O Dia Internacional da Luta Contra a LGBTfobia, celebrado sempre em 17 de maio, é um marco simbólico na luta contra a intolerância e a favor dos direitos das pessoas LGBTQIA+. A data passou a ser comemorada quando a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 1990, decidiu retirar a homossexualidade do código internacional de doenças, passando a considerar como traço de personalidade. Essa conquista foi, indiscutivelmente, uma das mais importantes para o movimento LGBT.

O 17 de maio ainda é um momento em que, diferentes civilizações, em todo o mundo, param para refletir sobre o preconceito sob a perspectiva da equidade, da diversidade e da tolerância, sobre crimes de gênero cometidos contra pessoas LGBTQIA+, incluindo mortes violentas.

No Brasil, podemos afirmar que avançamos consideravelmente no que se refere à construção de políticas públicas a favor desta comunidade e com punições oficiais, no entanto, o país segue sendo o que mais mata pessoas LGBTQIA+ em todo o planeta, além de ser o que mais mata pessoas trans e travestis, pelo décimo quarto ano consecutivo.

Segundo o Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, em 2022, foram computados 273 casos de crimes de ódio. Ou seja, uma pessoa LGBTQIAP+ é assassinada a cada 32 horas no Brasil. Em 2022, o total de mortes registradas pelo observatório foi de 237, já no ano antecessor (2021), foi de 316.

No que se refere a pessoas transexuais e travestis, a situação é ainda mais grave. Do total de assassinatos somados contra LGBTs em 2022, ao menos 131 tiveram pessoas trans como vítimas, de acordo com dossiê levantado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). O material é resultado de um esforço coletivo de produção e sistematização de dados sobre a violência e a violação de direitos LGBTI+. A sigla contempla pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas, não binárias e demais dissidências sexuais e de gênero.

A Agência Aids conversou com os ativistas Toni Reis e Sara Wagner York, que são representantes de diferentes entendidas civis que lutam em prol da garantia de direitos da população LGBTQIAP+, para saber qual é a avaliação deles no tocante às políticas públicas brasileiras de enfrentamento à LGBTfobia e entender se o país tem se tornado uma nação mais inclusiva ou excludente em relação a pauta.

Especificamente no que tange à agenda do Movimento LGBT brasileiro, Toni Reis, da Aliança Nacional LGBTI+, entende que a mesma deve ser presente em todos os espaços sociais, sobretudo na educação.

“A prioridade número um é a educação. As pessoas precisam aprender desde a base a respeitar as diferenças”, afirmou. “Na saúde, precisamos de mais sensibilização e pesquisas. Na segurança pública, precisamos de capacitação dos agentes policiais e de políticas de empregabilidade”, completou.

O entrevistado celebrou todas as vitórias conquistadas na suprema corte, mas destacou que ainda existem inúmeros desafios. “Tivemos uma década de muitos avanços, mas continuamos sendo o país que mais mata LGBTs, principalmente a comunidade trans. O tema está silenciado e invisibilizado na educação, na saúde temos um trabalho muito interessante, que precisa melhorar, e precisamos de dados estatísticos sobre a violência do estado brasileiro. Precisamos estar no IBGE, saber quantos somos e quais são as necessidades da nossa comunidade.”

O ativista acredita que o conservadorismo voltou com força no país nos últimos anos, mas enxerga que o novo governo abre um importante espaço para renovação do debate. “Nestes primeiros quatro meses temos percebido que o diálogo está aberto. Nós da Aliança Nacional LGBTI+ fomos recebidos por 14 ministros e ministras.” Segundo ele, é necessário negociar junto à extrema-direita para maiores avanços.

Perguntado sobre qual o caminho o Brasil deve seguir para deixar de ocupar o ranking de países que mais matam pessoas trans e pessoas LGBTs no mundo todo, Toni Reis defendeu a promoção da educação. “A maioria das pessoas trans vivem da prostituição, a prostituição em si não é um crime, mas muitas vezes o que as cercam faz com que elas se coloquem em risco.”

