Durante a Conferência Internacional de Aids, em Munique, três renomadas cientistas no enfrentamento da aids debateram o futuro da pesquisa sobre HIV. Françoise Barré-Sinoussi, do Institut Pasteur; Jeannie Marrazzo, do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA (NIAID); e Reena Rajasuriar, da Universidade de Malaya, refletiram sobre as lições aprendidas e as inovações científicas, enfatizando a necessidade de maior participação das pessoas vivendo com HIV em ensaios clínicos e políticas públicas de saúde.

Françoise Barré-Sinoussi destacou a importância de uma abordagem comunitária na ciência, baseada em suas experiências desde 1984. Ela relatou como trabalhar com comunidades afetadas ajudou a reconfigurar o foco de suas pesquisas, levando a avanços significativos na compreensão e tratamento do HIV.

“Comecei a construir relacionamentos com as comunidades em 1984, logo após a identificação do HIV. É muito importante pedir às pessoas afetadas pelo HIV que façam suas próprias observações, críticas e seus comentários, para que você possa adaptar o estudo”.

A pesquisadora relembrou algumas experiências com comunidades. “Nos anos 90, estávamos pesquisando uma vacina, e as pessoas estavam buscando começar um tratamento, ou aperfeiçoar o tratamento que recebiam. Claramente, não sabíamos para onde estávamos indo naquela época. E claro, as pessoas vivendo com HV estavam falando sobre prevenção e vacina. Ao conversar com eles, percebi que talvez precisássemos entender melhor o que estava acontecendo com esse vírus no corpo, o que nos levou estudar a patogênese do HIV e seu controle”.

Reena Rajasuriar ressaltou a importância de parcerias entre pesquisadores, comunidade e formuladores de políticas públicas, permitindo uma melhor compreensão das prioridades e falhas, além de informar as melhores práticas. “Dessa maneira, trabalhamos com a comunidade para entender as prioridades, identificar falhas, e também para informar formuladores de políticas sobre as melhores práticas”.

Jeannie Marrazzo defendeu a inclusão de critérios mais amplos nos estudos para garantir que as pesquisas reflitam as condições reais enfrentadas pelas pessoas vivendo com HIV. “Condições como a tuberculose ainda são as maiores causas de morte entre pessoas vivendo com HIV. Se alguém está tratando tuberculose, é essencial fazer isso em uma população de pessoas que vivem com HIV”, defendeu.

Foco em pesquisa futura

As cientistas identificaram várias áreas prioritárias para futuras pesquisas em HIV. Françoise apontou a necessidade de entender os mecanismos de inflamação e distúrbios metabólicos durante a persistência do HIV, enquanto Reena destacou a falta de financiamento para pesquisas envolvendo mulheres vivendo com HIV, especialmente em países de baixa e média renda.

“As mulheres representam 53% das 40 milhões de pessoas com HIV e são desproporcionalmente afetadas por determinantes sociais da saúde, como pobreza, insegurança alimentar e isolamento social”.

Reena também defendeu a urgência de repensar formas de medir o sucesso no cuidado de HIV em clínicas, especialmente na área de HIV e envelhecimento. “No passado, o foco era apenas em prolongar a vida, mas agora é crucial garantir uma vida significativa. A avaliação baseada apenas na carga viral não é suficiente. É necessário incluir a qualidade de vida nas avaliações de rotina e nas estratégias nacionais para melhorar a saúde”, avaliou. “Isso significa gerir comorbidades, inflamação, saúde mental, melhorar a saúde sexual, garantir a saúde reprodutiva e também garantir que as pessoas envelheçam bem quando vivem com HIV”.

Estrutura de atendimento

No entanto, houve divergências quanto à abordagem para o tratamento de pessoas vivendo com HIV. Reena Rajasuriar defendeu a integração dos serviços de saúde, especialmente em países com recursos limitados, enfatizando a necessidade de colaboração com outras especialidades clínicas. Françoise Barré-Sinoussi argumentou contra a visão de excesso de investimento em cuidados para pessoas com HIV, afirmando que todas as condições de saúde devem ser igualmente consideradas.

“Onde estou agora, trabalhando com pessoas envelhecendo com HIV, precisamos seguir com a integração”, afirmou Reena Rajasuriar. “Acho que não temos recursos suficientes para lidar com isso sozinhos. Precisamos colaborar com especialidades clínicas fora do campo do HIV para cuidar dos nossos pacientes mais velhos”, completou. Vindo de um país de renda baixa e média, nunca teremos especialistas geriátricos, neurologistas ou psicólogos suficientes. Portanto, é crucial encontrar maneiras de colaborar com outras especialidades e integrar os cuidados”.

Françoise Barré-Sinoussi disse que não entende que exista um excesso de cuidado e investimento em relação a pessoas que vivem com HIV. “Parece-me que é o contrário. Essa visão vem das pessoas que não trabalham com HIV. Para a maioria de nós, se há alguém que vive com o vírus, está em uma comunidade afetada pelo HIV, e também tem diabetes, câncer, ou qualquer outra doença, isso deve ser considerado igualmente. Portanto, não há excepcionalismo de forma alguma”.

Reena Rajasuriar, embora concordando parcialmente com Françoise, apontou a disparidade nos cuidados disponíveis para pessoas com HIV em comparação com outras condições, como câncer, nos EUA. Ela defendeu a criação de estruturas de cuidados abrangentes para todas as condições de saúde que ameaçam a vida.

“Clínicas financiadas pelo governo federal oferecem uma gama ampla de serviços para o HIV. Você pode consultar dermatologista, psiquiatra, ter acesso a muito mais serviços se comparado à média das pessoas que podem estar lutando contra o câncer (e não vivem com o vírus da aids)”. Ela acredita que, embora esses sistemas de cuidados para o HIV fossem necessários, não foram criadas estruturas semelhantes para outras condições. “Devemos reconhecer essa falha, lutar contra ela e defender cuidados abrangentes para todas as condições que ameaçam ou comprometam a vida”, finalizou.

As cientistas concordaram que a integração e colaboração são essenciais para melhorar os cuidados e garantir uma vida significativa para todas as pessoas afetadas pelo HIV.

Fabio Serrato

De Munique, especial para a Agência de Notícias da Aids

* A Agência de Notícias da Aids está cobrindo esta edição da Conferência com o apoio do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) do Ministério da Saúde e da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo. Os portais de notícias IG, Catraca Livre e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) também receberão informações sobre o evento.