A Profilaxia Pré-Exposição ao HIV, a PrEP, é um marco tão grande na história da aids talvez comparando-se, na perspectiva promissora, como foi o início da distribuição universal do tratamento com antirretrovirais. Há 25 anos, com as terapias mais potentes, combinando vários medicamentos, nós conseguimos que as pessoas com HIV pudessem viver bem, planejar e sonhar com seu futuro. Hoje, com a PrEP, todos podemos sonhar com um mundo sem transmissão do HIV. Já temos algumas das alternativas medicamentosas disponíveis para isso. O que falta é ampliar cada vez mais o acesso para quem precisa dela.
Foi com este objetivo que criamos o Projeto PrEP na Rua na Cidade de São Paulo. Depois de mais de três anos trabalhando com a PrEP dentro dos nossos serviços, fizemos a primeira ação de dispensação da PrEP fora de uma unidade de saúde, no dia 27 junho. Uma equipe de profissionais de saúde levou ao Elevado Presidente João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão, no centro da capital paulista, todo um conjunto de tecnologias da Prevenção Combinada ao HIV e outras ISTs, que incluiu a oferta de teste rápido para HIV, camisinhas, kits de autoteste, a profilaxia de emergência ao vírus (a PEP) e a PrEP.
Em pouco mais de cinco horas daquele domingo cadastramos, aconselhamos e disponibilizamos os medicamentos para que 114 pessoas começassem a PrEP naquele mesmo dia. Monitoramos essas pessoas até elas darem continuidade a profilaxia, em uma das unidades da Rede Municipal Especializadas em IST/Aids (RME).
Em agosto, fizemos duas ações na periferia da cidade envolvendo os profissionais das unidades especializadas. No primeiro sábado estivemos no Grajaú, extremo sul da capital paulista, e na semana seguinte no Parque do Carmo, na Zona Leste, a mais populosa da cidade. E fechamos o mês com uma nova ação no Minhocão.
Após essas quatro experiências já conseguimos aperfeiçoar o fluxo de atendimento, passamos a fazer no local, o preenchimento online no sistema de distribuição de medicamentos (SICLOM) e ainda treinamos mais pessoas para fazer o teste rápido de creatinina. Esse ponto merece destaque, graças a uma parceria com a UNESCO, conseguimos adquirir equipamentos que permitem medir o nível de creatinina na hora, sem a necessidade de enviar amostra para laboratórios.
Mas o ponto mais importante é que cerca de 350 pessoas tiveram a oportunidade de sair de uma cena de risco, em pouco menos de 20 horas de ação em espaço público. Essa é a nossa principal atribuição, como profissionais do SUS, a de garantir que o máximo de pessoas elegíveis tenha acesso à PrEP e as demais formas de prevenção.
O projeto PrEP na Rua não é uma ação isolada. É mais um passo que demos na cidade de São Paulo para ampliar o uso dessa profilaxia. Começamos a distribuir a PrEP pelo SUS no início de 2018, começando pelas unidades mais afastadas da região central da cidade, principalmente, pelos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs).
Atualmente, os 26 serviços da Rede Municipal Especializada em IST/Aids oferecem a PrEP, além de outras 28 unidades municipais que são referência em hormonização para pessoas trans e travestis. O esforço para conseguir ampliar o uso da PrEP também passou pela inclusão de mais categoriais profissionais que podem prescrever a profilaxia. A Secretaria Municipal da Saúde publicou, em março e outubro de 2020, duas portarias respectivamente que, entre outras providências, autorizam profissionais de enfermagem, farmacêuticos e cirurgiões dentistas a prescrever a PrEP e a PEP, além de médicos.
Com um número maior de profissionais prescritores conseguimos manter sempre as portas abertas para novos cadastros de PrEP. No primeiro ano, 2018, cadastramos 1.329 pessoas na PrEP. Em 2019 foram 3.175 pessoas, já em 2020, mesmo com a pandemia de covid-19, novos 4.581 cadastros em neste ano, até a primeira semana de setembro, já batemos cinco mil novas inscrições, totalizando mais de 14 mil pessoas cadastradas na rede municipal.
Com o Projeto PrEP na Rua imaginamos que esses números vão continuar a crescer.
Todos sabendo que enfrentamos uma epidemia que atinge populações com mais vulnerabilidades sociais e que são vítimas frequentes de estigmas, como os gays, pessoas trans, profissionais do sexo e os usuários de drogas. O desafio é alcançar estes segmentos cada vez mais.
Na cidade de São Paulo, estamos há três anos vendo os números de notificações de HIV cair e acreditamos que a PrEP tem muito a ver com isso. Cada pessoa que começa a PrEP é uma chance de evitarmos uma nova infecção pelo HIV.
E, se trabalharmos com dedicação para que todos que estejam mais vulneráveis ao HIV possam fazer uso das tecnologias de prevenção disponíveis, associadas à informação e acesso, podemos imaginar uma cidade de São Paulo sem novos casos de HIV.
Esse é sonho que perseguimos!
Maria Cristiana Abbate é coordenadora da Coordenadoria de IST/Aids da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. Psicóloga, trabalha com o tema da aids desde os anos 1990.
E-mail: cristinabb@prefeitura.sp.gov.br