Dulce Ferraz, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) participou do debate.

Durante a Conferência Internacional de Aids, realizada em Munique, especialistas em diferentes áreas relacionadas à prevenção do HIV discutiram estratégias para acelerar a oferta e o acesso a diversas opções biomédicas de prevenção para os públicos vulneráveis. Entre os principais pontos abordados estavam a necessidade de mudanças em ensaios clínicos e pesquisas, além da expansão de ações inovadoras nas comunidades para oferecer os serviços de prevenção.”Estamos entrando em uma nova fase em termos de prevenção”, afirmou Peter Piot, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. A afirmação de Peter se deve ao aumento das opções biomédicas de prevenção ao HIV.

A mais recente novidade foi anunciada há poucos dias, durante a Conferência Aids 2024. Os resultados finais do estudo PURPOSE 1 confirmaram 100% de eficácia de uma injeção semestral (Lenacapavir), administrada em mulheres cis. Estudos em outras populações já estão em andamento. Outro antirretroviral injetável, o Cabotegravir de uso prolongado (CAB-LA), administrado bimestralmente, já foi aprovado em alguns países.

Nos últimos anos, antirretrovirais orais também foram aprovados para prevenção, seja para serem iniciados antes de situações de possíveis vulnerabilidades ao HIV (Profilaxia Pré-Exposição, PrEP) ou após uma situação de maior risco (Profilaxia Pós-Exposição, PEP).

O desafio, contudo, é garantir que as tecnologias de prevenção cheguem a todos, especialmente aos mais vulneráveis ao vírus. Elizabeth Irungu, da J-PIEGO, uma organização no Quênia focada em saúde reprodutiva, destacou a inequidade no acesso à PrEP. Regiões como Ásia e Pacífico, Europa Oriental e Ásia Central, juntas, contribuem com cerca de 35% das novas infecções por HIV, mas o acesso à PrEP é muito restrito, representando menos de 5% do uso global.

Globalmente, apenas 6,7 milhões de pessoas iniciaram PrEP. “Deveríamos estar envergonhados com esse número”, disse Elizabeth. Para ela, é improvável que alcancemos a meta do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) de 10 milhões de usuários da PrEP até 2025.

Com um tom de urgência, os participantes da mesa apresentaram ideias e propostas para reduzir a distância entre as tecnologias disponíveis e as pessoas que mais precisam delas.

Desenvolvimento de vacinas e ensaios clínicos

A duração e o formato dos ensaios clínicos foram pontos críticos nas discussões. Devin Sok, da Global Health Investment Corporation, uma organização não governamental dos EUA que investe em inovações em saúde global, explicou que nos últimos 10 anos houve a descoberta de novos conceitos de vacinas que agora estão sendo testados em ensaios clínicos em humanos. “O pipeline de ensaios é bastante robusto e há muitas promessas”, afirmou.

No entanto, Sok defendeu o encurtamento dos processos de pesquisas e ensaios clínicos. “Precisamos acelerar o cronograma desde a demonstração de um conceito até o desenvolvimento do produto e sua disponibilidade para uso”, disse ele. Para Sok, os ensaios clínicos podem ser realizados simultaneamente, com análises rápidas dos resultados para informar as próximas etapas.

Ele avalia que, para essa aceleração ocorrer, seriam necessárias pelo menos duas mudanças: a disponibilização de recursos de inteligência artificial e treinamentos para cientistas ao redor do mundo, não apenas em países de alta renda, e parcerias mais estreitas com comunidades e ativistas.

Comunidades no centro

Dulce Ferraz, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), destacou a importância de pesquisas onde as comunidades desempenhem um papel central em todos os estágios, indo além da simples participação. “As comunidades têm muito conhecimento. Podemos estar perdendo a oportunidade de aprender com as pessoas como desenvolver os serviços de PrEP”, afirmou.

Segundo Dulce, ao co-desenvolver modelos de pesquisa e prestação de serviços com as comunidades, aumentam-se as chances de encontrar soluções criativas e mais adequadas para os potenciais usuários.

Dos laboratórios para os usuários

Na visão dos participantes do debate, para que as tecnologias de prevenção cheguem de fato aos mais vulneráveis, é preciso desbloquear entraves internacionais e de mercado que atrasam ou impedem a compra de medicamentos. “Uma consulta global é necessária para superar as limitações impostas hoje pelas empresas farmacêuticas ao acesso à PrEP”, defendeu Dulce, referindo-se ao alto preço da CAB LA para países de alta e média renda.

Em julho de 2022, a fabricante ViiV Healthcare anunciou uma licença voluntária com o Medicines Patent Pool, permitindo que 90 países comprem versões genéricas do medicamento. A licença cobre países de baixa renda, países de renda média-baixa e toda a África (exceto a Líbia). Porém, exclui países de renda média-alta fora da África, como Brasil, Tailândia, México e Colômbia. “Precisamos garantir que os governos e as organizações internacionais continuem a ter a vontade política e implementem os mecanismos de governança para mudar essa situação”.

Uma vez que os países tenham os medicamentos, são necessárias ações descentralizadas para oferta local, de acordo com os debatedores. Esse argumento segue as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de simplificação de acesso à PrEP. Elizabeth citou exemplos de simplificação de acesso à PrEP na África do Sul e no Brasil. Na África do Sul, serviços de PrEP foram levados à comunidade em clínicas móveis, em residências dos chefes das aldeias e em farmácias comunitárias. No Brasil, a cidade de São Paulo oferece consulta de telessaúde e retirada de PrEP em estações de metrô.

Fabio Serrato

De Munique, especial para a Agência de Notícias da Aids

* A Agência de Notícias da Aids cobriu esta edição da Conferência com o apoio do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) do Ministério da Saúde e da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo. Os portais de notícias IG, Catraca Livre e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) também receberão informações sobre o evento.