No mês que celebramos a força, a resiliência e as conquistas das mulheres ao redor do mundo, é crucial lembrarmos que ainda existem muitos avanços necessários para que nós mulheres, possamos ser verdadeiramente livres, em essência.

É verdade que temos muitas conquistas a comemorar, e que ao longo da história da humanidade, chegamos a lugares que muitas de nós sequer sonharam em chegar, conquistando nossos espaços e podendo viver a tão sonhada liberdade. Uma liberdade que envolve todas as áreas da vida: desde a financeira, profissional e acadêmica, até a política, geográfica, afetiva, reprodutiva, e principalmente, a liberdade de expressão.

Hoje, nós mulheres temos voz. Somos livres para expressar nossos potenciais, criarmos nosso próprio padrão de beleza, vestirmos a roupa que nos cabe e questionarmos preconceitos e pressões impostas que não nos fazem mais sentido. Somos donas do nosso próprio corpo e alma e ainda assim, não perdemos nossa essência de beleza, sabedoria e feminilidade.

No entanto, é verdade também, que para algumas mulheres, a realidade ainda é mais dura do que para outras. Talvez a tão sonhada liberdade não seja real e acessível em todos os campos de suas vidas. E é por isso que continuamos lutando por um mundo mais justo e igualitário e que a palavra sororidade nunca foi tão valiosa para caminharmos juntas adiante.

Mesmo com essas diferenças que se referem a lugares de maior e menor privilégio, existe algo que nos une pelo simples fato de sermos mulheres, e que acredito que todas temos em comum, em maior e menor grau: a necessidade de termos coragem para sermos autênticas!

Ser autêntica significa ser verdadeira. Ser fiel aos seus valores e principalmente a si mesma.

Quantas de nós, ainda nos escondemos por medo do que os outros vão pensar ao nosso respeito? Quantas vezes, por necessidade de aprovação e por pressões externas, deixamos de seguir nossos sonhos, ou, de falar o que realmente pensamos? E quantas vezes, por medo da rejeição, nos encaixamos em padrões, fugindo completamente de quem somos para caber em lugares que esperam de nós?

Isso se intensifica na vida de alguns grupos menos favorecidos de mulheres, mas hoje, no meu lugar de direito, gostaria de representar as mulheres que vivem com HIV e que continuam silenciadas por medo de serem simplesmente quem são, devido a sua sorologia.

Que este artigo, publicado em 1º de Março de 2024 soe como um manifesto para que quem sabe um dia, possamos mudar este cenário na vida das mais de 350 mil mulheres vivendo com HIV no Brasil e aproximadamente 20 Milhões de mulheres no mundo.

De acordo com dados do Unaids sobre o número de pessoas vivendo com HIV até 2021, as mulheres representam 54% do total de 38,4 milhões de pessoas vivendo com HIV ao redor globo. E isso significa que, provavelmente você conheça uma mulher vivendo com HIV, só não sabe disso.

No Brasil, esse percentual corresponde à 35% das mulheres, que são a minoria, mas ainda representam uma grande parcela da população brasileira. E uma parcela, que infelizmente, segue invisível. Mulheres que vivem silenciadas, com medo de viver e de falar abertamente sobre a sua sorologia por medo de preconceitos e tabus precisam ser quebrados com urgência.

Meu nome é Renata Nunes e eu vivo com HIV há 9 anos. Fui diagnosticada em 2015, aos meus 22. E somente quase 10 anos depois, tive coragem de me abrir sobre este tema e falar ao mundo que ele precisa ser um assunto de todos, ou, melhor, de todas.

No último mês de dezembro, em 01/12/2023, o Dia Mundial de Luta Contra a Aids e início da campanha nacional Dezembro Vermelho, publiquei o vídeo de lançamento do meu livro autobiográfico com o título “Como O HIV+ Mudou A Minha Vida Para Melhor E O Que Isso Tem A Ver Com Você”.

Nesta narrativa da produção de vídeo, que se passa em um cenário simbólico de baile de máscaras, com a ajuda da minha equipe de audiovisual e de todas as pessoas que colaboraram neste projeto, me vesti de vermelho da cabeça aos pés representando a mulher forte, corajosa e empoderada que sou e que tantas outras são, para dizer ao mundo que não tenho vergonha do meu sangue e da minha vida, sangue e vida, de uma mulher vivendo com HIV.