‘‘Em segundo lugar, é necessário tratar a impunidade. Quem mata pessoas LGBTI+ precisa ser penalizado. Além disso, precisamos sensibilizar o aparato de segurança para atender de forma equânime, com cidadania, dignidade e empatia”, completou.

Sara Wagner defende a mesma linha de raciocínio de Toni. Ela avalia o cenário brasileiro em relação aos direitos LGBTs como um lugar ainda muito frágil e destaca ser constantemente atacado por frentes conversadoras. “Essas frentes se mobilizam justamente para produzir aspectos de política de ódio, classicismo, retórica de exclusão e pânico moral”, disse a ativista.

Ela continuou: ‘‘acredito que ainda temos um país que emerge do bolsonarismo, emergir do bolsonarismo é diferente de emergir das políticas bolsonaristas. As políticas bolsonaristas são políticas que nublam o sistema com o pânico moral chamando a atenção do sujeito com narrativas sensacionalistas. A partir disso, cria-se um apelo a fim de chamar a atenção do público com objetivo de que outras coisas aconteçam em outros extremos’’, explicou.

Perguntada se acredita que as políticas LGBTs brasileiras são suficientemente capazes de enfrentar a homotransfobia no país, Sara afirma que não. Ela frisou que as leis sancionadas a favor da comunidade LGBTQIAP+ foram concedidas pelo poder judiciário. Para Sara, o fato de as mesmas não terem passado pelas casas legislativas configura um sério problema.

Nesse sentido, afirmou que é necessário trazer, de fato, essas pautas para o âmbito da política institucional e concomitantemente a isto, socialmente expandir as noções de família e casamentos igualitários. A especialista enxerga os próximos anos com otimismo, mas segundo ela, somente com compromisso político, o Brasil poderá desocupar os rankings alarmantes, e garantir, de fato, uma cidadania justa para esta população.

“Sou otimista! eu mesma sou uma travesti de quase meio século num país em que a expectativa de vida de uma travesti não passa dos 35 anos”, finalizou.

Avanços constitucionais no contexto histórico brasileiro

Em junho de 1997, aconteceu a primeira parada do Orgulho LGBT, na Avenida Paulista, em São Paulo. Atualmente, ela é considerada a maior do mundo e reúne milhares de pessoas todos os anos.

Dois anos depois (1999), veio a derrubada da chamada “cura gay”. A prática foi proibida pelo Conselho Federal de Psicologia.

Já em 2002, a redesignação sexual passou a ser permitida pelo Conselho Federal de Medicina. Quando falamos em feminino para masculino, a conquista passou a valer a partir de 2010.

Um ano depois, em 2011, o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Com isso, casais homoafetivos foram reconhecidos como entidade familiar e passaram a poder realizar a adoção conjunta.

No mesmo ano (2011), foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Depois, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução que obriga cartórios a realizar o casamento civil entre homossexuais.

Em 2018, cidadãos transgêneros receberam o direto de alterar o seu registro civil em cartório. O uso do nome social foi permitido em 2016, mas as pessoas trans ainda eram obrigadas a andar com documentos que não eram compatíveis com sua identidade. Somente em 2018, o STF autorizou a mudança do nome de registro, mesmo daquelas pessoas que não passaram por cirurgia.

Desde 2019, a transexualidade não é mais considerada transtorno mental, conforme consta da 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID), vigente desde 1990.

A criminalização da homofobia foi viabilizada em 2019. Essa criminalização não garante a punição para quem é homofóbico, mas ajuda a combater discursos preconceituosos.

Mais recentemente, em 2020, houve a liberação para doação de sangue. O estigma associado ao HIV/aids, disseminou a ideia errônea de que pessoas homossexuais eram um grupo de risco, sendo proibidas de doar sangue. Na época, as informações acerca da epidemia de aids eram prematuras, mas os estudos avançaram e tal narrativa não prevalece nos dias de hoje.

Aos poucos a política também tem se mostrado mais representativa. Nas eleições de 2022, a população brasileira elegeu o maior número de candidaturas LGBT+ da história. Foram 18 parlamentares declaradamente membros da comunidade, incluindo as primeiras deputadas federais transexuais: Érika Hilton (PSOL) e Duda Salabert (PDT).

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

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