Em 1982, o último ditador que governou o Brasil foi ao Rio de Janeiro ser atendido por um dos experts daquela época: o professor Aloysio Salles, que era também presidente do INAMPS (Instituto Nacional e Assistência Médica da Previdência Social), naquele momento.
O presidente João Baptista Figueiredo foi atendido no melhor hospital do Brasil. Não era o Sírio Libanês, não era o Albert Einstein, não era o InCor – Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Naquele ano, em 1982, o melhor hospital do Brasil era o Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro. Eu conheci este hospital. Hospital imponente, com escadas rolantes, muito bonito e com tecnologia de ponta para aquele momento que o Brasil vivia.
Havia todos os equipamentos necessários para um bom hospital de alta tecnologia. Este hospital, hoje, está totalmente destruído, abandonado. O corpo clínico ainda existe, os servidores ainda existem, mas perdeu muito da sua capacidade, porque a tecnologia que existia foi deteriorada completamente ao longo desses últimos 40 anos. A mesma coisa aconteceu com todos os outros hospitais federais do Rio de Janeiro, particularmente estes seis ficaram em um jogo entre o Governo Federal, governos estaduais e municipais. Foi muito ruim o que aconteceu com a rede de hospitais estatais do Rio de Janeiro, alguns conseguiram se livrar um pouco disto, como é o caso do INCA (Instituto Nacional do Câncer) e em grande medida, por conta da presença da Fundação Fundação Ary Frauzino, que agora saiu de lá e o hospital pode estar correndo um risco também de passar por um processo de deterioração.
O corpo clínico, os trabalhadores mantêm o padrão de qualidade do hospital, mas é muito difícil dentro da administração pública direta, manter a estrutura de mobilização de pessoas, compra de material, condição de manutenção de equipamentos, compra e reposição de equipamentos antigos.
Isto tudo vai fazendo com que a instituição vá se deteriorando, mas é lógico que no Rio não aconteceu somente isso. Aconteceu mais, pois também os cargos desses hospitais foram leiloados entre uma categoria política, que particularmente hoje leva o nome de Centrão, uma categoria canibalesca que foi derrubando o hospital. Ao mesmo tempo, alguns dos hospitais tiveram também gente que se apossou de áreas que poderiam render dinheiro, como a área de compras, área de contratos, de limpeza, área de lavanderia, segurança, etc. Esses hospitais se transformaram em loterias deste pessoal que quer ganhar dinheiro com a coisa pública e têm, de fato, ganhado dinheiro com a coisa pública.
Daí a resistência à tentativa de mudança que recentemente foi realizada pelo Ministério da Saúde. É mais uma tentativa de mudança. Ao longo desses 40 anos, tivemos três ou quatro tentativas um pouco mais estruturadas. Todas, sem exceção, terminaram em desastre para os hospitais e para a coisa pública. Nós assistimos calados a isso.
Neste momento, uma ministra da saúde altamente técnica e profissional, já demonstrou a sua capacidade de gestão conduzindo durante oito anos a Fundação Oswaldo Cruz, de maneira magistral. Fundação essa que tem prestado serviços fundamentais para o país na formação de recursos humanos, na produção de vacinas, na produção de medicamentos, em Farmanguinhos, Bio Manguinhos… a Escola Nacional de Saúde Pública está presente em diversos estados com a sua estrutura, é responsável pelo IBMP (Instituto de Biologia Molecular do Paraná) que produz insumos para assistência à saúde, insumos fundamentais. Pois bem, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, é quem tentou mais uma intervenção na rede de hospitais do Rio de Janeiro com uma pessoa extremamente qualificada, que é o Helvécio Miranda.
No entanto, alguns cuidados não foram tomados e conseguiu-se lavrar mais um capítulo ruim da nossa história, manchando a imagem de Helvécio e de Nísia. Agora, perdemos Helvécio Miranda e é fundamental que recuperemos a ministra Nísia.
Nísia é fundamental para que o Ministério da Saúde seja melhor gerenciado e então produza os resultados que nós esperamos que o SUS possa produzir.
O SUS tem como instrumento fundamental o Ministério da Saúde. Os estados e os municípios, óbvio, são fundamentais também, mas metade do financiamento do SUS vem do Ministério da Saúde. O uso inteligente, adequado, tecnicamente correto desses recursos e das propostas de construção do Sistema Único de Saúde são fundamentais para que a gente possa ter um sistema de saúde com a capacidade que nós necessitamos. Então, temos que apoiar a ministra Nísia Trindade.
Este é um momento muito delicado do funcionamento do Ministério da Saúde. Não podemos permitir que o Ministério vá parar no Centrão e, com isso, permitir que haja um desastre como nós já tivemos no passado, quando este mesmo Centrão ocupou o Ministério da Saúde durante o governo Temer. Para não falar do que aconteceu durante o governo Bolsonaro, quando as forças armadas foram colocadas dentro do Ministério da Saúde. Foi absolutamente desastroso!
Neste momento, temos uma técnica de alta competência no Ministério e é tempo de reconstrução nacional, onde as coisas têm andado, têm sido realizadas e muitas soluções importantes para a saúde pública brasileira têm sido recuperadas. Precisamos dar força ao Ministério da Saúde, à sua atual governança e esperar que este atual governo consiga resistir ao apetite canibalesco do Centrão.
O Ministério da Saúde do Brasil tem condições de fazer muito mais do que está fazendo, se for dada a chance a quem está lá de governar e nós pararmos com torpedeamento.
A minha expectativa é que nós consigamos apoiar o funcionamento e o crescimento do Ministério da Saúde.
Gonzalo Vecina Neto é médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). É um dos idealizadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
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