Munique foi palco da 25ª Conferência Internacional de Aids, o maior evento global dedicado ao debate sobre HIV/aids. Organizada pela Sociedade Internacional de Aids, a conferência ocorreu entre os dias 20 e 26 de julho, reunindo especialistas, ativistas, ONGs e representantes governamentais de diversas partes do mundo. O objetivo foi discutir os avanços científicos, as políticas públicas, os desafios sociais e as estratégias de prevenção e tratamento do HIV.

Em entrevista à Agência Aids, ativistas e pesquisadores compartilharam suas experiências em participar de um evento dessa magnitude. Entre os principais temas abordados, destacaram as discussões sobre a PrEP injetável, enfatizando a importância de políticas públicas que levem em consideração questões raciais, de gênero e sexuais para garantir o acesso aos métodos preventivos. Além disso, a conferência marcou 40 anos de mobilização comunitária contra o HIV, destacando o papel fundamental das comunidades na formulação de respostas eficazes e adaptadas às realidades locais. Confira a seguir:

Thales Afonso dos Santos Corsino, estudante de Graduação em Psicologia da Universidade de São Paulo

“Antes de elencar os pontos discutidos que vejo como mais importantes na Conferência Internacional de Aids 2024, considero relevante ressaltar que essa foi minha primeira experiência em uma conferência internacional. Dessa forma, todos os aprendizados, percepções e sentimentos foram atravessados por encanto, principalmente pela grandiosidade e pela relevância do evento. Como um jovem pesquisador – negro e gay -, as temáticas me perpassaram de forma que ultrapassaram as pesquisas e foram corporificadas nos espaços de convivência, circulação e apresentação da conferência.
Dito isso, destaco os estudos acerca da PrEP injetável, para além de seu desenvolvimento e de sua implementação. Foram de grande relevância as discussões acerca dos fatores que afetam não só a disseminação do método preventivo, mas também a transmissão de HIV, nos acessos à sua prevenção e ao seu tratamento. Nesse sentido, foram apresentados trabalhos atentos às implicações estruturais de raça e de identidades sexuais e de gênero na escolha e no acesso ao método. Pesquisas que traçam semelhanças e ao mesmo tempo abrem discussão para as políticas públicas elaboradas no território brasileiro, com o objetivo de simplificar e descentralizar a PrEP. Além disso, as ações da Global Village mostraram a importância da escuta das vozes das pessoas, aquelas que compreendem suas realidades e suas demandas, em ruptura com o lugar colonial de “objetos de pesquisa”. Um traço dialógico do conhecimento ganha rosto ao poder ouvir, por exemplo, as histórias de pessoas vivendo com HIV advindas de diferentes países, e consequentemente as estratégias desenvolvidas perante às violências vivenciadas. Esse ponto de destaque também pôde ser acompanhado nas sessões da pré-conferência, em que diferentes organizações sociais lideradas por populações-chave reivindicaram o reconhecimento de suas contribuições na luta diária. Nessa linha, compreende-se que as histórias ali narradas traçam caminhos de superação ao estigma e à discriminação, de modo que direitos sexuais e ao prazer sejam garantidos a tais populações, principalmente rumo à abolição de leis discriminatórias em diferentes nacionalidades. Ainda nesse caminho, destaco a significante comemoração dos 40 anos da ação da comunidade frente à epidemia de Aids. Entre sessões, palestras e mobilizações, a mensagem difundida foi a de que as respostas não estão (somente) em produções científicas, mas principalmente na comunidade, de forma contextualizada às suas especificidades. As pessoas integrantes de movimentos há quatro décadas, como arquivos vivos de memória, narraram os enfrentamento às desigualdades políticas e às vulnerabilidades, traçando diálogos com as novas gerações em luta. A linha condutora desse diálogo pode ser sintetizada pela máxima evocada durante o evento: “communities are experts” (comunidades são especialistas).”

Mariana Iacono, da The International Community of Women Living with HIV (ICW)

“Me parece que o ponto central da Conferência foi toda a discussão sobre Cabotegravir e os tratamentos de ação prolongada em termos médicos e científicos. Penso que um tema muito importante seja a continuidade da luta do movimento, que, apesar dos cortes radicais de financiamentos, as organizações continuam dando respostas. A participação e vinda das pessoas para a conferência custou muito trabalho e empenho, sendo possível com pouquíssimos recursos.”

