Catástrofe socioambiental, emergência climática, evento climático extremo. Até pouco tempo, quase não ouvíamos essas palavras no Rio Grande do Sul. No entanto, não precisa ser especialista em clima e meio ambiente para entender que quase 90% das cidades do Rio Grande do Sul foram afetadas fortemente pelas chuvas também por falta de políticas públicas. Acredito que é preciso sim refletirmos profundamente sobre as causas desta tragédia. Trata-se de uma tragédia anunciada, fruto de escolhas políticas e da ausência do Estado. Ignorar a ciência e ignorar políticas que poderiam ajudar a lidar com a crise climática levou à tragédia do Rio Grande do Sul.

Não podemos fechar os olhos para as centenas de vidas que foram perdidas. Sem falar nas pessoas que perderam tudo, inclusive a dignidade de viver bem e com qualidade de vida.

Infelizmente, essa é a maior crise climática do Brasil, com mais de 435 municípios fortemente atingidos pelas enchentes. Como acompanhado nos noticiários diários, muitas pessoas não terão para onde voltar, muitas outras vão encontrar o caos em suas casas. É muito triste.

Dentro desse contingente de atingidos, estão as pessoas vivendo com HIV/aids, sendo as mulheres as mais atingidas em todos os aspectos. Informações desencontradas, serviços e farmácias com antirretrovirais e outros insumos embaixo d’água, falta de luz, falta de medicamentos, mudança de serviços. São incontáveis os prejuízos que pessoas em situação de vulnerabilidade estão vivenciando.

Já chegou até nós do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas relatos de mães vivendo com HIV que não estão conseguindo a fórmula láctea para alimentar os seus filhos.

Nenhuma tragédia é para amador, tudo pode piorar, inclusive os números alarmantes de transmissão vertical (transmissão do HIV da mãe infectada para o bebê) no Estado.

Estou particularmente preocupada com as pessoas vivendo com HIV/aids que perderam tudo e hoje estão em abrigos.  Será que elas estão conseguindo tomar a medicação? Sabemos que o estigma e a discriminação fazem com que muitas destas pessoas mantenham o sigilo por medo da exposição e da falta de confidencialidade.

As autoridades até forneceram formulários para um possível mapeamento de quem vive com HIV, mas nós sabemos e vivenciamos na pele o preconceito diário. Isso pode impactar na adesão, até mesmo porque muitos saíram de suas casas rapidamente, sem documentos, sem medicamentos, sem roupa, sem nada.

Para além do HIV, temos a tuberculose que está muito relacionada com a mortalidade de pessoas vivendo com HIV/aids.

As ações de prevenção também vêm sendo seriamente atingidas. Não temos se quer acesso as profilaxias pré e pós exposição ao HIV e aos insumos, como camisinhas internas e externas e gel lubrificante.

A realidade é que os funcionários, voluntários, profissionais de saúde e a gestão estão exauridos para dar conta do caos. Digo a vocês que há muita gente boa, inclusive pessoas que perderam tudo, auxiliando seus pares, fato é que a ajuda está vindo, mas precisamos de muito mais.

Lembrar que assim como temos pessoas incansáveis, também temos o pior das pessoas aparecendo. Há denúncias e prisões por abusos de crianças e mulheres nos abrigos. Além de todas as vivências traumáticas, ter que conviver com esse tipo de violência é um absurdo.

A Procergs, que gerencia todos os sistemas do Estado, desde medicamentos até as regulações, está com parte dos serviços desligados por motivos de segurança, por isso, dados oficiais inexistem.

A sociedade civil mais uma vez está na linha de frente. É o povo salvando o povo, inclusive são essas pessoas que estão dando conta dos resgates, salvamentos, barcos, jetskis, pilotos, consertos desses equipamentos.

São muitos voluntários captando e produzindo alimentação, articulando insumos, medicamentos e água, levando para os abrigos e para os que estão ainda ilhados.

É a sociedade civil organizada que está munindo de informações às autoridades sobre onde estão as pessoas, quais dificuldades estão acontecendo, e dando as informações e encaminhamentos para as pessoas, é essa sociedade civil que dá conta que não é apoiada como deveria pelos governos.

Não sei o que a nós do Sul teremos que aprender com essa tragédia, mas meu ativismo segue pulsante na luta pela vida.

Ainda bem que mesmo dividido, ainda temos um Brasil solidário. A partir de agora, a luta por políticas públicas afirmativas será ainda mais constante. Não podemos deixar ninguém para trás. Temos muito pela frente, mas com olhar otimista, quiçá seja este o momento de reconstrução, de aprendizado, de investimentos, não poderá ter interesses que interfiram com a natureza, porque a natureza trará as consequências para todos.

Não posso terminar esse artigo sem clamar por ajudar. Precisamos de todo tipo de ajuda, inclusive de profissionais da comunicação para nos ajudar a circular informações verdadeiras.  Pensando especificamente nas mulheres vivendo com HIV, já criamos uma iniciativa para mobilizar recursos e ajudar no que for preciso.

Enfim, a esperança segue pulsando em muitas veias. A luta está só começando.

* Silvia Aloia é integrante do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas.