A Profilaxia Pré-Exposição ao HIV, conhecida como PrEP, é considerada uma das principais tecnologias atuais na prevenção ao vírus da aids. PrEP consiste no uso de medicamentos orais (o meio mais comum) ou outras tecnologias, como anéis vaginais e injetáveis. Na Conferência Aids 2024, que está sendo realizada em Munique até o dia 26, líderes globais, profissionais de saúde, ativistas e gestores têm discutido e apresentado formas inovadoras de ofertar PrEP para que o método de prevenção se torne cada vez mais acessível e custo-efetivo.

De acordo com orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a PrEP deve ter as populações mais vulneráveis ao HIV como principal foco. A incidência de HIV em nível populacional é um determinante importante de vulnerabilidade ao vírus. Ao mesmo tempo, a OMS enfatiza que outros fatores devem ser considerados. Isso porque, mesmo em locais com baixa incidência geral de HIV, pode haver indivíduos em maior vulnerabilidade ao vírus que se beneficiariam da PrEP. Ainda de acordo com a OMS, as pessoas que procuram pela PrEP devem ter prioridade para recebê-la, pois a solicitação indica que provavelmente há maior vulnerabilidade ao HIV.

No documento “profilaxia pré-exposição diferenciada e simplificada para a prevenção do HIV”, a OMS encoraja o desenvolvimento de estratégias que sejam centradas nas pessoas e nas comunidades, adaptando os serviços às necessidades dos que poderiam se beneficiar da PrEP. De acordo com o documento, essas características tendem a tornar os serviços de PrEP mais acessíveis, facilitando a adesão e o custo-efetividade.

Experiencias práticas

Durante a Conferência, seja por meio de apresentações em mesas de debates ou pôsteres, algumas estratégias inovadoras de oferta da PrEP foram apresentadas. Na cidade de São Paulo, uma iniciativa inédita na saúde pública brasileira permite que as pessoas que estejam interessadas em PrEP passem por uma teleconsulta e recebam um QR Code para retirar gratuitamente a PrEP. A retirada do medicamento pode ser em máquinas dispensadoras localizadas em duas estações de metrô ou em unidades de saúde, algumas delas abertas 24 horas.

“Essas estratégias estão sempre localizadas em locais de grande circulação, por exemplo, estações de metrô. Às vezes a pessoa está dentro do metrô, acessa o aplicativo, tem a consulta dentro de alguns minutos, e desce na estação para pegar o medicamento”, explicou a coordenadora de IST/Aids da cidade de São Paulo, Cristina Abbate. O serviço SPrEP foi desenvolvido com base na alta incidência de HIV entre jovens de 15 a 19 anos da cidade de São Paulo que são homens que fazem sexo com homens. “Os jovens estão num mundo mais digital, eles têm uma necessidade de informação mais rápida e de atendimento. Eles gostam muito dessas opções. A gente vem desenvolvendo ações com PrEP desde 2018, e a gente teve uma redução de 49% de novas infecções entre jovens,” explicou Cristina.

Nas Filipinas, um serviço online também está facilitando o acesso à PrEP entre os mais vulneráveis ao HIV. De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC), as Filipinas estão enfrentando a epidemia de HIV de crescimento mais rápido na região do Pacífico Ocidental. Houve um aumento de 411% na incidência diária de HIV entre 2012 e 2023. O país também está entre os que possuem as taxas mais altas de tuberculose (TB), a principal causa de morte entre pessoas vivendo com HIV .

“Muitas vezes os horários de serviços de saúde não são compatíveis com pessoas que trabalham ou estudam. Ainda, filipinos evitam usar esses serviços porque o país é extremamente conservador,” explicou o Líder de Programas e Inovações da LoveYourself, Danvic Rosadiño. A LoveYourself é uma comunidade de voluntários que oferece testes gratuitos de HIV, aconselhamento, tratamento e prevenção ao vírus.

Com a popularidade no uso de Facebook e outras mídias sociais, a LoveYourself criou uma estratégia que articula pedido online de autoteste de HIV com um programa de autoavaliação para PrEP. “O programa utiliza um algoritmo desmedicalizado para autoavaliação da elegibilidade para PrEP. Os interessados recebem kits de autoteste e PrEP em endereços escolhidos, com acompanhamento e aconselhamento por voluntários da comunidade”, explicou. O endereço de entrega escolhido pode ser em casa ou em um dos nossos parceiros logísticos nas Filipinas, que são cerca de 100 parceiros no país.

Caminho inverso: expandindo acesso presencial

Estudos na área de geografia da saúde ressaltam a importância de considerar diferentes aspectos das interações das pessoas com serviços de saúde. Por exemplo, linguagem, arte, comunicação, religião, economia e estruturas governamentais. A complexidade desses fatores não isenta que, em países de alta renda, desigualdades no acesso à PrEP existam.

Na Inglaterra, o relatório “Não PrEParado: barreiras no acesso aos medicamentos de prevenção ao HIV na Inglaterra” foi desenvolvido com base em pesquisas com usuários de PrEP e aqueles que desejavam usar o medicamento; médicos envolvidos na administração da PrEP; e provedores de saúde sexual. Entre os 1.120 entrevistados, tanto para usuários de PrEP quanto para potenciais usuários, houve dificuldades de acesso. O principal desafio foi marcar consultas através dos sistemas disponíveis (online, telefone e e-mail). Um estudo de caso reproduzido no relatório destacou a dificuldade de um migrante masculino em navegar pelo sistema devido a barreiras linguísticas. Na área onde esse migrante vivia, a clínica sexual não oferecia consultas sem agendamento, e ele não conseguiu usar os sistemas de agendamento online. Uma vez que os respondentes da comunidade conseguiram navegar pelo sistema de agendamento, a próxima dificuldade foi encontrar horários disponíveis, resultando, para a maioria, em uma lista de espera de três meses. Há alguns meses, uma clínica de saúde sexual localizada no Soho, uma área diversificada com bares e forte presença da comunidade LGBTI+, passou a oferecer PrEP sem necessidade de agendamento, para a consulta inicial.

Em entrevista para a Agência Aids, a diretora executiva do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), Winnie Byanyima, afirmou que a liberação de patente da lenacapavir, injeção de prevenção de longa duração, pode contribuir para equidade na oferta da PrEP. “Devemos fazer com que as pessoas migrem para a melhor opção, todas ao mesmo tempo. Não algumas primeiro e outras esperem 10 anos antes que se torne disponível.”

Fabio Serrato

De Munique, especial para a Agência de Notícias da Aids

* A Agência de Notícias da Aids está cobrindo esta edição da Conferência com o apoio do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) do Ministério da Saúde e da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo. Os portais de notícias IG, Catraca Livre e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) também receberão informações sobre o evento.