Num tempo, página infeliz da nossa história, o medo venceu a esperança e o Brasil mergulhou em um período onde a liberdade de expressão virou liberdade para mentir, as políticas públicas que procuram amenizar o abismo social brasileiro se tornaram privilégios a serem combatidos e o negacionismo com relação à ciência causou mais de seiscentas mil mortes e outros tantos males trazidos pela epidemia da COVID-19, como o desemprego e a fome. O ano de 2021 não deixará saudades em ninguém e entrará para a história por ter provocado mais mortes que todas as ditaduras militares latino americanas juntas. E não dá para falar sobre 2022 sem a premissa de que essa corja que tomou o poder seja varrida para o lixo da história.

Neste ano que finda o grande desafio da estratégia brasileira de luta contra a AIDS foi o de tentar manter os serviços existentes, abalados pelo impacto da COVID-19 na saúde pública. Em 2022 a luta será pela recuperação da integralidade que outrora as pessoas vivendo com HIV tinham em seus serviços especializados. Várias atividades deixaram de ser oferecidas aos usuários do sistema, seja pela exigência de protocolos de segurança, seja pela necessidade de remanejamento de funcionários dentro do serviço e isso trouxe prejuízo no acompanhamento de jovens com transmissão vertical e da população trans, por exemplo. Mas talvez o aspecto mais assustador foi o brutal crescimento do abandono de tratamento durante este ano, seja na retirada de medicamentos, seja na falta a exames de rotina.

Tudo bem que as restrições de locomoção durante os meses mais cruéis da pandemia foram um grande fator para que muita gente não conseguisse cumprir sua parte no pacto que fez com o SUS, quando de sua matrícula. Mas mesmo depois, com o abrandamento da epidemia, vários usuários não retornaram aos serviços para retirada de medicamentos ou coleta de sangue. Juntemos esse fenômeno ao fato de que 75% dos HSH não utilizam preservativos no sexo anal e teremos uma bomba relógio que exigirá um estudo aprofundado para que medidas efetivas sejam tomadas para não trazer ainda mais impactos negativos na assistência e na prevenção. Aliás, pelo crescente número de pessoas que recorrem à PEP com incômoda frequência, essa bomba não tardará a explodir no colo da já combalida saúde pública brasileira.

Mas parece que outros ares estão começando a soprar pelo Brasil e o período de escuridão está com os dias contados. Cada paralelepípedo da velha cidade vai se arrepiar quando as cores verde e amarelo voltarem a quem direito, o povo brasileiro. E, quem sabe, acordemos em uma manhã de 2022 com a manchete de todos os portais de jornais do mundo: descoberta a cura da AIDS!

Beto Volpe é ativista e escritor – luiz_volpe@uol.com.br