Ana Kolling, enfermeira e PhD em Saúde Coletiva

Profilfoto von Ana Kolling, PhD

“Eu achei muito bacana ver várias discussões sobre a liderança das comunidades na resposta à epidemia de HIV/aids e como esse protagonismo tem sido fundamental em vários países. Pude ouvir experiências maravilhosas sobre a geração de dados, monitoramento e avaliação liderados pelas comunidades. Sem dúvida, esse é um ponto importante, e desejo que em breve o Brasil possa estar caminhando nessa direção também. Outro ponto relevante foi a discussão sobre a integração de serviços de HIV, IST e hepatites virais como uma ferramenta que potencializa a ampliação do acesso ao cuidado de forma geral, pensando em ações de promoção à saúde, prevenção, diagnóstico e tratamento dessas doenças. Tive o prazer de falar sobre a experiência do Brasil e de como nosso Sistema Único de Saúde, universal e gratuito, do qual tanto nos orgulhamos, tem um papel importante em todas as conquistas do Brasil até aqui. Pude enfatizar a importância dos serviços de atenção primária como porta de entrada desse sistema e como responsáveis por coordenar o itinerário terapêutico dos usuários dentro da rede de atenção à saúde, considerando sempre as necessidades e demandas de cada sujeito.”

Vinicius Francisco, coordenador de Comunicação e Educação Comunitária do CRT, Casa da Pesquisa

“Trazendo uma perspectiva da Educação Comunitária, a 25ª Conferência de Aids, realizada em Munique, Alemanha, destacou-se como um marco para a troca de experiências globais no combate à epidemia de HIV. O Núcleo de Educação Comunitária atua como uma ponte entre as políticas de saúde e as realidades vividas pelas comunidades. Representantes de diversas partes do mundo discutiram o acesso a medicamentos, vacinas e novas tecnologias de prevenção e tratamento do HIV. As práticas de educação e conscientização são adaptadas localmente para atender às necessidades específicas de pessoas que vivem com HIV, daqueles que utilizam a profilaxia pré-exposição (PrEP) e de populações vulneráveis, como a comunidade LGBT+. As discussões ressaltaram a importância de programas que não apenas informam, mas também capacitam essas comunidades a gerirem suas próprias experiências com a saúde, garantindo uma abordagem mais humanizada e eficaz. Como coordenador de comunicação e educação comunitária, destaco os pontos altos do congresso sob a perspectiva comunitária: o excelente resultado do estudo Purpose 1 com o Lenacapavir, que apresentou 100% de prevenção ao HIV em mulheres cis; os estudos com doxyPREP e doxyPEP para prevenção de clamídia, sífilis e gonorreia; e as plenárias e discussões no Global Village sobre I = I (Indetectável = Intransmissível). Destacar a importância de conceitos como I = I é fundamental no processo de conscientização. Esse conhecimento não apenas empodera os jovens, mas também os transforma em agentes de mudança dentro de suas próprias comunidades. Quando bem informados sobre as diferentes formas de prevenção e tratamento, eles se tornam disseminadores dessas informações, contribuindo para a diminuição do estigma e para a promoção de uma abordagem mais eficaz e inclusiva na luta contra o HIV. Também levantamos no Global Village a questão da vacina de mpox, que ainda não está disponível em grande escala no Brasil. Outro ponto alto foi a exposição de pôsteres, onde diferentes países compartilharam seus trabalhos de prevenção, tratamento e redução de danos. Países da Europa, América Latina e África apresentaram seus modelos de intervenção junto à população LGBT+, mostrando como as estratégias de redução de danos têm sido moldadas por contextos socioculturais e legislativos distintos. Essas trocas revelaram que, apesar das diferenças regionais, há um consenso crescente sobre a necessidade de políticas inclusivas e baseadas em evidências que respeitem a diversidade e as especificidades de cada comunidade. Pela primeira vez, o Núcleo de Educação Comunitária da Casa da Pesquisa do CRT teve a honra de ter um pôster aprovado para exibição na Conferência IAS. Esse reconhecimento internacional ressalta a relevância do trabalho desenvolvido no Brasil, especialmente no que diz respeito à educação, retenção e conscientização sobre o HIV.”

Redação da Agência de Notícias da Aids 

* A Agência de Notícias da Aids cobriu esta edição da Conferência com o apoio do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) do Ministério da Saúde e da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo. Os portais de notícias IG, Catraca Livre e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) também receberão informações sobre o evento.

Dicas de entrevista

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