Em janeiro de 2019, nós do Barong estávamos otimistas com o ano que se iniciava, com projetos novos aprovados, com mais de 300 palestras sobre saúde sexual e reprodutiva para ministrar nas escolas e com a expectativa de expandir nossa missão em outros Estados. Era de conhecimento de todos que a Covid-19 chegaria no Brasil, mas nem em sonho, imaginávamos o impacto que a mesma teria no mundo. Quando foi anunciada a quarentena, nós já estávamos em home office, planejando nossas novas atividades porque sabíamos que teríamos que atuar. Não tínhamos ainda ideia de como e quando, mas nos parecia óbvio que as populações atendidas pelo Barong seriam afetadas.
A primeira missão surgiu a partir de um telefonema do querido Jean Carlos, em um sábado à noite, preocupado como as PVHA iriam retirar seus medicamentos. Imediatamente, coloquei o Barong a disposição; poderíamos ir ao CRT e encaminhar os medicamentos, respondi. No domingo, conversando com Eduardo Barbosa (Pela Vidda/SP), articulamos as parcerias e passamos a divulgar essa atividade nas redes sociais.
As demandas começaram a surgir e nosso home office foi pelos ares. Após algumas reuniões de urgência com o Programa Estadual de Aids do Estado de S.P, instrumentos foram desenvolvidos para garantir o sigilo das pessoas que receberiam o medicamento pelo Barong. O projeto abarcou, então, as pessoas atendidas também pelo Hospital Emilio Ribas. Entre filas na farmácia do CRT e do Emilio Ribas e idas ao Correio (depois de embalar, conferir, organizar os medicamentos), novos desafios surgiram. Como não lembrar a primeira remessa negada pelo Correio “Ah, neste endereço o correio não entrega, é zona de risco”. Há uma expressão para isso os “Sem CEP”, ou seja, um direito básico é negado a inúmeras pessoas, qual seja, ter um CEP para o qual uma correspondência possa ser enviada e, efetivamente, recebida. Claro que os “Sem CEP” são os “sem UBER, sem moto boy”, sem DHL e por aí afora… O que fazer? Passamos a ir pessoalmente com os medicamentos nos locais de risco e conhecemos pessoas incríveis. Incluímos cestas básicas de alimentos e de higiene ( doadas pela AHF e UNAIDS) , com direito também a lubrificantes, lenços íntimos umedecidos e preservativos externos coloridos, doados pela Prudence.
Em meio a tantas adaptações, nosso orçamento foi cortado em 70% e a carga de trabalho aumentou a cada dia. No caos, tivemos um apoio do UNAIDS, que já havia realizado uma pesquisa sobre o impacto da COVID-19 para as PVHA em relação a adesão aos antirretrovirais.
Também desenvolvemos campanhas para as redes sociais, produzimos vídeos com participações de artistas e começamos a receber doações de pessoas físicas para que os medicamentos fossem enviados Brasil afora e também para outros países (Angola, Paraguai, Perú…). Incorporamos, inclusive, a remessa de hormônios para as pessoas com variabilidade de gênero.
Um ano e meio depois, agora afinadíssimos e com muitas parcerias com profissionais de saúde que nos indicam para seus pacientes, voltamos a buscar recursos. No imaginário coletivo, a pandemia está controlada e as pessoas, em geral, pensam que as PVHA podem retornar aos serviços de saúde, tranquilamente, porque já que estão vacinadas. Porém, nós que estamos em contato direto com a realidade dessas pessoas sabemos que não é bem isso que está acontecendo. Além do receio justificado da variante DELTA, centenas de pessoas mudaram de São Paulo, como consequência da recessão econômica provocada pela pandemia. Estão literalmente espalhadas pelo Brasil e inseguras de mudar de seu serviço de referência. Os motivos? Vínculo com os profissionais de saúde com os quais fazem tratamento há anos, cidades em que não há Serviço de Atendimento Especializado, medo, muito medo do preconceito em relação à revelação de diagnóstico nos pequenos municípios e também a esperança de retornar a São Paulo. Todas estas questões são legitimas e devem ser respeitadas. Não se trata de uma “adaptação” ou “ capricho”, mas sim de um direito. Nós do Barong, pretendemos continuar atendendo todas as pessoas que nos procuraram. Porém, necessitamos de financiamento e de doações para tanto.
Precisamos de colaboração para dar continuidade a esse trabalho que assegura que pessoas continuem indetectáveis; mantenham seus tratamentos hormonais, que contribuem para a saúde mental e, assim, o Brasil alcance mais rapidamente a meta 95X95X95. Aproveito o espaço para agradecer todos os parceiros e parceiras que nos apoiaram até agora e disponibilizar nosso PIX : 04 125 363 0001 04. Nós e as pessoas em tratamento agradecemos muito sua contribuição para seguirmos incentivando a adesão a vida!
*Marta McBritton é presidente do Instituto Cultural Barong
Contato: martamcbritton@gmail.com