.
Além do presidente, a PF também cita Mauro Cid, ajudante de ordens do presidente, que teria produzido o texto com informações inverídicas usado por Bolsonaro na transmissão em que fez as declarações a respeito do tema.
Segundo relatório da PF no inquérito sobre o caso, assinado pela delegada Lorena Lima Nascimento, Bolsonaro disseminou as informações falsas em uma live de maneira voluntária e consciente. A PF solicitou ao STF que possa tomar o depoimento de Bolsonaro no inquérito em formato presencial ou por escrito, a depender da decisão de Moraes.
Ativistas ouvidos pela Agência Aids disseram que esperam que a Polícia Federal consiga prosseguir com o processo. Eles consideram que uma autoridade pública não pode em nenhuma circunstância divulgar o negacionismo e o obscurantismo com informações mentirosas e preconceituosas. Relacionar a vacina da covid à aids trouxe mais estigma, preconceito e discriminação para as pessoas com HIV/aids. Confira a seguir:
Márcia Leão, do Fórum de ONGs/Aids do Rio Grande do Sul: “Espero que a PF consiga tomar o depoimento do Presidente e dar prosseguimento ao processo. Entendo que a conduta do presidente foi criminosa propagando, intencionalmente, notícias falsas. Precisamos de ações que barrem as fake news e isso inclui as diversas que o presidente e sua assessoria divulgam. Para além disso, tem ainda todos os problemas ocasionados com a falsa notícia. Ao associar a Covid-19 ao HIV, em uma fala eivada de preconceito, o presidente criou a brecha para que pessoas não tomassem a vacina, além de estigmatizar mais ainda a aids, com todo o tom negativo que sua fala apresentou. A live do Presidente foi mais um desserviço, desse que já vem cometendo tantos, principalmente no tocante a pandemia da Covid-19.”
Dr. Fábio Mesquita, epidemiologista e ex-diretor do antigo Departamento de Aids do Ministério da Saúde: “Será um ótimo exemplo se este inquérito progredir. Uma autoridade pública não pode em nenhuma circunstância divulgar o negacionismo e o obscurantismo com informações mentirosas e preconceituosas. Ele sempre foi contra a vacina de Covid (e agora começou a atacar a vacina de varíola do macaco), mas como presidente não poderia nunca negar a ciência, ou inventar associações inexistentes. Como disse o Ministro Alexandre de Moraes em sua posse no TSE: ‘liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceituosos, ou divulgação de notícias falsas ou fraudulentas’. Exatamente o que ele fez nesta fala absurda.”
Evalcilene dos Santos, do Movimento Nacional de Mulheres Vivendo com HIV/Aids em Manaus: “Penso que o presidente deve sim responder criminalmente não só por esta mentira, mas também por muitas outras que ajudaram a retirar várias vidas. A vacina da Covid veio para ajudar e salvar muitas vidas. Ao relacionar a vacina à aids prejudicou muito as pessoas. O presidente já falou muitas mentiras que prejudicaram as pessoas. Não podemos permitir que ele siga mentindo porque as mentiras que ele diz fazem com que as pessoas não se cuidem e tenta retirar a propriedade da ciência. Apenas respondendo criminalmente ele vai parar de falar e espalhar mentiras. Nós, pessoas vivendo com HIV e aids fomos atacadas e desrespeitadas por este presidente. Relacionar a vacina da Covid à Aids traz mais estigma, mais preconceito, mais discriminação. Mais um crime contra a vida e a população brasileira que não precisa mais de tantos criminosos que estão no poder.”
Eduardo Barbosa, coordenador do Movimento Paulistano de Luta Contra Aids (Mopaids): A Delegada Lorena Lima da PF, traz uma dose de esperança para que possamos combater a mentira e disseminação da desinformação e do ódio. Espero que forças ocultas não interfiram para evitar o indiciamento e punição. O presidente é criminoso por usar de sua representação para atingir e prejudicar milhares de pessoas. A marca deste desgoverno será a manutenção do poder pela “ideologia do ódio”. Este é um passo importante, que já poderia ter ocorrido se tantos não se mantivessem no silêncio que também mata.”
Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs/Aids de São Paulo: “A Polícia Federal encaminhou esta denúncia para o Supremo Tribunal Federal que é a instância aonde o presidente poderá ser convocado para ser interrogado nesta questão. Este fato mostra que no Brasil o combate à fake news e principalmente relacionado a uma patologia que sofre tanto estigma e discriminação tem impacto e não pode ficar sem uma punição. Vejo com bons olhos que isso não tenha parado e vamos acompanhar os desdobramentos.”
Marta McBritton, presidente do Instituto Cultural Barong: “É fundamental a sociedade civil apoiar a delegada Lorena Lima na continuidade das investigações e pressionar o STF para autorizar o depoimento do presidente, combater fake news é um ato de cidadania. No caso especifico desta (fake) news promovida por uma autoridade é ainda mais importante. Neste sentido, uma punição exemplar servirá de alerta para que ‘formadores de opinião’ busquem fontes seguras antes de postarem falas inconsequentes, que por vezes podem ter consequências até fatais.”
Beto de Jesus, diretor da AHF Brasil: “Nesses últimos quatro anos o Brasil tem vivido um pesadelo em várias áreas, mas o que aconteceu na área da saúde é algo inadmissível. Nós tivemos uma gestão extremamente desastrada na condução da covid, com 680 mil mortes que poderiam ter sido evitadas se o Ministério da Saúde e a Presidência da República tivessem tomado as medidas necessárias. É muito triste ver um mandatário como o presidente Jair Bolsonaro demonstrado e destilando a sua ignorância, essa ignorância gera sofrimento para as pessoas. Ao fazer a comparação da vacina com a questão do HIV/aids, isso gera muito preconceito para as pessoas que vivem com HIV/aids e gera também muita insegurança e muita incerteza para as pessoas que não quererem se vacinar. Uma crise de saúde pública como a que a gente está vivendo, porque continuamos tendo mais de 200 pessoas mortas por dia, e parece que isso foi naturalizado, é totalmente inadmissível. Um presidente tem que se colocar no seu lugar, um presidente precisa ter musculatura e ter retidão nas coisas que fala, precisa ser compromissado, comprometido. É inadmissível o que ele fez e deve ser responsabilizado por isso.”
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Redação da Agência de Notícias da Aids
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