A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou, no dia 23/02/2022, o julgamento do Resp n. 1886929, com a análise da controvérsia sobre a natureza da lista de procedimentos regulamentada pela Agência Nacional de Saúde (ANS), se taxativa ou exemplificativa, com a possibilidade de os planos de saúde serem desobrigados a cobrir procedimentos e tratamentos não previstos pela agência reguladora.

A decisão influenciará na cobertura de tratamentos, terapias e medicamentos pelos planos de saúde e impactará milhões de pessoas, com repercussão direta na vida, na saúde e especialmente na reabilitação de pessoas com deficiências ou sob tratamento contínuo.

A votação está empatada 1×1, e foi novamente suspensa após o pedido de vista pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o próximo magistrado a votar. A retomada do julgamento está sem data definida.

Antes de tecer considerações a respeito da controvérsia de entendimentos dos ministros do STJ, cabe explicar que a lista de rol de procedimentos da ANS demora, em média, dois anos para ser atualizada.

Isso gera grande defasagem face a evolução das pesquisas científicas, dos protocolos de tratamentos e de medicamentos licenciados que caminham apressados para a cura das doenças. Portanto, o rol de procedimentos da ANS está sempre desatualizado em relação a evolução da medicina.

Mais ainda, nem todos os tratamentos e medicamentos mais modernos são admitidos no rol, o que também o torna obsoleto diante dos procedimentos médicos de ponta.

Posto isso, vale lembrar que o entendimento majoritário do STJ sempre foi pelo rol de procedimentos da ANS ser mínimo, ou seja, é um rol exemplificativo de cobertura, que aliás, sequer é cumprido pelas operadoras, haja vista a quantidade de ações em nosso Poder Judiciário com pedidos de liminares para tratamentos e procedimentos médicos negados administrativamente pelos planos de saúde.

Ocorre que desde o Resp n. 1733013/PR, (Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020), que mudou o entendimento pela taxatividade do rol, as turmas julgadoras do STJ começaram a divergir, ora julgando pelo rol taxativo, ora julgando pelo rol exemplificativo, culminando nesse momento histórico de mudança ou não de entendimento que afetará milhões de brasileiros.

Importante lembrar que o pioneiro na mudança do entendimento é o ministro Luis Felipe Salomão, Relator do Resp. n.1886929, que defende a taxatividade do Rol de procedimentos da ANS sob argumentos: “Queremos também atender ao pressuposto da Constituição que garante saúde a todos – mas aqui é saúde privada, todos que estão no plano pagam por esse serviço. Uns não podem ter mais do que outros, porque fere o equilíbrio do contrato, porque fere a equação, porque não permite um planejamento adequado, e na hora que alguém precisar, não vai ter”.

Já a ministra Nancy Andrighi, com entendimento contrário, defende que o Rol da ANS é exemplificativo, pois é papel constitucional a defesa do consumidor (artigo 17, V, da Constituição Federal) e da promoção da saúde (artigo 196), e que “Uma terapia não deixa de ser obrigatória por não estar no rol da ANS – apenas se presume não obrigatória. A obrigatoriedade das terapias que estão ali dispostas advém da identificação técnica feita pelo profissional da saúde, no entendimento de que tal terapia é necessária”.

Vale resumir como ponto central de cada voto, o conflito aparente entre o direito à vida, à saúde e a dignidade da pessoa humana face ao direito a livre iniciativa e ao equilíbrio atuarial dos planos de saúde.

A nosso ver, este conflito deve ser resolvido a favor da vida e da saúde, seja da pessoa doente seja da pessoa com deficiência, pois ambas gozam de proteção de normas supralegais como a Convenção de Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional, nos termos do artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, e da proteção das normas infralegais como o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Em contrapartida, as operadoras de saúde já gozam de proteção de eventuais “prejuízos” com os tratamentos e medicamentos, quando podem, na avença celebrada com o consumidor, estabelecer quais enfermidades serão cobertas por seu contrato.

Portanto, o próprio ordenamento jurídico permite que as operadoras de saúde escolham as doenças que estão dispostas a custear e ao consumidor aceitar a lista de enfermidades cobertas por aquele plano de saúde. O que não está autorizado é limitar o tipo de tratamento, intervenção, medicamento, exames e afins indicados para combater a doença ou minimizar os efeitos de alguma deficiência, pois privaria o consumidor ao tratamento indicado por seu médico.

Em outras palavras, as operadoras de saúde podem escolher as enfermidades que querem pagar, mas não podem, por cláusula contratual limitativa, privar o doente ou deficiente a se submeter ao método terapêutico mais moderno disponível à época do surgimento, instalação e evolução da moléstia.

É este o ponto de discussão do STJ, dar poder as operadoras de saúde para que elas escolham não as doenças que querem custear, mas quais os tratamentos que vão pagar considerando como base um rol de procedimentos obsoleto em relação a medicina mais moderna.

Anote-se ainda que, a ANS tem, dentre outras funções, a de regulamentar os procedimentos obrigatórios que devem ser cobertos pelos planos de saúde, todavia, seu poder de regulamentar não é ilimitado, mas complementar à lei dos planos de saúde, devendo publicar, portanto, o rol mínimo de coberturas, pois não possui poder para restringir ou limitar a responsabilidade das operadoras de saúde, que advém da lei e dos contratos celebrados com os consumidores.

A nossa função, diante da possibilidade de tornar o rol de procedimentos da ANS taxativo, é defender incansavelmente a vida e a saúde de todos aqueles que serão impactados como a pacificação do entendimento do STJ, se este restar taxativo.

Portanto, como nação e defensores da vida e da saúde quanto maior for a quantidade de pessoas informadas sobre o impacto que acontecerá com a taxatividade do rol de procedimentos da ANS, mais chances teremos de influenciar e sensibilizar os ministros do STJ.

Ressaltando que a taxatividade do rol de procedimentos da ANS, submeterá a todos a tratamentos médicos ultrapassados e as vezes ineficientes e possibilitando somente aqueles que podem pagar por tratamentos particulares o acesso as melhores tecnologias médicas.

 

* Marcia Polazzo Machado Bergamin Almeida, é advogada formada pela PUC/SP desde 2001, mestre em Business e Law pela FGV/SP, especialista em Direito do Consumidor e Direito de Saúde.