Na sequência, na cena em que literalmente removo a máscara e solto o meu grito de guerra com as seguintes palavras “..à partir de agora eu não me escondo mais! Meu nome é Renata Nunes e eu vivo com HIV..!”, rompi com o silêncio que carreguei durante todos estes anos para inspirar outras mulheres diagnosticadas ou não, a terem coragem de serem elas mesmas, com tudo o que lhe pertence.

No meu livro, falo sobre luz e sombras, e trago relatos de infância, adolescência, família, relacionamentos, e alguns temas polêmicos, entre eles, abuso sexual infantil, drogas e fanatismo religioso, refletindo sobre o quanto isso tudo pode impactar na vida de alguém, com uma linguagem leve e com o objetivo de trazer aprendizado. Conto uma história de autossuperação e principalmente, de mudança de mentalidade. Ao contrário do que possa parecer no seu título, ao ler cada página, você entenderá que não se trata de romantizar o HIV, mas sim, sobre como transformar dores em oportunidades de mudança e crescimento.

Em seus capítulos, explico como me libertei de medos, preconceitos, julgamentos, e das minhas próprias crenças limitadoras sobre o que era ou não possível, para uma mulher. E principalmente, vivendo com HIV em um mundo em que o machismo ainda prevalece, embora seguimos conquistando avanços neste sentido.

Nos dias que se sucederam ao lançamento do meu livro, recebi muitos relatos de mulheres vivendo com HIV que até hoje, passando-se mais de dez ou quinze anos de diagnóstico, ainda vivem depressivas, ansiosas e com medo de se relacionar afetivamente. Algumas delas ainda se sentem sujas e sofrem do seu próprio preconceito em relação ao vírus, se sentem culpadas e não conseguem sentir-se merecedoras de uma vida plena e feliz. Muitas delas já tentaram suicídio ou pensam sobre isso.

Percebi então, que faço parte de uma minoria, que conseguiu lidar bem com seu diagnóstico e seguir adiante vivendo o que todas ou todos deveriam viver: uma vida leve, plena e saudável, mesmo pós-diagnóstico.

Foi então que decidi criar a Comunidade Mulher Positiva. Uma comunidade com foco em ajudar mulheres vivendo com HIV a lidarem melhor mentalmente e emocionalmente com o seu diagnóstico e a se tornarem mais autênticas, corajosas e livres, por meio da mudança de mentalidade e autoestima.

Este trabalho que começou este ano, pretende criar um novo momento na história de vida dessas mulheres no Brasil e no mundo, já que sabemos que hoje em dia, a questão da saúde para pessoas vivendo com HIV ainda é um problema.

Com os avanços da medicina, após anos de estudos e pesquisas, é comprovado cientificamente que HIV e aids são coisas distintas e que pessoas vivendo com HIV se mantém saudáveis e não tem a sua expectativa de vida reduzida por conta do seu tratamento, que é eficaz e quase sem efeitos colaterais. A medicação é distribuída gratuitamente no Brasil, pelo SUS. Essas pessoas podem ter filhos biologicamente, e se tratando de forma correta mantendo sua carga viral indetectável, não transmitem mais o vírus. O que possibilita que tenham relacionamentos afetivos saudáveis. No entanto, as especificidades no tratamento para mulheres vivendo com HIV devem ser olhadas e contempladas cada vez mais.

Contudo, infelizmente, até que as pessoas realmente compreendam estes avanços e deixem de julgar, o HIV continua sendo um enorme tabu e vem carregado de discriminação. Nosso grande problema ainda são os estigmas e preconceitos que circulam sobre o tema. A falta de informação e ignorância é um desafio a ser enfrentado, uma vez que muitas pessoas insistem em se manter na visão da década de 1980 e 1990, quando o HIV ainda era um sinônimo de morte.

