A 25ª Conferência Internacional de Aids (Aids 2024) terminou no último dia 26, em Munique, mas os debates ao longo do evento continuam repercutindo no Brasil e no mundo. Esta edição foi marcada por discussões científicas, inovações comunitárias e ativismo vibrante, com destaque para as manifestações sobre a importância do acesso aos mais recentes avanços na resposta ao HIV.

O programa contou com mais de 40 sessões de resumos orais, 50 sessões de palestrantes convidados, 20 workshops, 17 pré-conferências, 30 sessões de simpósios, 100 sessões satélites e 2.200 pôsteres. Houve também momentos de celebração, como a comemoração dos 20 anos do Global Village.  Em entrevista à Agência Aids, especialistas que participaram do evento destacam os principais pontos da Conferência.

Na avaliação da sanitarista Adele Benzaken, diretora médica do Programa Global da AHF, a Aids 2024 foi extremamente importante desde a pré-conferência, com abordagem de alguns tópicos, principalmente relacionados às ISTs. “A discussão sobre a doxipep teve prós e contras ao longo do evento. Do ponto de vista técnico, não houve muitas novidades. Para mim, a importância fundamental do Congresso foi a questão política, muito bem delineada pela Winnie Byanyima, diretora executiva do Unaids. Sua fala realmente norteou o evento e, para mim, foi o ponto alto do Congresso, pois pela primeira vez vi uma proximidade e harmonia entre ONGs, pessoas vivendo com HIV e organizações da ONU no combate à exploração da indústria farmacêutica em relação aos custos dos novos medicamentos.”

A médica afirma que “o desenvolvimento de medicamentos tem um custo alto para a indústria. No entanto, acredito que o fim da aids se dará com a redução da transmissibilidade. Essa redução é possível com uma injeção a cada seis meses, e deveria haver algum tipo de mecanismo entre os órgãos internacionais e a indústria para que esse tipo de medicamento fosse rapidamente colocado no mercado e incorporado como política pública a um preço acessível. Não estamos falando de preços gratuitos, mas de preços negociáveis e acessíveis.”

 Defesa da saúde

A especialista destaca ainda que o evento foi coroado com a presença de Beatriz Grinsztejn assumindo a presidência do IAS. “Vi muito mais um marco político e de defesa da saúde pública, especialmente no que se refere ao acesso, do que inovações científicas. Quero registrar uma impressão pessoal: gosto muito do IAS porque oferece a oportunidade de reencontrar pessoas do governo, de ONGs, com quem já trabalhei anteriormente. Para mim, foi um reencontro muito agradável. Algumas dessas pessoas, mesmo aposentadas, continuam participando do Congresso.”

Sobre a AHF, dra. Adele fala de duas iniciativas: a redução do preço do Lenacapavir e a retomada da discussão sobre o uso do preservativo. “Embora não tenhamos conseguido ficar no backstage devido à solicitação da organização, tivemos um press release com falas importantes dos profissionais da AHF. A analogia com a campanha “Just use it” foi muito interessante, criativa, e os pins distribuídos foram um sucesso. A retomada do preservativo como forma de prevenção do HIV, outras ISTs e gravidez indesejada ainda é um grande mote a ser explorado. Vi falas interessantes sobre isso, com pessoas reforçando a prioridade do preservativo.”

A inteligência artificial na medicina, segundo a médica, também merece um olhar especial. “Ricardo Batista, de Portugal, foi muito feliz em sua plenária, mas ainda temos um longo caminho a percorrer no uso da inteligência artificial em prescrições médicas. Algumas apresentações mostraram que ainda há muitos erros, especialmente na leitura de imagens para diagnóstico. Teremos que trabalhar muito para aprimorar isso.”

Comunicação e pauta ambientais no debate sobre aids

Do Instituto Multiverso, a jornalista Fabiana Mesquita, fala sobre a importância da cobertura brasileira nessa conferência. “A Agência Aids e o Instituto Multiverso fizeram um trabalho seríssimo, e a parceria com a Mídia Ninja, através do canal Planeta Foda, foi a cereja do bolo. Finalmente, conteúdo especializado e de qualidade furou a bolha e alcançou o grande público. E haja conteúdo!”

Um outro destaque, segundo a ativista, foi o foco na inclusão de pautas ambientais, como mudanças climáticas, gestão de resíduos e redução de emissões de carbono, mostrando que práticas sustentáveis são essenciais para a saúde pública. “A participação dos povos originários também foi incrível. Representantes de várias regiões, como Noruega, Canadá, Ásia e América Latina, criaram uma rede indígena mundial e expressaram preocupação sobre sua exclusão das metas 95-95-95, enfatizando a necessidade de estratégias mais inclusivas. Houve também um aumento significativo na participação feminina. Havia uma representação potente de mulheres lésbicas, profissionais do sexo, trans e não-binárias, que eu creditaria a uma gestão mais feminista, tanto no Unaids quanto na IAS. Aliás, um viva para a diretora executiva do Unaids Global, Winnie Byanyima, que corajosamente “enquadrou” os representantes da indústria farmacêutica. Vivi pra ver. Valeu!”

Populações-chave

O infectologista Valdez Madruga, da Casa da Pesquisa no Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo, considera que a Aids 2024 “foi uma conferência muito política, com inúmeras discussões sobre acesso e a necessidade de não deixar ninguém para trás. Houve uma ênfase especial na necessidade de cuidar das crianças e das populações mais vulneráveis, além da descriminalização da homossexualidade em países onde ainda é crime ser homossexual.”

Do ponto de vista médico, o maior destaque, segundo o especialista, foi a apresentação do estudo Purpose 1, que mostrou que o Lenacapavir, inibidor de capsídeo em injeções subcutâneas a cada 6 meses, foi 100% eficaz para prevenir a infecção pelo HIV em mulheres na África. “O estudo de PrEP com cabotegravir em mulheres grávidas também foi muito positivo, mostrando que o cabotegravir é seguro durante a gestação. Foram apresentados vários estudos com dolutegravir, reforçando que é um medicamento seguro e eficaz, tanto para início de tratamento quanto para casos de falha. O estudo D2EFT, com 96 semanas de dados, confirmou que a combinação de dolutegravir com darunavir/ritonavir é uma excelente opção para tratar a falha de primeira linha com não nucleosídeos.”

“Além disso, mais dados do estudo REPRIEVE mostraram a importância do uso de estatinas em pessoas vivendo com HIV/aids para diminuir o risco de doenças cardiovasculares, e que o uso de abacavir aumenta o risco dessas doenças, independentemente dos níveis de colesterol. Vários estudos apresentaram o desenvolvimento de medicamentos de longa ação, permitindo intervalos maiores entre as doses. Finalmente, foi muito citado mais um caso de cura da infecção por HIV com transplante de medula óssea.”

Redação da Agência de Notícias da Aids 

* A Agência de Notícias da Aids cobriu esta edição da Conferência com o apoio do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) do Ministério da Saúde e da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo. Os portais de notícias IG, Catraca Livre e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) também receberão informações sobre o evento.

Dicas de entrevista

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