A Conferência Internacional de Aids, que ocorre em Munique, Alemanha, começou nesta segunda-feira (22) com um minuto de silêncio em homenagem aos profissionais de saúde, trabalhadores e voluntários na área humanitária. A ação anunciava um dos principais temas de discussão da noite, ecoando o slogan do evento: colocar as pessoas em primeiro lugar.
Nesse contexto, a diretora executiva do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids(Unaids), Winnie Byanyima, reivindicou a liberação da patente de uma injeção que previne o HIV para países de baixa e média renda. “A farmacêutica Gilead chama a injeção de Lenacapavir. Eu a chamo de uma ferramenta milagrosa de prevenção ao HIV”. Segundo a diretora da Unaids, estudos indicam que fabricantes genéricos poderiam reduzir o preço do Lenacapavir para menos de $100 por ano em países em desenvolvimento, em contraste com os mais de $40.000 nos Estados Unidos.
Com aplicação semestral, o medicamento injetável mostrou 100% de eficácia na prevenção ao HIV em mulheres cisgênero na África do Sul e Uganda. Estudos em andamento avaliam a eficácia do Lenacapavir em outras populações. “Permitam que essa injeção milagrosa se torne disponível em toda a África, Ásia e América Latina. Permitam que essa injeção alcance as mulheres que conheci nas favelas do Brasil, os homens gays que conheci na Jamaica, os civis da guerra na Ucrânia. Que isso aconteça agora!” reivindicou Winnie.
Ativistas exigem inclusão de todas as pessoas
O ativista transexual de direitos humanos Jay Mulucha, da Uganda, avaliou que os homens trans foram deixados para trás na resposta global ao HIV. “Se o tema da Conferência é colocar as pessoas em primeiro lugar, precisamos pensar em todas as pessoas, não apenas algumas”, enfatizou.
“Em Uganda, quando procuramos serviços de HIV como homens trans, somos discriminados e enfrentamos profissionais de saúde transfóbicos”, relatou o ativista. “A realidade é que muitos homens trans, não só em Uganda, mas em toda a África e no mundo, enfrentam homofobia e transfobia, além de serem vítimas de estupro corretivo”. O termo “estupro corretivo” baseia-se na falsa noção de “corrigir” aspectos relacionados a gênero ou orientação sexual diferentes da heteronormativa por meio da violência. Outro fator que aumenta as inequidades de saúde na população trans em Uganda foi a aprovação da Lei Anti-Homossexualidade, em março de 2023. A lei criminaliza a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo com penas que podem chegar à prisão perpétua ou à pena de morte.
Jay Mulucha explicou que a Lei impacta negativamente o enfrentamento do HIV. “Somos os primeiros da comunidade LGBTI, pois somos os membros mais visíveis, então sentimos o impacto”. A lei também prejudicou os serviços da ONG que o ativista dirige, a Femme Alliance Uganda, uma organização comunitária que fornece serviços de apoio a pessoas trans e de gênero diverso. “Recentemente, fomos despejados do prédio onde oferecíamos abrigo para pessoas trans sem-teto. Em seguida, transferimos o abrigo para o nosso escritório. Infelizmente, também fomos despejados de lá.”. Essa foi a primeira vez que um homem trans discursou na abertura da Conferência, em toda a história do evento, que está na 25ª edição.
A luta por direitos trans ganhou voz nas falas de várias pessoas que discursaram na abertura, e também em um protesto que clamava “Direitos Trans Agora!”. De acordo com os participantes do protesto, restrições legais e ataques aos direitos humanos perpetuados por movimentos anti-gênero estão causando medo e incerteza global, colocando vidas em risco. “Estamos aqui para resistir”.
Em um outro contexto de ativismo, o Diretor Executivo da Aliança para a Saúde Pública na Ucrânia, Andriy Klepikov, afirmou que a invasão da Rússia desencadeou uma guerra contra a saúde pública. “Vimos isso se manifestar na criminalização das populações-chave, no encarceramento de pessoas que precisam de cuidados, na estigmatização e, muitas vezes, na brutalização da comunidade LGBTQI e das populações-chave.”
Mais financiamento e menos desinformação
A importância do financiamento de políticas e ações de combate ao HIV também foi enfatizada em vários momentos. O chanceler alemão Olaf Scholz, por exemplo, defendeu que a Organização Mundial da Saúde (OMS) precisa de mais apoio. “A OMS é a corrente que mantém unidos os diferentes promotores da saúde global em busca por financiamento, na coordenação, padronização e trabalho no terreno.” Olaf também destacou alguns dos investimentos da Alemanha para enfrentar o HIV. “Como um dos maiores doadores, a Alemanha contribui com 1,3 bilhões de euros para o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária neste verão. Isso é importante porque os programas patrocinados pelo Fundo Global já salvaram 59 milhões de vidas.” Ele avaliou que crises, guerras, desastres naturais e pandemias têm impactos na saúde, especialmente entre os mais pobres e discriminados. “Isso precisa mudar. Precisamos investir mais em pesquisa, melhorar a prevenção, proporcionar e expandir testes”.
A relevância de informações corretas e os perigos da desinformação também foram destacados durante a abertura da Conferência. “Quando a ciência se torna uma questão de opinião que pode ser desconsiderada, ou se não está alinhada com a política pessoal de alguém, e quando fatos alternativos moldam o debate, as pessoas e a saúde sofrem”, declarou a Presidente da Sociedade Internacional de Aids (IAS), Sharon Lewin. “Todos nós vivenciamos isso na covid e nos primeiros dias do HIV, e agora estamos vendo isso ressurgir em muitas regiões do mundo, incluindo na Europa. A desinformação não pode ter esse papel.”
Fabio Serrato
De Munique, especial para a Agência de Notícias da Aids
* A Agência de Notícias da Aids está cobrindo esta edição da Conferência com o apoio do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) do Ministério da Saúde e da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo. Os portais de notícias IG, Catraca Livre e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) também receberão informações sobre o evento.
Fotos: Oliver Kornblihtt/Mídia NINJA