No ano de 2014, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, o Unaids, estipulou a meta 90 – 90 – 90  com o objetivo que consiste em ter, até 2020, 90% das pessoas com HIV devidamente diagnosticadas; 90% realizando o tratamento com antirretrovirais; e, deste grupo, 90% com carga viral indetectável. Esse foi o ponto central da discussão entre especialistas e ativistas durante o debate que aconteceu no Centro Cultural Itaú, nesta sexta-feira (18).

Para o infectologista Ricardo Vasconcelos, esta é sim uma meta alcançável. Ele coloca as possibilidades de prevenção combinada no centro desta questão e compara o fato de que, nos anos 80, a meta era fazer com que as pessoas não morressem de aids. “Agora a nova urgência é fechar a torneira das novas infecções”.

Bruna Benevides, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), se mostrou preocupada com as questões sociais que envolvem a aids. “Estamos em um país que não se pode mencionar a palavra gênero. Essa é uma dificuldade a mais. Não adianta ter o melhor tratamento, se as pessoas não tem dinheiro para a passagem para ir até ele”, disse.

Ela afirma que hoje já se fala em uma prevalência de infecção acima de 40% na população transexual. “Foi quando a epidemia se instalou que começamos a perceber nossos direitos. Àquela época, brigávamos pelo direito de não morte. Por isso, essas ações precisam ir além do HIV/aids”.

Nesse sentido, a infectologista, Márcia Rachid, afirma que o grande desafio no mundo inteiro está no “terceiro 90”, que se refere à retenção do paciente no serviço. “Este retrocesso político nos preocupa porque deveríamos estar muito além nas discussões e nas ações. Vemos perdas de direito ao transporte, à aposentadoria. As mortes por aids também são mortes por preconceito.”

A médica explica que, para que a retenção ao serviço seja feita, é necessária uma palavra chave: acolhimento. “As pessoas não são acolhidas, elas são estigmatizadas, mal atendidas. Às vezes, o profissional de saúde sequer olha para o paciente. Até quando vamos perder pessoas por falta de acolhimento?”

“A PrEP escancara a hipocrisia”

Assim, Ricardo coloca que a PrEP faz a gente repensar o que fizemos na prevenção nos últimos 30 anos. “A melhor estratégia de prevenção é aquela que o indivíduo escolhe. E, por muito tempo, adotou-se que a camisinha era a única e melhor possibilidade. A PrEP nos mostra que as pessoas transam sim. Então, dê a opção a quem não gosta da camisinha se prevenir também. Camisinha é lindo – para quem usa. Por muito tempo abstinência sexual também era uma estratégia de prevenção. Não podemos cair na ilusão de que todas as pessoas serão contempladas pela PrEP. Ela é só mais uma opção dentro de um cardápio.”

Bruna também defende a prevenção combinada afirmando que a PreP “joga na cara da família tradicional que as pessoas transam. É ser muito hipócrita pensar que a profissional do sexo vai deixar de ganhar o dinheiro que lhe é oferecido a mais para fazer sexo sem camisinha. É questão de sobrevivência. A PrEP escancara a hipocrisia. Ela tira a imagem de que se pode controlar o corpo do outro e passa esse domínio para a própria pessoa.”

Neste contexto, a distribuição do autoteste torna-se também uma possiblidade. Para Ricardo, esse estigma é também o responsável pelo fato de as pessoas não se testarem. Ele explica que a nova alternativa não tem intenção de substituir o teste (até mesmo porque é necessário um segundo teste confirmatório, em caso de resultado positivo), nem o acolhimento. “Este é um complemento para que a testagem seja ampliada e uma possibilidade de acessar pessoas que não vão aos serviços por medo do estigma”.

“Quando eu ofereço, eu não estou obrigando. Isso é acesso. E a maneira como você oferece, gera adesão ao serviço”, explica Márcia. No entanto, é importante ressaltar que o autoteste, apesar de já estar disponível de forma gratuita pelo site www.ahoraeagora.org/sp, ainda se trata de uma pesquisa que, se bem sucedida, pode vir a se tornar uma política pública.

Novos Rumos

Durante a discussão, os debatedores buscaram deixa claro que há muita pesquisa em busca da cura e da vacina para aids. Ricardo, explica que os novos estudos estão focados em associar menos drogas na medicação de cada paciente, simplificando o esquema antirretroviral. Além disso, pesquisas em torno de medicação injetável prometem trazer a possibilidade de o paciente se medicar apenas a cada dois meses.

No entanto, Bruna chama a atenção para a questão social. “Quem são as pessoas que estão acessando a todos esses avanços? E as lésbicas? E os homens trans? Não tem prevenção para eles. Somos ponto de partida em muitas pesquisas, mas na hora de ter retorno, estamos fora. Qual é a nossa contrapartida?”

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)