Os mais de 280 mil farmacêuticos em atividade no Brasil e o Conselho Federal de Farmácia foram surpreendidos, em 18/07, com a manifestação oficial do Ministério da Saúde de suspensão da autorização concedida à categoria, de prescrição das Profilaxias Pré e Pós-Exposição ao HIV (PrEP e PEP).

Em quatro meses, demos um passo gigante, e depois retroagimos uma distância incalculável. Não é possível mensurar o tamanho do impacto que essa medida irá causar sobre a vida de centenas de milhares de pessoas que dependem do acesso a essas profilaxias para prevenir uma condição de saúde grave, e que onera sobremaneira o Sistema Único de Saúde (SUS).

Era grande a expectativa de expansão do acesso, especialmente para pessoas trans e travestis, negras e outras populações vulnerabilizadas, que serão as mais penalizadas com a decisão tomada agora. Segundo dados do próprio Ministério da Saúde, atualmente, os beneficiados se concentram entre indivíduos de classes mais privilegiadas, ou seja, as profilaxias não chegam a quem mais precisa delas.

Outro dado importante é que temos cerca de 700 mil pessoas em terapia antirretroviral no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, é urgente desacelerar o ritmo de crescimento desse contingente de pacientes, não apenas por questões epidemiológicas, mas, também, orçamentárias.

Diante de tantas evidências da importância da incorporação dos farmacêuticos a essa frente de trabalho — que, aliás, foi requisitada pelo próprio Ministério da Saúde, em visita à sede do CFF –, preferimos acreditar na falta de compreensão da atuação clínica do farmacêutico, que, nesta área, já ocorre em diversos países, entre os quais o Canadá e os Estados Unidos. Não é justo privar os cidadãos brasileiros dos avanços que essa contribuição tem proporcionado onde já está consolidada, especialmente aqueles que vivem com o HIV e esperam por atendimento.

A desautorização da prescrição de PrEP e PEP por farmacêuticos não parece ter outra intenção a não ser centralizar o cuidado aos pacientes, e ainda privará o país de atingir as metas 90-90-90, da Declaração Política da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o Fim da AIDS, assinada em 2016. Essas metas visam levar a testagem e o tratamento para a grande maioria das pessoas que vive com HIV até o final de 2030 e reduzir a carga de viral em seus organismos a níveis indetectáveis, para que se mantenham saudáveis e evitem a propagação do vírus.

O ato do ministério contraria a lógica do SUS, um sistema que nasceu multidisciplinar e que tem na assistência integral à saúde um de seus mais importantes princípios. O próprio Ministério da Saúde entende que a PrEP não é um tratamento, mas sim, uma profilaxia medicamentosa, que não pressupõe diagnóstico nosológico, não sendo, portanto, um ato médico.

É fato que o sentimento é de impotência. Uma força de trabalho enorme, um exército de profissionais capacitados está sendo descartado! Profissionais acessíveis, que atuam de portas abertas, prontos para acolher, orientar e cuidar! Profissionais que demonstraram nesses quatro meses, e mesmo antes, nos serviços que já vinham funcionando por meio de protocolos locais, que fazem, sim, a diferença para o usuário das profilaxias!

Mas esse sentimento de impotência não nos paralisa! Devidamente autorizado pela Lei nº 3820/1960, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) tem buscado respaldar e incentivar os farmacêuticos a resgatar o seu papel milenar do cuidado à saúde das pessoas. Atendendo a sua missão de zelar pela saúde pública, conferida por essa mesma lei, o CFF aprovou as Resoluções 585 e 586/2013 e 713/2021, que dispõem sobre a atuação clínica dos farmacêuticos, incluindo em programas do SUS, por meio de protocolos. E vai lutar para que esse trabalho seja respeitado, valorizado, e que a contribuição dos farmacêuticos, tão importante, possa ser prestada.

* Walter Jorge João é presidente do Conselho Federal de Farmácia.