As mulheres que vivem hoje com HIV, seguem com medo de ser quem elas são e falarem abertamente sobre a sua sorologia, devido a estes estigmas criados a respeito de quem vive com o vírus. Estigmas que acusam diretamente a sua moral, muitas vezes sendo taxadas como promíscuas, libertinas, ou “profissionais do sexo”. Muitas delas, foram infectadas dentro de uma relação monogâmica, em um casamento tradicional e ainda precisam lidar com toda essa pressão social. Se tornam alvo de fofocas, zombarias, e rejeições incabíveis como separação de itens de uso pessoal em ambiente familiar e profissional, chegando até mesmo a serem demitidas ou afastadas de seus cargos por puro preconceito e desinformação. Vale ressaltar que a discriminação de qualquer gênero independentemente da pessoa vivendo com HIV, é crime.

Estas mulheres também sofrem pelo medo da rejeição, principalmente na área dos relacionamentos afetivos. E tem que lidar com o fato de precisarem ser firmes na hora de ter uma relação sexual protegida, uma vez que muitas delas são incitadas e coagidas por seus parceiros a não utilizarem o preservativo em suas relações. Por falta de autoestima e autoconfiança, acabam cedendo, se colocando em situações de risco. Muitas delas foram infectadas desta forma.

A insistência pelo “não uso” do preservativo é tão grande por parte dos parceiros em sua maioria, que foi preciso ser criada uma lei que criminaliza o ato de remover o preservativo durante a relação sexual sem consentimento do “parceiro” ou “parceira”. Este crime é chamado de stealhing. Se uma lei foi criada, é por que realmente este é um assunto que precisamos falar.

O que mais me toca no que diz respeito a este silêncio, é saber que não são só mulheres que sofrem com todos estes aspectos mencionados acima. No Brasil, 75% das pessoas vivendo com HIV são homens, sejam ou não, cisgêneros e heterossexuais. A comunidade LGBTQIAPN+ se inclui neste percentual mas não são os únicos. Essas mesmas mulheres cisgêneras e heterossexuais vivendo com HIV foram infectadas por homens cisgêneros e heterossexuais. Estes que também pouco ou quase nada falam sobre o tema. A pequena parcela de pessoas vivendo com HIV e que tem a coragem de falar abertamente sobre o tema, ainda são pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, a qual tenho profundo respeito e admiração por sua coragem e luta que vem travando a anos por seus direitos.

Mas, chegou o momento de acabarmos com este silenciamento por parte das mulheres, e quem sabe, do conservadorismo machista, masculino, heterossexual. Enquanto este assunto não for tratado com naturalidade “do outro lado da moeda”, os estigmas continuarão a ser reforçados como no passado aonde eram utilizados termos como “PESTE GAY”, “HIV é coisa de homossexual” ou

“HIV é coisa de pessoas promíscuas”. Rótulos que foram criados ao longo da história para dizer que o “HIV é do outro” e não meu. Enquanto essa ideia persistir, mais e mais mulheres permanecerão sendo infectadas e silenciadas, vivendo uma vida às escuras, sem reconhecer o tamanho do seu brilho.

Que você, mulher, que está lendo este artigo agora, possa se lembrar de que ser mulher é ser criativa, sensível e intuitiva. É conduzir com beleza e suavidade e ao mesmo tempo carregar em si uma força motriz capaz de gerar uma vida. Somos solo fértil. Somos fortes, e corajosas. Ao mesmo tempo, encantamos o mundo com um sorriso, um gesto e uma palavra de amor. Somos o aconchego do lar, e a nossa própria fortaleza interna. Somos a continuidade da existência, portanto precisamos continuar brilhando. Que nunca nos esqueçamos da nossa verdadeira natureza, e que este não seja um fator limitante em sua vida, se você é uma mulher vivendo com HIV.

Estarei firme na luta pela quebra dessa invisibilidade. Que os silêncios sejam rompidos. E que você, mulher, exerça cada vez mais a sua coragem e autenticidade.

Te convido a vir comigo nessa jornada. E finalizo com uma reflexão valiosa: qual foi, dentro as suas dores, aquela que te trouxe a maior oportunidade de crescimento?

* Renata Nunes é formada em economia, trabalha com marketing digital, é escritora e influenciadora.