O acesso à Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) oral vem crescendo no mundo. Porém, certas populações, como a de imigrantes, tendem a enfrentar diversas barreiras para usar a PrEP. Neste artigo, eu contextualizo como imigrantes na Inglaterra e em Portugal são desproporcionalmente infectados pelo HIV e acessam menos a PrEP do que a população local. Essas informações ressaltam a importância de estudos e outras ações que visam promover a equidade de acesso à PrEP, como a pesquisa que estou desenvolvendo com imigrantes brasileiros em Londres e Lisboa por meio do programa de doutorado em Geografia Humana na universidade King’s College London (KCL).

A PrEP é uma das mais recentes inovações biomédicas na prevenção ao HIV, podendo promover saúde sexual em diferentes aspectos. Um deles é pelo empoderamento na prevenção, na medida em que os usuários não precisam negociar o uso da camisinha com o(s) parceiro(s) sexual(is). Esse empoderamento é especialmente importante entre aqueles com mais chance de contato com o vírus, como receptores de sexo anal, trabalhadores sexuais e vítimas de violência doméstica. Além do aspecto preventivo, pesquisadores também apontam outro importante papel da PrEP: mesmo entre as pessoas com histórico de sexo sem camisinha, a PrEP pode oferecer mais prazer sexual uma vez que tira o medo da infecção ao HIV.

Globalmente, existem algumas boas notícias sobre o acesso à PrEP. De acordo com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), houve aumento de 43% no uso da PrEP de 2019 para 2020. Isso significa que ao menos 45 mil pessoas em pelo menos 54 países receberam a PrEP em 2020. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, indica que 940 mil pessoas de 83 países receberam PrEP oral pelo menos uma vez em 2020, o que significa um aumento de 49% em relação a 2019.

Apesar do aumento do uso da PrEP e da tendência de vários países na diminuição de casos de HIV, algumas populações enfrentam desafios extras para terem sexo sem chance de infecção pelo HIV. Isso acontece não só em países de baixa e média renda, mas também nos países ricos. Na Inglaterra, por exemplo, onde moro, os casos de HIV vêm diminuindo consideravelmente entre gays e Homens que fazem Sexo com Homens (HSH). De fato, o número de infectados pelo HIV em 2021 foi maior entre os heterossexuais. Porém, a diminuição nos casos de HIV entre gays e HSH ocorreu principalmente entre brancos, e em menor escala entre minorias étnicas.

Dados de um relatório publicado pela organização não governamental inglesa NAT (National AIDS Trust, em inglês), escancaram a inequidade no acesso à prevenção e ao tratamento de HIV entre imigrantes no Reino Unido (que inclui Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte). O documento aponta diversas barreiras para essa população, por exemplo, políticas de hostilidade contra imigrantes irregulares, falta de informação sobre o serviço de saúde e dificuldades com idioma.

Outro exemplo da inequidade relacionada à prevenção ao HIV ocorre em Portugal. De acordo com o mais recente boletim epidemiológico, em 2019 gays e HSH representaram 56,7% dos casos de HIV. Latino-americanos contabilizaram 83,7% dos novos diagnósticos de HIV entre HSH imigrantes. Na Inglaterra, não existem dados referentes a latino-americanos. Porém, nesses dois países – Inglaterra e Portugal – estudos mostram que imigrantes excluídos dos serviços públicos de saúde negociam o acesso a consultas e tratamentos por meio de uma variedade de estratégias, como utilizando serviços privados ou buscando atendimento em outros paises. No entanto, não se sabe quais estratégias são aplicadas para superar as dificuldades de acesso especificamente à PrEP.

Nos próximos três/quatro anos, minha pesquisa na KCL vai analisar como as políticas públicas de acesso à PrEP em Londres e Lisboa facilitam ou dificultam o uso desse método preventivo entre imigrantes brasileiros gays e HSH. Outro objetivo do estudo é entender como esses imigrantes tentam superar possíveis obstáculos para acessar a PrEP. Por exemplo, como eles se informam sobre direitos para utilizar a saúde pública.

Essa pesquisa preenche lacunas de estudos em relação ao uso da PrEP entre populações vulneráveis. Estimativas extraoficiais indicam que até 300 mil imigrantes brasileiros vivem no Reino Unido, principalmente em Londres, e 300 mil em Portugal, concentrados majoritariamente na região de Lisboa. Parte desses imigrantes são imigrantes irregulares, o que pode limitar o acesso deles aos serviços públicos de saúde. Brasileiros imigrantes na Inglaterra e em Portugal atravessam outras duas vulnerabilidades: orientação sexual e etnia minoritária, uma vez que esses fatores estão associados a alta infecção pelo HIV nos dois países.

Estudos transnacionais contribuem para novas percepções sociopolíticas em imigração e saúde, e também para identificar potenciais práticas e políticas que podem ser adaptadas de um país para outro. Como tanto Inglaterra quanto Portugal estão empenhados em acabar com novas infecções pelo HIV até 2030, é essencial combater as desigualdades no acesso à PrEP. O desafio de eliminar a transmissão do HIV é grande. Por isso, temos que utilizar estratégias considerando o contexto da globalização que, por um lado, facilita emergências transacionais de saúde pública, mas, por outro, pode oferecer novas perspectivas de como combatê-las.

Nessa mesma perspectiva, meu diálogo está sempre aberto com gestores, profissionais da saúde, ativistas, pessoas vivendo com HIV/aids, jornalistas e outros aliados no combate ao HIV.

* Fabio Serrato é jornalista, mestre em Comunicação Intercultural (University of Manchester), mestre em Saúde Global e Justiça Social (King’s College London) e doutorando em Geografia Humana (King’s College London).

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