Este final de semana São Paulo vai sediar sua 25ª Parada do Orgulho LGBT+, em edição totalmente virtual, cujo tema será ‘Ame +, Cuide + e Viva +’, abordando as principais questões envolvendo a epidemia de AIDS: prevenção, assistência e direitos humanos. A iniciativa vem em boa hora, uma vez que todas as atenções estão direcionadas ao Coronavírus, deixando o HIV completamente fora dos holofotes da mídia, dos gestores e da população em geral. E também é bem vinda como uma tentativa de aproximar e fortalecer a articulação entre os movimentos LGBT+ e de AIDS, que historicamente mantiveram um respeitoso distanciamento, mesmo que suas pautas se cruzem e se complementem desde o início da epidemia.

O movimento LGBT+ no Brasil teve início nos anos setenta, quando a ditadura militar estava em seu período de chumbo, com séria repressão a tentativas de organização comunitária, palavras como diversidade, homofobia e tolerância ainda não faziam parte do vocabulário dos brasileiros e as pessoas expressavam aberta e orgulhosamente seu ódio com relação à diversidade sexual. Exatamente a mesma situação enfrentada pelas pessoas vivendo com HIV quando, em 1985, foi fundado o GAPA-SP como primeira ONG/AIDS do Brasil. ‘Castigo divino para essa raça de invertidos’ era apenas uma das expressões favoritas dos ‘puritanos’ de plantão, fosse você homossexual ou não. Desde aquele momento era clara a necessidade de união entre os dois movimentos para enfrentar o preconceito gerado pelo medo de uma doença até então pouco conhecida. Mas aconteceu o contrário, ambos acharam prudente não se aproximarem muito para não agregar mais estigmas a seu segmento, em que as pessoas vivendo com HIV não deveriam arcar com o reforço do estigma da ‘peste gay’ e os homossexuais não queriam reforçar o conceito de ‘grupo de risco’.

Assim passaram os anos e, mesmo tendo farto financiamento para a realização de paradas LGBT+ e projetos voltados aos segmento pelos programas de AIDS espalhados pelo país, essa integração entre os movimentos se deu em ações pontuais e representações em conselhos e colegiados, sem qualquer resultado expressivo no que diz respeito ao enfrentamento de nossos maiores desafios, sejam eles decorrentes da epidemia de AIDS ou das pautas LGBT+. E a Parada LGBT+ não foi exceção e este ano aborda o tema pela primeira vez, sendo que um dos diretores declarou em entrevista que a Associação da Parada abre as portas para que o movimento de AIDS mostre o que está acontecendo. Um pouco tarde para isso, já que teremos que fazer uma linha do tempo que já tem 25 anos e muita coisa aconteceu nesse meio tempo.

Mas não é tarde demais. É extremamente louvável que a Parada de SP venha a dar o que pode vir a ser o chute inicial em uma nova relação entre o movimento de luta contra a AIDS e o de luta pelos direitos LGBT+. Ainda mais que hoje vivemos no Brasil uma situação que parece ter saído das telas de Fellini, de tão surreal que é nossa realidade. Um presidente que já declarou que uma surra cura a viadagem e que o Estado não tem obrigação de custear tratamento de quem pegou essa doença aí na sacanagem, sendo sustentado por um parlamento que coloca a Bíblia, o boi e a bala acima de tudo e o mito acima de todos. Basta! É hora de deixar de lado os temores mútuos de arcar com os estigmas de outro segmento, isso mais parece o Dilema de Tostines: vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?

* Beto Volpe é radical livre, escritor e pai da Wendy.