“Pare de nos matar,

Somos mulheres, precisamos viver.

Pare de nos matar,

somos mães, filhas, avós, amantes, amigas, amadas,

Precisamos viver.

Pare de nos matar,

Somos pretas, brancas, amarelas, ruivas, indígenas,

Precisamos viver.

Pare de nos matar.

Somos trans, cis, lésbicas, travestis, 

Precisamos viver.

Pare de nos matar.

Somos médicas, domésticas, atrizes, enfermeiras, costureiras, poetisas, professoras, prostitutas, jornalistas, escritoras, cantoras, delegadas, promotoras

motoristas, cozinheiras, lavadeiras.

Precisamos viver

Porque mulher é vida e

E toda mulher é mulher da vida.” 

Assim começou a conversa na noite de terça-feira (15), com a mediadora e diretora geral da Ecos Comunicação em Sexualidade, Juny Kraiczyk, lendo a poesia de Vânia Rezende – mulher negra, poetisa, avó e prostituta. A live faz parte do projeto “Nós existimos: direitos das trabalhadoras sexuais”, que é executado pela Ecos em parceria com a Anprosex (Articulação Nacional de Profissionais do sexo), a Cuts (Central única de trabalhadoras e trabalhadores sexuais) e a RBP (Rede Brasileira de prostitutas), financiado pelo Fundo Brasil dos Direitos Humanos e coordenado por Elisiane Pasini, Fernanda Priscila Alves da Silva e Juny Kraiczyk. 

O tema abordado foi o enfrentamento da violência pelas trabalhadoras do sexo e contou com a participação de Carmen Costa, prostituta, coordenadora do Anprosex e fundadora do Grupo Liberdade; Luza Maria Silva, mulher negra, trabalhadora Sexual, graduada em Ciências Contábeis, integrante da CUTS e coordenadora Geral da Associação das Prostitutas da Paraíba (APROS/PB); e de Nanci Maria Feijó de Melo, negra, prostituta, feminista, cofundadora da Associação Pernambucana das Profissionais do Sexo (APPS), integrante da Rede Brasileira de Prostitutas (RBP) e de diversos Fóruns Locais e Nacionais. 

Luza contou que no início do movimento, quando ainda não existia a APROS, ela e as companheiras faziam um trabalho nos pontos de prostituição visitando as casas e também os pontos de trabalho. “A gente acompanhava a situação que elas viviam, principalmente da violência policial, naquele momento. Elas relatavam que os policiais as levavam para a delegacia, tomavam seus pertences e elas eram obrigadas a faxinar e fazer sexo com eles, para poderem ser liberadas.  Daí surgiu a necessidade de elas se organizarem e fundar a associação. Acho que esse histórico de violência policial acontece não só na Paraíba, mas em todos os estados do Brasil e no mundo”.

Ela alertou que em janeiro deste ano, as trabalhadoras do sexo voltaram a viver a mesma situação de antigamente. “Policiais chegaram no Pavilhão do Chá, mandando as meninas encostarem na parede, tirar a roupa, isso é uma agressão. A APROS já solicitou uma reunião com o MP, a gente precisa dizer que não quer isso, a gente quer trabalhar em paz e que esse abuso de poder é absurdo. Por muitas vezes, as colegas se recusam a denunciar por medo e insegurança e acabam cedendo, fazendo o que eles mandam por falta de conhecimento de seus direitos.” 

Luza também falou de outras violências, como a violência doméstica. “Em 2016, a APROS teve um projeto financiado pelo Ministério da Saúde que fez um mapeamento da violência. Aplicamos um questionário com 120 mulheres no qual a maioria respondeu que sofria violência doméstica. Sofriam mais violência dentro de casa, do que na rua. Nesse período de pandemia aumentou muito a violência doméstica, feminicídio, não só com as prostitutas, mas com as mulheres em geral. A gente não quer viver a violência, a gente não quer ser a próxima a ser morta, fazer parte dessa estimativa. Somos cidadãs e precisamos trabalhar,” reivindicou.  

Nanci recordou que chegou no Recife no final da ditadura. “Era um tempo em que mulher não tinha o direito de andar na rua. Se a polícia passasse e visse a gente no ponto de prostituição, a gente ia pra cadeia, fazia faxina, era abusada. A gente não tinha pra quem pedir socorro. Então, comecei a participar de um grupo de mulheres, organizado por uma historiadora, a Fátima Vieira, que começou a fazer reuniões em vários lugares.  Depois, viajei para o Ceará para conhecer a APROCE [Associação das Prostitutas do Ceará] e começamos a nos organizar. Acho que tinha associação em todas as cidades, menos no Recife. A associação foi muito importante na minha vida. Tem mulher que não se identifica como puta. Não tem ex-puta, ex-ladrão, ex-gay. Estou afastada por motivo de doença, mas sempre vou ser prostituta. Criei os meus filhos, eduquei, graças a Deus sou casada, tenho uma família que me respeita e me ama e nunca sofri violência dentro de casa”, disse. 

Carmen ressaltou que não é apenas na cidade e no Estado de Luza que a violência policial vem acontecendo novamente. “E nós vamos ter uma gama bem forte nesse final de ano com a repressão às prostitutas, isso já foi falado na OEA, a nível mundial, não só no Brasil”, observou. “Nós lutamos para que a violência não exista, mas nós nos violentamos todos os dias, quando não buscamos os nossos direitos. Essa é a pior violência, não acreditar que temos direitos.  Nós hoje temos que trabalhar essas questões. Mulher profissional do sexo, você tem os mesmos direitos que qualquer mulher, você tem sim que reclamar os seus direitos. Tem que acabar com essa violência de achar que não tem direitos por ter essa profissão. Se a gente não trabalhar esse tipo de violência todos os dias com as nossas companheiras, a gente não vai progredir. A  minha esperança não é só que a nossa luta seja findada e ganha nessa batalha que a gente vem travando, mas que o Brasil seja um país melhor amanhã, e nós temos as ferramentas suficientes para isso. Nós prostitutas podemos sim ajudar o Brasil a ser melhor amanhã,” conclamou.

Assista a live na íntegra pelo link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=GT8_SkNfRYI

 

Redação Agência de Notícias da Aids

 

Dica de Entrevista:

Juny Kraiczyk

E-mail: junykr@gmail.com

 

Elisiani Pasini

E-mail: lispasini@gmail.com